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6.1 Quem é a mulher?

6.1.2 A mulher no mercado de trabalho

As características e comportamentos da mulher no ambiente de trabalho foram descritos pelos profissionais em comparação com os homens, quando questionados sobre a existência de diferenças entre homens e mulheres. O objetivo era verificar se eles acreditavam haver diferenças e observar, caso positivo, quais seriam elas.

Os profissionais de RH entrevistados tendem a exaltar as características tipicamente femininas socialmente consideradas positivas, como a alta qualidade de entrega do trabalho (alto nível educacional, alto comprometimento, dedicação, cuidado com o detalhe), alta capacidade de resolução de conflitos (cuidado com os outros, empatia, compreensão, entendimento do ambiente, perfil mais integrador e colaborativo), capacidade de lidar com várias coisas ao mesmo tempo, além da questão da intuição e sensibilidade feminina. Nota-se que, exceto pela alta qualidade de entrega, as demais características apresentadas refletem a construção da imagem da mulher na sociedade.

Os profissionais de RH apresentam as mulheres como mais estudiosas e mais qualificadas do que os homens. Para eles, as mulheres contribuem com o conhecimento formal, mas também com a qualidade na entrega desse conhecimento.

E aí por isso que as mulheres vieram, até para elevar o nível, porque uma grande parte delas, engenheiras, elas assim, terminando a graduação, estão entrando em uma pós, em mestrado, então elas começaram... o pessoal começou a ver e falou: – Olha, ela dá conta de tudo isso e ela ainda faz isso daqui. E aí o povo começou a falar... já vem falando inglês, já vem, porque elas vão se preparando, acho que tem uma questão muito de mulher, acho que mulher já é aquela... parece que a vida inteira você estuda, você nasce e já está estudando alguma coisa, faz ballet, natação, inglês. Então, elas já vêm preparadas e estão dando, assim, um show nos homens e isso eu acho muito legal, porque aí eles começam a respeitar. (Entrevistada G) Se a mulher tem uma qualificação educacional muito melhor do que o homem e tem mesmo, têm melhores notas, se forma mais, enfim, tem mais anos de estudo, tudo

que você quiser aí, nas máquinas, provavelmente ela vai saber apertar o botão certo, vai saber ler inglês, vai poder ter o raciocínio, vai poder trabalhar com a equipe, tal, então a questão física é cada vez menor, tende a diminuir (Entrevistado M)

Eu acho que as competências são iguais, mas a qualidade de entrega da mulher é muito diferente. É mais cuidadosa, você vê que teve um carinho, um cuidado com aquilo. E o homem vai lá no power point, explica duas linhas, e está excelente, ok, acha que deu show, né? (Entrevistada A)

Então eu acho que as mulheres, na média, são mais preparadas em termos de estudo, em termos de disciplina, da rotina de trabalho delas, [...] Então consequentemente elas provavelmente numa reunião, elas vão muito mais preparadas para aquela discussão. Eu acho que o homem é um pouco mais relapso em relação a isso, porque ele tem algumas, entre aspas, vantagens em ser homem, ser maioria, etc., ou usar um pouco da força bruta ou da autoridade, e talvez ele se prepare um pouco menos, ele é um pouco mais relapso. (Entrevistado W)

A característica de ser multitarefa também foi ressaltada por grande parte dos entrevistados, conferindo à mulher uma vantagem em olhar para o problema de forma mais integrada em contraposição à capacidade de foco dos homens e à facilidade deles com problemas e situações que exigiriam habilidades lógico-matemática..

Eu acho que tem características que assim, tipicamente de gênero também, aquela coisa da mulher com uma capacidade de lidar com várias coisas ao mesmo tempo, o homem tem uma capacidade de foco, que pode contribuir com algumas atividades, mas que não necessariamente vai refletir no nível de competência, ou seja, talvez de formas diferentes vão atingir os mesmos resultados. (Entrevistada B)

... ela ousa, as mulheres ousam fazer mais, a capacidade de ser múltipla, a gente fala do multifacetado, ela faz de tudo um pouco, então ela é mãe, ela é mulher, ela é profissional, ela gere bem o seu trabalho, ela concilia e faz muito bem. (Entrevistada T)

Agora, eu acho que a contribuição deste olhar mais feminino, mais integrador... mas seria, assim, mais integrador, mesmo, integrador, colaborativo, capaz de lidar com vários temas diferentes ao mesmo tempo, ele é importante para esse momento dos negócios hoje. (Entrevistada F)

... a mulher tem uma capacidade de olhar de uma forma diferente outros fatores, de trabalhar às vezes de uma forma mais holística, de ponderar as questões de uma forma diferente, então você ter esse balanço quando você tem decisões colegiadas, faz sentido. (Entrevistado S)

Outras características apontadas por grande parte dos entrevistados foram a sensibilidade e a intuição, normalmente apresentadas como algo positivo.

Falando além da questão operacional, pensando em posições mais de liderança e tal, a mulher é muito mais observadora, mais sensitiva, mais conciliadora, percebe que as coisas estão rolando sem que alguém tenha que falar, [...] Então, eu acho que a questão mais sensitiva, sim, sem dúvida, é muito mais desenvolvida. (Entrevistada V)

Mas estatisticamente uma mulher, segundo o gestor da área, pela sensibilidade que ela traz, ela consegue enxergar melhor uma questão de um sinistro, de um falecimento, de um incêndio, uma mulher consegue identificar mais fraudes, então

eu acho que ela tem uma competência um pouco mais... São competências diferentes e complementares, em compensação quando eu olho para áreas de cálculo, de projeção, estatística, de preço de produto, em geral o homem tem mais facilidade e não só facilidade, eles gostam mais de fazer esse tipo de trabalho do que mulheres. (Entrevistada E)

... as mulheres têm algumas habilidades diferenciadas, em termos de... muito mais profundidade, às vezes, muito mais crítica, muito mais sensibilidade para algumas áreas que o trabalho exige. É claro, existe aí sempre, não quero generalizar, mas às vezes o lado feminino, intuição, entrega, às vezes, principalmente esse lado intuitivo, acho que tem... a organização ganha muito com esse lado feminino. (Entrevistado O)

Os entrevistados ressaltaram as características e comportamentos das mulheres que consideram positivos, mas houve falas em que os profissionais ressaltaram pontos negativos, como o comportamento mais “masculino” de algumas mulheres.

Os profissionais que falaram sobre o tema afirmaram que isso tira o diferencial da mulher. Ou seja, ela não é vista como um indivíduo, mas como um complemento às competências masculinas, ou um diferencial dentro das empresas. A feminilidade parece ser vista como uma regra de aceitação das mulheres no meio empresarial.

E aí, a mulher acaba, para demonstrar que ela pode, que ela é igual, elas acabam perdendo o que é o diferencial dela para se igualar ao homem, ‘não, porque eu faço como ele faz também’. Mas aí, qual é a vantagem? Eu não vejo vantagem nenhuma. (Entrevistada G)

Então, às vezes você depara com grandes executivas que, para conseguir um reconhecimento ou uma credibilidade corporativa, ela se comporta como homem. Na forma de se vestir, na forma de se comportar, nas brincadeiras, na tomada decisão, porque vai ser mais aceita. E não é por aí, na minha visão não é por aí, porque eu acho que é justamente o contraponto da análise pelo olhar feminino que vai fazer a diferença. (Entrevistado U)

Agora, uma coisa que eu citaria de cuidado para as mulheres, não necessariamente as mulheres precisam se masculinizar para ocupar seu espaço [...] Eu, particularmente, não acho que é isso, pelo contrário, se a mulher faz a diferença, é do jeito dela, não querer que ela se iguale ao homem, é pelo contrário, ela tem o seu valor sendo mulher. (Entrevistado M)

E eu falo assim, o que ela não pode perder é o que ela traz de feminino para a mesa, o charmoso, a doçura, o sentimento de cuidado, o sentimento de carinho, o que não significa que não seja inteligente, que não seja uma súper executiva, que não tenha liderança, que não seja prática para tomar decisões. (Entrevistado Z)

Os entrevistados associaram os comportamentos considerados masculinos que as mulheres apresentam ao ambiente de trabalho em que atuam, que, de alguma forma, faz com que elas comecem a se comportar dessa maneira.

A posição da mulher no mercado de trabalho, ela tem que ser muito valente pra estar ali no meio. Porque é um ambiente de briga, de gente grande. E homem tem a

história de falar mais alto, de falar grosso. Mulher tem que se impor. E aí se torna durona. É complicado. (Entrevistada A)

Eu acho que não perder tudo (referindo-se à feminilidade) é um pouco difícil, porque o meio executivo, em geral, ele puxa um pouco mais hoje pelas características masculinas, então ela acaba incorporando um pouco disso, mas pelo menos tem uma metade dela que ainda continua com essa coisa mais do equilíbrio, mais da sensibilidade, mais da visão de futuro, mais de longo prazo, do que do homem. (Entrevistado W)

E, depois, eu acho que a mulher também enfrenta uma... uma outra escolha que ela tem que fazer é em relação a mostrar ou não as características femininas que ela tem. Então muitas mulheres se masculinizam no ambiente corporativo porque, de fato, o ambiente corporativo ele nasceu masculino e hoje ainda é predominantemente masculino. (Entrevistado Q)

A partir da análise das práticas discursivas sobre as mulheres, observa-se que as mulheres são retratadas como responsáveis pela casa e pelos filhos em sua vida pessoal e como estudiosas, cuidadosas, sensíveis e com visão holística na vida profissional. Embora a superqualificação seja vista como algo diferencial, não faz com que as mulheres tenham mais oportunidades. Ela permite às mulheres se destacarem e competir com os homens, compensando o fato de serem mulheres.

Nas falas dos entrevistados, as características e comportamentos das mulheres que trabalham foram, em parte, associados também ao seu papel na esfera doméstica e tratados como pontos positivos; alguns dos comportamentos observados que estavam fora do que é esperado foram criticados.

Verifica-se, então, que os profissionais de RH avaliam as mulheres com características e comportamentos diferentes quando comparadas aos homens, caracterizados como mais relapsos nas entregas, mais focados e detalhistas. Além de não ser igual em termos de características e comportamentos, quando os comportamentos de uma mulher são percebidos como mais “masculinos”, ela é vista de maneira negativa pelos entrevistados. Nas falas, podem se identificar regras pré-estabelecidas para a presença da mulher dentro das empresas, como se ela só fosse aceita se tiver comportamentos adequados à construção social sobre o que é ser mulher, demonstrando uma das faces do “firewaI”.

Na fala dos entrevistados, é possível verificar o dilema da maternidade para as mulheres que alcançam uma posição gerencial dentro das empresas. A opinião sobre a impossibilidade de conciliar crescimento na carreira gerencial e maternidade é unânime entre os entrevistados: ou elas perdem a continuidade na carreira, ou a relação com os filhos. Esse dilema é retratado como algo doloroso para as mulheres, envolvendo palavras como “culpa” e “sofrimento”. Em

relação aos homens e paternidade, esse dilema não aparece. Ele não é responsável pela casa e pelos filhos, nem cobrado por isso, logo, se é necessário viajar, trabalhar até mais tarde, eles podem fazer tranquilamente, dando continuidade a um ciclo vicioso.