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As primeiras pesquisadoras feministas iniciaram seus estudos na década de 1960, revelando o sexismo e o androcentrismo presentes nas pesquisas dominadas por homens que propiciavam um entendimento parcial da natureza humana, da cultura e da história. O feminismo nas ciências nasce como uma estratégia de desafiar o “silenciamento das vozes das mulheres” na sociedade e no ambiente acadêmico. Por outro lado, as pesquisas e contribuições das mulheres foram consideradas pelos homens como secundárias por serem emocionais e, portanto, menos racionais (ELY; PADAVIC, 2007; BURNS; WALKER, 2005).

A pesquisa feminista é reconhecida como um campo amplo que abarca estudos que promovam insights sobre a situação da mulher em busca de uma agenda de mudanças. Esse comprometimento com a mudança social provoca um distanciamento da pesquisa feminista da abordagem positivista (DEVAULT, 1996; NARVAZ; KOLLER, 2006; THURLOW; MILLS; MILLS, 2006). O caráter político é aceito nas pesquisas feministas, impossibilitando a imparcialidade (CALAS; SMIRCICH, 1999; ELY, PADAVIC, 2007; CALAS; SMIRCICH, 2010). Corroborando com essa ideia, Cappelle et al (2007, p. 6) afirma:

Acredita-se que as teorizações sobre gênero carregam uma dimensão política e um desejo de transformação social, o que favorece sua abordagem sob uma perspectiva crítica e politizada. Nesse contexto, as relações de gênero podem ser entendidas por meio de elementos e discursos capazes de promover dominação e mediar

contradições nas relações de poder entre os agentes sociais em interação nas organizações.

Além dessas características, para Brisolara (2003), a pesquisa feminista também permite evidenciar as relações de poder e dinâmicas, regras tácitas e forças que ajudam a interpretar a realidade. A pesquisa feminista, ao reavaliar como o conhecimento tem sido produzido, demonstra como certos valores, mais comuns no processo de socialização do sexo masculino, são geralmente aceitos como padrão (CALAS; SMIRCICH, 1989).

Ao longo dos anos, conforme desenvolvimento e crescimento do movimento feminista, verificaram-se problemas do universalismo para teorias, abordagens e reinvindicações (ACKERLY; TRUE, 2010). Principalmente após a 2ª onda, os pesquisadores feministas começaram a expandir os temas, utilizar novas abordagens e agregar perspectivas de mulheres de diferentes classes sociais, raça, cor e etnia, profissões, religiões e culturas (THOMAS; DAVIES, 2005; CERCHIARO; AYROSA, 2007; IRIGARAY; VERGARA, 2009; OLSEN, 2010). Essas novas perspectivas necessitam de contexto e de caracterização da mulher estudada para revelar as diferenças entre os diferentes grupos de mulheres.

Carrieri et al (2013, p. 285) explicam a importância de utilizar abordagens de pesquisa que compreendam o contexto específico das mulheres que serão estudadas:

Neste sentido, as diferentes maneiras envolvidas em ser uma mulher ou um homem só pode ser compreendido dentro de um determinado contexto e em uma interface que abrange as outras categorias que podem ser relevantes para a construção de subjetividade8

O conceito de gênero utilizado para essa pesquisa foi definido por Scott (1986, p. 1.067) como “elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos”, sendo assim, uma construção social. De acordo com Carrieri et al (2013), gênero como construção social tem se tornado uma das principais correntes na pesquisa feminista em administração. Nessa perspectiva, as pesquisas realizadas buscam compreender não como as mulheres e homens são realmente diferentes, mas como as pessoas entendem que são diferentes (DEAUX; 1984).

A abordagem construcionista de pesquisa é definida por Holstein e Gubrium (2011, p. 341) como um “mosaico de esforços de pesquisa com diversas sustentações filosóficas, teóricas,

8 No original: “In this sense, the different ways involved in being a woman or a man can only be comprehended

within a given context and in an interface that contain the other categories that may be relevant to the construction of subjectivities.” Tradução nossa.

metodológicas e empíricas”. Entre elas, há duas correntes principais que focaram seus estudos no construcionismo: a Sociologia do Conhecimento tendo o livro “Construção Social da Realidade”, de Berger e Luckmann, a base de suas premissas com foco na conservação e transformação social; e a Psicologia Social, que se preocupa com os processos de interação entre as pessoas e produção de sentido no cotidiano (GERGEN, 1985; SPINK; FREZZA, 2013).

Pelo ponto de vista da abordagem construcionista, de Berger e Luckman (2007), “o homem se desenvolve em um ambiente produzido socialmente”, que inclui as formações socioculturais e psicológicas. Nessa abordagem, essas formações não podem ser vistas como resultados da biologia, mas como uma construção social. Para o tema desta tese, esse ponto é relevante, pois se assumem como naturais e biológicos os comportamentos e papéis que foram construídos socialmente (BEAUVOIR, 1980; HOWARD, 2000; BOURDIEU, 2007). Dessa forma, o gênero, como categoria social (MACCOBY, 1988), tem seus comportamentos limitados por cultura, história e contexto, não havendo referência universal sobre o que é ser homem e mulher (GERGEN, 1985).

As realidades são construídas e apreendidas no processo de socialização, a partir de experiências e refinadas na interação entre9 as pessoas (GUBA; LINCOLN, 1994) Nesse

processo de socialização, o indivíduo entende o mundo dentro de uma cultura e história específicas (GERGEN, 2009). Quando essa realidade é legitimada pela sociedade, será passada como história para as próximas gerações (BERGER; LUCKMANN, 2007).

Como consequência, o conhecimento de um grupo não é necessariamente construído a partir de uma realidade objetiva nem dependente de validade empírica, mas é uma construção de uma versão da realidade de forma negociada entre as pessoas integrantes desse grupo (GERGEN, 1985; BURR, 2003). O conhecimento, então, é transformado em repertório e transferido para os indivíduos desse grupo a partir da linguagem. Para Berger e Luckman (2007), a conversa é o principal mecanismo que mantém, modifica e reconstrói a realidade subjetiva, base do conhecimento de um grupo. Os termos e palavras com os quais os indivíduos entendem o mundo são artefatos sociais, produtos historicamente situados de troca entre as pessoas e formas de compreensão negociada (GERGEN, 2009).

9 No texto original, em inglês, reforça-se a diferenças de interação entre as pessoas utilizando as palavras

A compreensão e o conhecimento de um grupo estão vinculados ao papel que ele assume dentro de uma determinada sociedade. Segundo Berger e Luckman (2007), o indivíduo, ao desempenhar papéis, participa de um mundo social no qual o conhecimento, cognitivo e afetivo, é adquirido e adequado a esse papel.

Com base nessas premissas, a abordagem construcionista situa-se dentro do paradigma interpretativo. Nesse paradigma, de acordo com Morgan (1980), o mundo social é entendido como produto da experiência subjetiva dos indivíduos e, por isso, a ênfase da pesquisa é principalmente o ponto de vista do participante.

As pesquisas desenvolvidas dentro de uma abordagem construcionista têm como principal proposta evidenciar os processos pelos quais as pessoas (participantes) descrevem, explicam e lidam com o mundo, hoje, no passado ou no futuro (GERGEN, 2009). Como consequência, a tarefa do pesquisador será compreender os significados das ações e declarações, mesmo com possibilidade de mal entendido, como alerta Schwandt (2006), visto que é um processo dependente do intérprete.

Essa abordagem aplica-se a essa pesquisa, uma vez que: a) o conceito de gênero adotado, definido por Scott (1986), é visto como uma construção social e b) os profissionais de RH foram socializados, diferenciando comportamentos de gênero de forma naturalizada e, no seu papel profissional, precisam construir um conhecimento específico e se posicionar em relação ao tema. Ao mesmo tempo, essa pesquisa é feminista principalmente por buscar evidenciar as relações de poder e dinâmicas que constituem obstáculos para as mulheres no ambiente empresarial (BRISOLARA, 2003) e por buscar uma agenda de mudanças por meio dos profissionais de RH (DEVAULT, 1996).