• Nenhum resultado encontrado

3.2 As mulheres nas empresas

3.2.5 Conflito trabalho-família

Embora esteja na fala das mulheres reveladas a partir de várias pesquisas no campo de administração no Brasil, não houve um foco de estudo específico sobre a maternidade. O assunto permeia as questões de carreira e embasa algumas explicações das diferenças salariais, mostrando os dilemas e dificuldades de conciliação entre a vida profissional e pessoal das mulheres que são mães.

O acúmulo de funções pode ocasionar desgaste emocional, visto como algo a ser gerenciado pela mulher para ser produtiva no ambiente de trabalho e em casa (BECKER, 2010). Essa produtividade esperada em todas as esferas é retratada nas revistas de negócio, nas quais as mulheres trabalhadoras são normalmente representadas como esposa ou namorada, supermulher (alguém que cuida da beleza, dos filhos, da casa e da profissão), esportista, executiva, sensual, consumidora, econômica, mulher-produto e mulher-solidária (MELO et al, 2004). Essas representações são diversas e por vezes, contraditórias, podendo significar um momento de transição nas representações e na identidade da mulher ou sobrecarga de papéis e funções exercidas pelas mulheres (MELO et al, 2004; CORRÊA et al, 2007).

Em sua tese de doutorado, Morgado (2012) mostra que embora as mulheres de média gerência sofram com o conflito para conciliar os diferentes papeis, o trabalho fica em primeiro lugar na lista de prioridades e a vida pessoal em último, gerando um grave problema de esgotamento físico. Vale ressaltar que na fala das mulheres solteiras, a casa e o convívio familiar não aparecem.

Nesse cenário, muitas mulheres acreditam que precisam fazer uma escolha entre a maternidade e o crescimento de carreira (CARVALHO NETO; TANURE; ANDRADE, 2010). Como a identidade de gênero é construída com forte base nas questões relacionadas à maternidade, as mulheres precisam lidar com as consequências de suas decisões internamente, no trabalho e no convívio familiar e social (SILVEIRA; HANASHIRO, 2011). Quando decidem ter filhos, é esperado que gerenciem o conflito trabalho-família, definido por Grzywacz e Butler (2008) como o grau em que as vidas profissional e pessoal são incompatíveis. Ainda que os autores não tenham encontrado pesquisas que demonstrem a diferença de importância da família para homens e mulheres, afirmam que o conceito normalmente está associado às mulheres, principalmente às mães.

Os problemas organizacionais atrelados à maternidade já começam na gravidez, uma situação privada que se torna pública pela mudança no corpo da mulher, e que provoca diferentes reações dentro das empresas, positivas e negativas, como questionamento em relação ao profissionalismo, ao comprometimento e até desapontamento dos pares e líderes “porque a mulher jogou fora suas chances” (MÄKELÄ; 2012; GATRELL, 2013).

Segundo pesquisa conduzida por Buzzanel e Liu (2007) nos Estados Unidos, metade das mulheres que passaram por algum tipo de discriminação durante a gravidez não voltou a trabalhar depois da licença-maternidade, enquanto grande parte daquelas que não tiveram problemas assumiu suas atividades novamente.

Nesse período de licença-maternidade revelam-se os potenciais conflitos que podem emergir na volta ao trabalho: as questões de saúde das mães e crianças, desenvolvimento infantil, necessidade de trabalho, progressão de carreira, equidade de pagamento e divisão do trabalho doméstico (WHITEHOUSE; HOSKING; BAIRD, 2008).

Na volta da licença-maternidade, esses potenciais conflitos surgem principalmente em ambientes que, de alguma forma, são inadequados nessa situação: cobrança de presença em eventos de socialização fora do horário de trabalho (CAHUSAC; KANJI, 2014), mudança no escopo de trabalho, negação de oportunidades de formação, comentários negativos sobre aparência (MÄKELÄ, 2012), longas horas de jornada, falta de reconhecimento e negação de oportunidades de trabalho (METZ, 2011). Para Metz (2011), essa situação ainda ocorre pelo mito da “mãe-dona-de-casa”, que influencia a percepção de compromisso das mulheres. As mulheres, então, percebem a necessidade de esconder seu papel de mãe nas empresas para poderem continuar em suas profissões, chegando a esconder as bombas para retirada do leite durante o período de trabalho como se essa ação fosse um problema. (TURNER; NORWOOD, 2013; CAHUSAC; KANJI, 2014).

Na tentativa de diminuir o conflito trabalho-família, algumas empresas adotam práticas que viabilizem o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, também chamado work-life balance.

Lewis, Gambles e Rapoport (2007) afirmam que o work-life balance é um constructo social voltado para trabalhos de colarinho branco. Contudo, as práticas não têm mudado a realidade dos trabalhadores, visto que a dificuldade em encontrar tempo para a vida pessoal passa pela

forma de trabalho e qual o perfil do trabalhador ideal. A adoção de práticas não substitui as mudanças, que precisam ser estruturais e culturais.

Para Becker (2010), as práticas deveriam favorecer homens, mulheres e crianças, e não interpretar o conflito como problema que apenas as mulheres devem resolver. Quanto mais for valorizado o envolvimento dos pais na vida familiar, mais rapidamente será alcançada a igualdade no trabalho. Na Suíça, país reconhecido como um dos mais igualitários do mundo para homens e mulheres, mostra que a política de licença parental, que estimula os homens a serem responsáveis também pela criação dos filhos, tem sido crucial para a expansão do trabalho feminino (KUGELBERG, 2006).

Cortina (2008) afirma que a discriminação contra a mulher, e contra outros grupos minoritários, ainda persiste como consequência de um viés sutil, disfarçado por discurso racional. A percepção da discriminação eleva a insatisfação da mulher com o emprego e sua identificação com a organização, resultando na intenção de sair (CAVAZOTTE; OLIVEIRA; MIRANDA, 2010). Como consequência, o turnover, reconhecido como algo natural devido às responsabilidades familiares, pode ser assumido também como resultado da inequidade das oportunidades de crescimento de carreira, horas de trabalho excessivas e dificuldade de reconhecimento das mulheres pelos seus gestores (METZ, 2011).

Verifica-se também que as mulheres retratadas no levantamento realizado para esse projeto normalmente são heterossexuais, em cargos de nível superior ou executivos, e trabalham em organizações situadas no ambiente urbano. Pode-se atribuir essa constatação ao perfil dos pesquisadores, semelhante a esse, e ao foco que a mídia tem dado ao crescimento de carreira das mulheres ou à importância das mulheres que alcançaram maiores posições hierárquicas como inspiração para as demais. Deve-se ressaltar que, dentro dessa amostra, faltaram algumas percepções importantes para construir o mosaico de representação das vozes das mulheres brasileiras.

As questões abordadas neste capítulo, a partir da visão as mulheres dentro do ambiente organizacional, relacionam-se com as questões abordadas no capítulo anterior, sobre a história recente da sociedade brasileira. Para mais de 75% dos brasileiros, segundo pesquisa de Venturi et al (2013), as mulheres com filhos pequenos devem ficar em casa. Dentro da empresa, assume-se, então, que as mães tem maior propensão a ter conflitos trabalho-família do que os pais e o acesso às oportunidades torna-se mais raro para elas (HOOBLER,

WAYNE, LEMMON, 2009; METZ, 2011). A desproporção de responsabilidade familiar entre homens e mulheres (MADALOZZO; MARTINS; SHIRATORI, 2010) é percebida como menor comprometimento delas com o trabalho remunerado, resultando em distribuição de recompensas não associadas apenas à competência no trabalho (ELY; MEYERSON, 2000). Como resultado, as mulheres percebem que precisam estar mais bem preparadas e entendem a maternidade como obstáculo à carreira a ser superado (HENDERSON; FERREIRA, 2012).

A violência velada e sutil, apontada por Martin (2006) e Czarniawska (2006), chamada de simbólica por Bordieu (2007), transforma a empresa em um local hostil para o desenvolvimento profissional das mulheres. Sob esse ponto de vista, pode-se concluir que não há igualdade de ambiente de trabalho e de tratamento entre homens e mulheres e, consequentemente, há dificuldade em afirmar a existência da igualdade de oportunidades para ambos os grupos.

Para Fitzgerald (1993) uma das maneiras de reduzir a discriminação é elevar o status da mulher no trabalho e aumentar a proporção de mulheres na liderança. Afirmação confirmada por pesquisa realizada por Ely (1995). Segundo os dados, a maior proporção de mulheres em cargos elevados está relacionada à maior satisfação das mulheres com as empresas, à diminuição da percepção de estereótipos e ao aumento da confiança em expressar sua individualidade. Nas empresas dominadas por homens, os papeis de gênero são mais estereotipados, as mulheres são subvalorizadas e consideradas mais masculinas. Nesse contexto, as mulheres sentem-se desconfortáveis e há menor probabilidade de serem promovidas. A importância de elevar o número de mulheres também foi ratificada por Konrad, Cannings e Goldberg (2010) na Suécia, onde se verificou que o assédio era proporcionalmente maior quanto maior a porcentagem de homens no departamento.

Para os profissionais de RH, compreender esse contexto é importante para o desenvolvimento de políticas e práticas que levem a maior igualdade entre homens e mulheres. Assim como RH pode contribuir para o reforço da identidade de gênero (ELY; PADAVIC, 2007), pode também questionar e diminuir as barreiras impostas para as mulheres no mercado de trabalho.