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3.2 As mulheres nas empresas

3.2.2 Ambiente de trabalho

Bourdieu (2007) descreve a violência simbólica como algo invisível até para as próprias vítimas. Assim como o autor mostra as várias faces da violência simbólica na vida privada das mulheres, transformando aquilo que é cultural em natural, mostra também como ocorre no ambiente empresarial, a partir da valorização do trabalho e dos tipos de responsabilidade atribuídas a cada gênero.

Com foco nas empresas, Martin (2006, p. 255) analisa diversos depoimentos e conclui que o ambiente organizacional é repleto de discriminações de gênero “pouco visíveis, nem sempre intencionais, e raramente reconhecidas e condenadas”. A discriminação tem sido detectada na distribuição de responsabilidades e promoções entre homens e mulheres (MACEDO et al, 2012), nas formas mais veladas e sutis, como comentários e piadas machistas (IRIGARAY; VERGARA, 2009), e nas ocorrências de assédio moral ou sexual (CORRÊA; CARRIERI, 2007; BRUNSTEIN; JAIME, 2009; CAPPELLE; MELO, 2010)

Dentre as formas veladas e sutis de discriminação, destaca-se a atribuição de conotação negativa aos comportamentos das mulheres e a qualificação dos traços associados aos homens (IRIGARAY; VERGARA, 2009). Quando as emoções são expressas por uma mulher, estão associadas à instabilidade emocional e à fraqueza, enquanto quando expressas por homens, são vistas positivamente e chamadas de “sensibilidade masculina” (RAGINS; WILKEL, 2011; CARRIERI et al, 2013). Ao contrário, quando as mulheres adotam comportamentos considerados masculinos, são criticadas e avaliadas negativamente (DAMBRIN; LAMBERT, 2012). Para ilustrar, há dois trabalhos na área. Amanatullah e Tinsley (2013) conduziu um experimento e mostrou que a assertividade numa negociação salarial é bem vista para um homem, mas é mal vista para as mulheres, classificadas como arrogantes ou desagradáveis. Por outro lado, as mulheres não assertivas nas negociações foram avaliadas como simpáticas, mas não competentes. Também há o trabalho de Deaux (1984), que demonstra haver uma expectativa sobre desempenho maior dos homens do que das mulheres. Quando elas apresentam um baixo desempenho, o resultado é atribuído a causas internas; um bom desempenho, a causas externas. Para os homens, é o contrário: baixo desempenho é atribuído a causas externas e bons desempenhos, a causas internas.

Além da discriminação por serem mulheres, Irigaray e Vergara (2009) revelaram que algumas sofrem discriminação de “segunda ordem” pelas diferenças de cor da pele, classe social, orientação sexual ou deficiência. Isso demonstra a importância de incluir maior diversidade na pesquisa sobre as mulheres.

As minorias, consideradas pessoas cujos grupos tem menos poder na sociedade (ALVES; GALEÃO-SILVA, 2004), além de sofrerem mais discriminação, são as principais vítimas de assédio moral (HELOANI, 2004). Esse assunto é considerado tabu e, por isso, difícil de ser identificado e estudado. Para Heloani (2004), o assédio moral tem o objetivo de neutralizar o poder da vítima vista como ameaça normalmente em um ambiente de hipercompetitividade. Valadão Junior e Mendonça (2015, p. 22) caracterizam o assédio moral como:

[...] atos negativos (diretos ou indiretos) empreendidos por um ou mais indivíduos, de maneira sistemática e de longo prazo, a uma ou mais vítimas, envolvendo um desequilíbrio percebido de poder (não apenas no sentido formal), resultando em graves danos psicológicos (e, às vezes, até físicos) para a(s) vítima(s).

As mulheres, mesmo as que alcançam nível de gestão, são vítimas de assédio moral. No Brasil, em pesquisa realizada por Corrêa e Carrieri (2007), os chefes foram os principais

responsáveis pelo assédio moral com atitudes que denegriram a imagem da gerente em relação ao trabalho.

Cappelle e Melo (2010), em pesquisa conduzida com policiais militares, revelaram a interface entre o Assédio Moral e o Assédio Sexual. As recusas das policiais resultavam em perseguição e punição, dificultando sua ascensão profissional.

No Brasil, país onde sensualidade e erotismo fazem parte da cultura nacional, o assédio sexual é muitas vezes explicado como “apenas” uma cantada, mas o assédio é hostil, degradante e assustador (FITZGERALD, 1993; FREITAS, 2001) O assédio sexual é definido por três dimensões: 1) assédio de gênero: insulto verbal e não verbal, hostilidade e atitude degradante contra a mulher; 2) atenção sexual sem permissão: comportamentos sexuais sem reciprocidade; 3) coerção sexual: proposta de subornos, ameaças ou oferecimento de benefícios no trabalho condicionados a aceitação de uma proposta sexual (COGIN; FISH, 2007).

Nem sempre as situações de cunho sexual podem ser classificadas dentro do conceito de assédio, porém a criação de um ambiente hostil para as mulheres com comportamentos de intimidação, humilhação ou contato físico não permitido também precisa de atenção da empresa (MCDONALD; BACKSTROM; DIER, 2008). De acordo com pesquisa conduzida por Rotundo,Nguyen e Sackett (2001), as mulheres definem mais situações do que considera assédio em relação aos homens, como um abraço sem consentimento, pois percebem essa atitude como ameaça.

Nos casos em que as situações de assédio sexual são relatadas, as mulheres não conseguem apoio das empresas, algumas são trocadas de área, punidas e até demitidas (FREITAS, 2001; MCDONALD; BACKSTROM; DIER, 2008; CAPPELLE; MELO, 2010). Segundo Freitas (2001, p. 19), os valores machistas suportam essas práticas e dificultam a eliminação do problema:

Os pressupostos de que “onde há fumaça, há fogo” ou “algumas vítimas fazem por merecer o que lhes acontece” ou “há sempre uma ponta de provocação por parte da assediada” tornam a mudança muito mais lenta. Pior que isso, a pessoa agredida acaba sendo levada a acreditar que é a sua reputação, e não a do agressor que ficará manchada, que é ela quem deve envergonhar-se e que será ela o objeto de censura e de desaprovação social.

Cortina e Berdahl (2008) propõem um modelo para eliminar o assédio sexual nas empresas: começa com garantia de confidencialidade das denúncias e criação de compromisso em treinar, sensibilizar e encorajar as denúncias, apoiados pela divulgação de um código de comportamentos inaceitáveis, que incluiria atos de misoginia, obscenidades e agressão.

Vários autores expõem que os homens não percebem os limites necessários para a criação de um ambiente digno para as mulheres, seja porque não percebem os próprios comportamentos ou comentários machistas (IRIGARAY; VERGARA, 2009; MARTIN, 2006), ou ações de cunho sexual (ROTUNDO; NGUYEN; SACKETT, 2001). A dominação masculina naturalizou-se de tal ordem que se tornou praticamente invisível (ECCEL; ALCADIPANI, 2012). Sendo invisível, é necessário investir grande esforço para revelar a dinâmica verificada em posturas, gestos e palavras, como a expressão “agir feito homem” (CZARNIAWSKA, 2006; MARTIN, 2006).