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Após análise do Referencial Teórico desse trabalho, verifica-se que ao longo dos últimos anos as mulheres fazem cada vez mais parte do mercado de trabalho (MTE, 2011), aos poucos desenvolvendo suas carreiras para alcançarem cargos de liderança (BRUSCHINI; PUPIN, 2004), tentando redistribuir as responsabilidades domésticas (MADALOZZO; MARTINS; SHITORI, 2010), ao mesmo tempo em que precisam enfrentar obstáculos dentro de casa e na empresa (FREITAS, 2001; MARTIN, 2006; WEYER, 2007). Como consequência, as

empresas têm debatido o assunto e até adotado práticas que facilitem a inclusão das mulheres (FLEURY, 2000; LUCAS et al, 2010).

Nesse momento de transformação, com as mulheres cada vez mais incluídas no mercado de trabalho formal, optou-se, dentre tantas possibilidades, utilizar a análise de discurso proposta por Fairclough (2001), cujo foco é a Mudança Social. O autor exemplifica as mudanças a partir da perspectiva de gênero, na qual observa contradições dentro de um mesmo discurso entre posições tradicionais, nas quais os indivíduos foram socializados, e as novas relações de gênero.

A adoção da análise de discurso por Fairclough (2001, p. 58) foi pautada também no alinhamento entre a abordagem construcionista e o conceito de discurso proposto pelo autor: “o discurso é socialmente construído constituindo os sujeitos sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crença”.

De maneira prática, um discurso pode ser qualquer tipo de linguagem falada ou escrita, incluindo novas mídias, em forma de narrativas, estórias e conversas (LYNCH, 2007). Entretanto, para Fairclough (2008), o discurso ultrapassa o texto explícito; é também uma maneira de representar o mundo material (processos, relações e estruturas) e o mundo mental (pensamentos, sentimentos e crenças), originada na posição que o indivíduo tem no mundo, sua identidade social e pessoal e as relações que estabelece com outras pessoas. Também é considerado ação social, visto que as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os outros a partir de seus discursos. Fairclough (2001) aponta três aspectos dos efeitos construtivos do discurso: construção de identidades sociais, construção das relações sociais entre as pessoas e construção de conhecimento e crenças.

Nessa abordagem, a linguagem é concebida dialeticamente, conectada à vida social, atraindo cientistas sociais para atentar às características linguistas dos textos. Para realizar a análise do discurso, é necessário atentar às posições institucionais, interesses, valores, intenções, desejos dos produtores, as relações entre os elementos e quem são os receptores, visto que a constituição do significado não está apenas naquilo explícito, mas também no que está implícito no texto e o que é premissa (LYNCH, 2007; FAIRCLOUGH, 2008; GODOI, 2010). A proposta da Análise de Discurso, apresentada por Fairclough (2001), chamada no livro de “Teoria Social do Discurso”, é realizada a partir da análise de três dimensões:

 Texto: faz-se a análise linguística com atenção ao vocabulário, gramática, coesão, estrutura textual, ou seja, atenção à descrição do texto contido no evento discursivo;  Prática Discursiva: observa e interpreta os momentos de interação, a força dos

enunciados, coerência, intertextualidade e lexicalização (significação em tempos e épocas diferentes e para grupos de pessoas diferentes), que será foco da análise deste trabalho;

 Prática Social: analisa as estruturas sociais, hegemonia e ideologia.

A Análise de Discurso de Fairclough (2001) é considerada crítica porque busca revelar como as relações de poder moldam e transformam as práticas discursivas. Para o autor, as práticas discursivas intermedeiam as outras dimensões de análise: texto e prática social, ou seja, as práticas discursivas podem ser consideradas formas de expressão da prática social.

Fairclough (2001) explica que analisar um discurso como prática discursiva inclui a microanálise, considerada uma explicação do modo como os participantes produzem e interpretam textos; e a macroanálise, realizada a partir dos processos sociais com referência aos ambientes econômicos, políticos e institucionais nos quais o discurso é gerado. Para o autor, as práticas discursivas “recorrem a convenções que naturalizam as relações de poder” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 94).

De maneira específica, Spink (2010, p. 27) desenvolve um modelo de análise das práticas discursivas, baseada na seguinte definição: “são as maneiras pelas quais as pessoas, por meio da linguagem, produzem sentidos e posicionam-se em relações sociais cotidianas”, sendo que:

O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mas precisamente interativo, por meio do qual, as pessoas – na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta (SPINK; MEDRADO, 2013, p.22).

A partir dessas primeiras definições da análise de práticas discursivas proposta por Spink (2010), verifica-se que também está alinhada à abordagem construcionista, inclusive a autora expõe que sua proposta foi elaborada dentro dessa abordagem já na apresentação. Em seu livro mais recente, Spink e Frezza (2013) relatam que, ao analisarem as práticas dentro da abordagem construcionista, estabelece-se uma necessidade de reflexão para que algumas construções possam ser revistas.

As práticas discursivas têm como elementos constitutivos: a dinâmica (enunciados, orientados por vozes), as formas ou speech genres e os conteúdos, que são os repertórios interpretativos (SPINK, 2010; SPINK; MEDRADO, 2013).

Na dinâmica, o enunciado é único e não se repete pela singularidade de cada situação (FOUCAULT, 2008). Em uma conversação, os enunciados referem-se a um processo de interanimação dialógica, ou seja, eles são endereçados a uma ou mais pessoas que se interanimam mutuamente, nas palavras faladas ou em sua mente (SPINK; MEDRADO, 2013). Nessa dialogia, deve-se atentar a como o locutor percebe o pesquisador e qual seu efeito no enunciado.

Spink (2010) alerta que durante a produção de sentido, interlocutores variados, e não somente o entrevistado, estão presentes na lembrança de histórias ou falas de outras pessoas, que remetem à intertextualidade da proposta de análise de práticas discursivas de Fairclough (2001).

Os speech genres são as formas de enunciados que pretendem alcançar coerência com o contexto, com o tempo e com o interlocutor. Uma resposta vista como apropriada é pautada em um referencial compartilhado, “não demonstrado e indemonstrável” da realidade (GIDDENS, 2002). Na análise das práticas discursivas, a atenção, nesse sentido, estará voltada para as coerências e, principalmente, para as incoerências dentro de um enunciado (SPINK; MEDRADO, 2013).

Em relação aos conteúdos, ou repertórios interpretativos, definidos como conjunto de termos, descrições, lugares e figuras de linguagem usados no desenvolvimento de uma linha de argumentação, foram em algum momento socialmente construídos (SPINK; MEDRADO, 2013).

A produção de sentido está relacionada também à linha histórica para entender como os conceitos foram construídos, apropriados e reconstruídos pelas pessoas. Spink e Medrado (2013) expõem os três tempos embutidos nas práticas discursivas:

 Tempo Longo: enunciados que se referem a conteúdos produzidos pela sociedade ao longo do tempo, podendo ser ligados à religião, à ciência e às tradições, e que estão presentes, ainda hoje, de alguma forma nas instituições ou modelos mentais.

 Tempo Vivido: os enunciados estão relacionados à experiência, à socialização e ao processo de aprendizagem individual. Também se referem às diversas vozes que fazem parte dos enunciados e às memórias afetivas.

 Tempo Curto: refere-se ao tempo das interações sociais na comunicação direta, à dialogia entre os interlocutores e à polissemia dos repertórios.

Em relação aos tempos, Giddens (2002) argumenta que a lembrança individual (tempo vivido) e a institucionalização da experiência coletiva (tempo longo) tem em comum a relação da linguagem com a memória. As distâncias temporais entre esses dois tempos são diminuídas pela preservação do significado das palavras e características estruturais da linguagem.

Fairclough (2001; p. 134) propõe que o texto “absorve e é constituído por textos do passado”. O discurso atual é uma relação com textos anteriores, de aceitação e de questionamentos contribuindo para mudanças de discurso.

Embora Spink (2010) não tenha tratado dessa forma, sua construção da análise de práticas discursivas, conforme apresentada, em muito se assemelha à proposta de Fairclough (2001). Primeiramente, alguns elementos de análise de práticas discursivas são semelhantes, como os enunciados, a coerência (ou a incoerência) e a intertextualidade. Spink e Medrado (2013) avaliam que a análise de práticas discursivas considera as “permanências” e as “rupturas históricas”, que permitem revelar as transformações históricas, assim como Fairclough (2001) defende que a análise de práticas discursivas, ponte entre o discurso e a prática social, revela as mudanças sociais.

Sendo objetivo desta tese revelar quais os sentidos atribuidos pelos profissionais de RH à sua atuação nas questões de Justiça Organizacional relacionada à gênero, adotou-se para esta pesquisa as propostas de análise de práticas discursivas de Spink (2011) e, por ser um assunto em momento de mudança de discurso, adotou-se a “Teoria Social do Discurso” proposta por Fairclough (2001).

5 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Neste capítulo, serão apresentadas uma introdução sobre os principais pontos considerados para o desenvolvimento da pesquisa, a descrição da estratégia de pesquisa e a caracterização dos respondentes.

Essa pesquisa foi realizada a partir dos conceitos relacionados à pesquisa feminista dentro de uma abordagem construcionista (MORGAN, 1980; GERGEN, 2009), conforme apresentação no capítulo anterior.

Apesar da pluralidade de definições e abordagens relativas à pesquisa feminista, elas apresentam pelo menos dois pontos em comum: a pretensão de conseguir uma transformação social (CAPPELLE et al, 2007) e de revelar relações de poder e premissas que permitam compreender as dinâmicas sociais entre homens e mulheres (BRISOLARA, 2003).

Essas dinâmicas, dentro do ambiente empresarial, normalmente demonstradas em pesquisas a partir da perspectiva das mulheres, também podem ser explicadas a partir da perspectiva dos profissionais de RH. Como participantes dos processos decisórios de carreira e remuneração, a escolha desses profissionais como informantes adiciona novos conhecimentos e possibilidades à questão da mulher nas empresas. Para isso, é importante entender primeiramente como esses informantes compreendem a mulher, suas características e como percebem as diferenças entre homens e mulheres dentro das empresas (DEAUX, 1984; SCOTT, 1986).

Dentro da abordagem construcionista adotada para esta pesquisa, o objetivo é compreender o ponto de vista dos entrevistados, como descrevem, explicam e lidam, ou seja, como atribuem sentido à sua atuação nas questões relativas à Justiça de Gênero (MORGAN, 1980; GERGEN, 2009; SPINK; MEDRADO, 2013).

Deve-se considerar nas análises que sua identidade como profissional de RH no momento da entrevista impacta seu posicionamento, as histórias e os personagens apresentados, e que a identidade pessoal pode aparecer embutida nas práticas discursivas (BERGER; LUCKMAN, 2007; FAIRCLOUGH, 2008; PINHEIRO, 2013).