• Nenhum resultado encontrado

A natureza academicista das múltiplas e mútuas objeções

4 MÍNIMO EXISTENCIAL TEORIA DOS PRINCÍPIOS E DOS DIREITOS

5.1 Por uma argumentação jurídica racional

5.1.3 A natureza academicista das múltiplas e mútuas objeções

Impõe-se inaugurar este tópico para examinar, ainda que perfunctoriamente, a natureza absolutamente academicista das supostas divergências teóricas que permeiam a discussão acerca da racionalidade no âmbito do discurso.

Alexy sustenta que os argumentos não são predeterminados; que a atividade de correção do discurso é, de fato, uma atividade lingüística; que o discurso é prático e que as afirmações são normativas. O que se busca, pois, são critérios de racionalidade, de uma forma concreta e orientada a uma necessária realizabilidade, como fixado no quinto grupo de regras por ele concebido. Persegue-se, portanto, a correção.

Essas conclusões e o cotejo entre as diversas teorias orientadas à racionalidade do discurso revelam, todavia, exatamente na linha das reflexões empreendidas por Saulo Casali,377 que muito mais do que as divergências noticiadas, exsurge, em verdade, uma total congruência e compatibilidade entre diversos conceitos.

Maior exemplo desse fato é o número significativo de críticas direcionadas por Alexy a Habermas, as quais, com já sustentado, não resistem ao perfunctório exame no âmbito da sua própria teoria.

Alexy, ao criticar a teoria consensual, chega a afirmar, “que o acordo de todos é inatingível, visto que os que morreram até o momento não podem mais participar da conversação e não está determinado em que sentido se teriam pronunciado”.378 Todavia, ele

376 MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A Tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar,

2003, p. 235.

377 Aulas ministradas no âmbito da Disciplina Hermenêutica Jurídica no Mestrado em Direito Público da

Universidade Federal da Bahia – 2009.1.

378 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da

próprio destaca que Habermas pressupõe a situação ideal de fala “quando não pode ser impedida nem por fatores contingentes externos, nem por coações internas da própria estrutura de comunicação”.379 Portanto, resta nítido que o acordo de todos e a situação ideal de fala constituem pretensões orientadas à correção do discurso.

De idêntica natureza academicista se mostra a crítica de Alexy a Perelman: “o maior problema desta análise consiste na renúncia a utilizar instrumental da filosofia analítica [...] que deveria ter-se distinguido, por exemplo, entre juízos simples (atômicos) e compostos (moleculares), singulares e gerais, de valor e de dever”.380 Aduz, ainda, que “a diferença entre os argumentos que se baseiam na estrutura do real e os que a fundamentam não é clara” e que “a obscuridade do conceito de auditório universal” é um dos pontos frágeis da teoria. 381

Tais críticas, todavia, não se sustentam, já que, como já se verificou no exame da teoria perelmaniana, além de não haver qualquer obscuridade no conceito de auditório universal, a distinção entre os argumentos que se baseiam na estrutura do real e aqueles que a fundamentam se apresenta clara e viável.

Por outro lado, a Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy também é alvo de críticas que também se revelam insubsistentes, tais como aquelas lançadas por Atienza:

de acordo com Alexy, a pretensão de correção ocorre em todos os tipos de argumentação jurídica de que se falou. Contudo, me parece que as coisas não são exatamente assim; na verdade a ambiguidade atinge em cheio a segunda parte de sua tese, pois a especificidade da argumentação jurídica – as deficiências de racionalidade que ela suscita – varia a cada tipo de argumentação, e isso é algo que não é suficientemente enfatizado em por Alexy. 382

Ocorre, todavia, que a pretensão de correção que Alexy persegue com as regras do discurso prático geral e do discurso prático jurídico é, obviamente, condicionada à observância dessas mesmas regras – que, advirta-se, objetivam justamente viabilizar a racionalidade do discurso. Assim, Alexy oferece um procedimento a ser observado com pretensão de correção, não se podendo confundir com a ocorrência de absoluta correção. Se há, como afirma Atienza, “deficiências de racionalidade” (e advirta-se, a própria natureza falível do ser humano afasta a possibilidade de uma racionalidade sem qualquer deficiência), forçoso reconhecer que a correção pretendida não será atingida em sua totalidade.

379 Ibidem, p. 134. 380 Ibidem, p. 174. 381 Ibidem, p. 179.

382 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito – Teorias da Argumentação Jurídica. 3. ed. Sdão Paulo: Landy,

Paulo Mendonça também nos apresenta mais um desses embates: “a crítica de Canaris à Tópica de Viehweg funda-se em uma visão completamente abstrata da atividade jurídica. O mito da assistematicidade da tópica já foi devidamente afastado nesta obra 383, o que faz com que a grande premissa do debate de Canaris com a tópica fique bastante comprometida”. 384

Tais críticas chegam ao seguinte ponto:

Quando se pergunta o que pode prestar a tópica dentro da Ciência do Direito, torna-se de antemão claro que ela é impraticável na medida em que se ligue à retórica; pois o indagar pelo justo não é nenhum problema de pura retórica, por muito que sempre se possa alargar também esse conceito. Que, apesar disso, VIEHWEG não tenha tomado claramente posição, mas antes, pelo contrário, também queira, de modo patente, utilizar também esta componente da tópica para a sua análise da Ciência do Direito é um lapso pesado e prejudicou gravemente a discussão em torno da sua tese; uma afirmação como a “de que as premissas fundamentais são legitimadas através da aceitação do parceiro na conversa”, pode, na verdade, ajustar-se a determinadas formas de discussão, mas é, dentro da Ciência do Direito, puramente inaceitável: as premissas são fundamentalmente determinadas para os juristas através do Direito objetivo, em especial através da lei e não são susceptíveis de uma “legitimação” por via do “parceiro na conversa” (qual?!), nem disso carecem. 385

A aceitação pode ser compreendida à luz do consenso acerca do que, dentro do arcabouço jurídico-objetivo, deve ou não-deve ser aplicado ao caso concreto. Forçoso reconhecer, pois, que essa “legitimação” do “parceiro na conversa” não se apresenta incompatível com as premissas que devem ser extraídas do Direito Objetivo.

Com idêntica ratio situa-se a objeção lançada por Boaventura Santos à retórica, notadamente no que diz com a relação orador-auditório, pelo que entende necessário o estabelecimento do que denomina de “novíssima retórica”: “A dimensão dialógica é, porém, reduzida ao mínimo indispensável e só se admite por ser necessária para influenciar o

383 Refere-se Paulo Mendonça ao item 4.4.1, em que enfrenta um dos mitos: “sistema jurídico e tópica não são

harmonizáveis”. No particular, à objeção de Canaris de que seria “absolutamente contraditório falar em um ‘sistema tópico’” (MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A Tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 244), Paulo Mendonça sustenta que “O sistema jurídico concebido de forma dissociada de seus vínculos históricos leva justamente à conclusão equivocada de que o raciocínio tópico não é harmonizável com a própria idéia de sistema” (Ibidem, p. 246).

384 Ibidem, p. 261.

385 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e o Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 4. ed.

auditório. Por outras palavras, a relação entre o orador e o auditório tem algumas semelhanças com a relação entre sujeito e objeto”. 386

O que se percebe, em verdade, é que existe uma profunda interação entre as diversas teorias. Antes de colidirem, seus conceitos se complementam nessa árdua tarefa de encontrar um ponto aceitável de correção no âmbito do discurso prático.

Portanto, a observação – que não pode ser chamada de crítica – possível de se depreender de todas as objeções lançadas seria a da falta de completude de qualquer dessas teorias. Não se percebe uma suposta insubsistência ou inaplicabilidade de propostas (a não ser as que violam a própria natureza das coisas), já que, como se verificou, ao fim e ao cabo, objeções lançadas terminam por incorporar a formulação teórica do próprio criticado.

Assim é que, no campo da argumentação jurídica, as possibilidades são vastas, pelo que os mesmos fundamentos podem servir para que se chegue a conclusões diversas. Além da argumentação racional, que pretende tornar o discurso compreensível, os valores que sustentam as concepções de vida daquele que argumenta é que orientará a construção do discurso.

Nesses termos, a especialização do Juiz é algo absolutamente imprescindível para que a prestação jurisdicional seja hígida e se preste a atender ao papel de realização do programa constitucional. O domínio das regras do discurso, das técnicas argumentativas, bem como da compreensão do que, em essência, representam os graves problemas sociais que impedem o acesso ao mínimo existencial, constituem condições inelutáveis para a construção de soluções que privilegiem a dignidade.

386 SANTOS, Boaventura de Souza. Crítica da Razão Indolente – Contra o desperdício da experiência. 6. ed.

6 DIMENSÕES DO MÍNIMO EXISTENCIAL E A ATUAÇÃO JURISDICIONAL