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Em relação ao contexto das mulheres na sociedade, na visão dos entrevistados, elas são as principais responsáveis pelo lar e pelos filhos, assim como os resultados de pesquisa de Madalozzo, Martins e Shiratori (2010), e Venturi et al (2013). A relevância e preponderância desses papéis sociais manifestam-se também na fala dos entrevistados quando expõem suas próprias vidas. Na fala dos homens, não aparece a relação com a casa ou com responsabilidades fora do ambiente de trabalho, mesmo que frequentemente mencionem a relação com seus filhos e procurem se mostrar como pais presentes junto a eles. A decisão sobre quem será o cuidador do bebê ou do filho pequeno: a própria mãe, a babá ou a escola, é de responsabilidade da mulher. Já as mulheres entrevistadas, até quando dividem as tarefas de cuidados com os filhos com seus maridos, sentem-se como as responsáveis últimas por elas.

Verificou-se que as responsabilidades com a casa não foram também citadas pelas mulheres, apenas em relação aos filhos. Esses resultados reafirmam a construção social da mulher como dona de casa e mãe, em um cenário em que as responsabilidades domésticas não são valorizadas por ambos os grupos (BOURDIEU, 2007; CHIES, 2010).

Para tratar de Justiça de Gênero, é necessário entender as diferenças de gênero no ambiente de trabalho. Logo, buscou-se fazer isso indagando aos entrevistados o que significa ser mulher. Segundo eles, que partiram de uma matriz heterossexual, em que todos casam e têm filhos, as mulheres são mais cuidadosas, mais estudiosas, tem visão do todo e são mais sensíveis. De acordo com os dados de pesquisas utilizadas para o desenvolvimento do referencial teórico, as mulheres brasileiras estudam durante mais anos, em média, do que os homens, conforme pesquisa do IBGE (2010). Já as palavras utilizadas para descrever as mulheres, como cuidadosas e sensíveis, são relacionadas principalmente ao processo de socialização da mulher e ao tipo de atividade normalmente atribuído a ela na divisão sexual do trabalho. Segundo Bourdieu (2007), as mulheres em geral são consideradas mais sensíveis e mais intuitivas, pois aprendem durante o processo de socialização a observar e prever os “desejos do outro” e “pressentir desacordos” a partir de sinais não verbais. Não foram usadas, em nenhum momento, palavras para descrever as mulheres que fossem associadas à representação de poder e liderança. Nota-se também que as palavras “cuidado”, “preparo” e “estudo” passam a ideia de “esforço” que aparece nas falas de alguns entrevistados ao afirmarem que as mulheres precisam se esforçar mais que os homens para alcançarem os mesmos resultados. A questão desse sentimento foi resultado de pesquisa para Linehan (2002) e Henderson e Ferreira (2012).

Ao longo das entrevistas, verifica-se que, além da construção de uma imagem da mulher hétero-casada-mãe, há a imagem de uma mulher que pode escolher entre a maternidade e o trabalho, ou entre a maternidade e a progressão na carreira, como se fossem excludentes e passíveis de escolha (GRZYWACS; BUTLER, 2008; CARVALHO NETO; TANURE; ANDRADE, 2010). Essas “escolhas” geram culpa, crise e sofrimento, conforme visão dos profissionais de RH, que também declaram que esses sentimentos não são percebidos nos homens ou aparecem com menor intensidade. A maternidade foi tratada como obstáculo, constituído por alguns elementos da divisão de responsabilidades domésticas, de preconceito em relação às mulheres casadas e sem filhos que poderiam engravidar, e de preconceito em relação aos resultados e comprometimento de funcionárias que são mães. A divisão sexual do

trabalho, na qual a mulher é a responsável pelos cuidados com os filhos (BOURDIEU, 2007; FRASER, 2007), faz com que ela não tenha o perfil do trabalhador ideal: aquele que pode viajar a qualquer momento, fazer horas extras e está sempre disponível para a empresa (DAMBRIM; LAMBERT, 2012). Dessa forma, o comprometimento é medido e utilizado como base de decisão, ao invés de avaliar entregas, resultados e competências.

É importante ressaltar que há mulheres que, por questões financeiras e de subsistência, não podem escolher entre a carreira e a maternidade. Segundo o IBGE (2010) 37% das mulheres são responsáveis pela família e criação dos filhos, sendo que parte dessas mulheres não é casada ou o pai não se responsabiliza financeiramente. Talvez a mulher presente nas entrevistas seja uma representação daquelas próximas aos entrevistados, que eles conhecem, que trabalham junto ou que são suas amigas. A possível consequência dessa construção é a formulação de práticas e políticas de RH voltadas para um grupo restrito de mulheres, não incluindo aquelas de classes sociais mais baixas, negras, com deficiência, homossexuais, e até as que não querem ou não podem ser mães, mas que também sofrem preconceito e discriminação dentro das empresas. Outro impacto importante seria a construção de práticas voltadas à Gestão da Diversidade com perspectiva mais restrita.

As mulheres cujos comportamentos são considerados mais masculinos são mal vistas dentro das empresas, inclusive pelos profissionais de RH entrevistados. Como o jeito masculino é o padrão, espera-se que a mulher contribua com seu lado “feminino” para a empresa. Assim como a mulher é considerada o “Outro” ou o “Segundo Sexo” na sociedade, conforme Beauvoir (1980), é também considerada da mesma forma nas empresas. Ela é vista não como um indivíduo, mas como o “Outro” em comparação com os homens.

Adicionalmente a essa análise, Bourdieu (2007) apresenta a mulher como o um objeto para o olhar dos outros, por isso espera-se que sejam femininas: atraentes, sorridentes, simpáticas, atenciosas, discretas. Dentro das empresas, elas precisariam lutar para ter acesso à palavra e para manter a atenção, pois são ignoradas, reduzidas à sua feminilidade e têm suas pautas consideradas caprichos. Essa observação vai ao encontro das falas das entrevistadas: “precisa ser muito valente”, “precisa se impor”.

Scott (1986) explica que os símbolos relacionados às mulheres, muitas vezes contraditórios, são parte das relações sociais de gênero e exemplifica com a imagem da mulher como Maria mãe de Jesus Cristo e como Eva, que morde o fruto proibido, sendo ambas as imagens

vinculadas à Igreja Católica. Os profissionais de RH descrevem a mulher como mãe, esposa, dedicada, sensível, eles estão fazendo referência aos símbolos dessa natureza, como a Maria. Contudo, a exigência de padrões de beleza e os episódios de Assédio Sexual ou de comportamentos sexuais inadequados, percebe-se que a imagem da Eva é presente também no ambiente de trabalho.