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3 O MÍNIMO EXISTENCIAL E A ESSÊNCIA DO REPUBLICANISMO

3.5 A essência da separação das funções estatais no Estado republicano

3.5.2 Do príncipe soberano à limitação do poder estatal

Malgrado Paulo Bonavides observe que “em Bodin, Swift e Bolingbroke a concepção de poderes que se contrabalançam no interior do ordenamento estatal já se acha presente”118, é possível observar significativo declínio da teoria da constituição mista com a teorização de Jean Bodin, em seu Les Six Livres de la Republique, publicado em 1577, cuja concepção de soberania una, indivisível, inalienável serviu de fundamento filosófico e político para a concentração dos poderes (funções) no domínio do soberano, que, por sua vez, estava limitado a algo sobrenatural ou às suas próprias concepções, desconhecendo, portanto, qualquer limitação advinda do direito.

115 Ibidem, p. 38-39. 116 Ibidem, p. 39.

117 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o

estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989, p. 42.

Bodin tratou dos “verdadeiros atributos da soberania”, chegando inclusive a referir o pensamento de Aristóteles e Políbio.119 O acurado exame de sua obra revela a absoluta impossibilidade de se estabelecer qualquer limitação ao príncipe, senão aquela que ele próprio desejasse se colocar. Vejam-se os seguintes trechos:

Porque não existem na Terra, depois de Deus, alguém maior do que os príncipes soberanos, que Deus elegeu como seus tenentes para comandar o resto da humanidade, deve-se perguntar cuidadosamente em sua propriedade, para que possamos respeitar e reverenciar sua majestade em obediência devida; falar e pensar neles com a devida honra. Quem desrespeita seu príncipe soberano, desrespeita o próprio Deus, de quem ele é imagem.

[...]

Os atributos de soberania são, portanto, inerentes ao príncipe soberano. Se são transmissíveis ao sujeito, não podem ser chamados de atributos da soberania Assim como Deus todo-poderoso não pode criar outro Deus igual a Ele mesmo, pois Ele é infinito e dois infinitos não podem co-existir, de modo que o príncipe soberano, que é a imagem de Deus, não é possível fazer uma matéria de igualdade com si próprio, sem auto-destruição. 120

119 BODIN, Jean. Six books of the commonwealth. Abridged and translated by M. J. Tooley. Original

Publication: Oxford: Alden Press Bound, 1955. Reprinted in USA: Seven Treasures Publications, p. 80. Sustenta Bodin: “Aristóteles, Políbio, Dionísio de Halicarnasso, entre os gregos, discutiram os atributos da soberania. Mas eles trataram o assunto de modo tão breve que se pode ver num relance que eles realmente não entenderam os princípios envolvidos. Cito Aristóteles. ‘Há’, diz ele, ‘três partes de um governo’. [...] Se ele não quis dizer por partes atributos da soberania, ele nunca tratou do assunto [...]. Políbio também não chegou a definir os direitos e deveres da soberania, quer, mas ele diz que a Constituição dos romanos foi uma mistura de monarquia, aristocracia e de governo popular, desde que o povo produzia as leis e indicava cargos, o Senado administrava as províncias e conduzia os grandes temas do Estado, os cônsules gozavam da preeminência de honra concedida aos reis, especialmente no campo onde eles exerciam o comando supremo. Esta passagem parece implicar um tratamento de direitos de soberania, já que ele afirmou que aqueles que se beneficiavam desses direitos tinha poder soberano. Dionísio de Halicarnasso, porém, teve uma visão mais clara e melhor compreensão da questão do que os outros. Quando narrou como o Rei Servius privou o Senado de sua autoridade, ele observou que ele transferiu para o povo o poder de fazer e desfazer leis, de determinar a guerra e a paz, de instituir e destituir os magistrados, bem como o direito de apelação em todos os tribunais.”. No original: “Aristotle, Polybius, and Dionysius Halicarnassus alone among the Greeks discussed the attributes of sovereignty. But they treated the subject so briefly that one can see at a glance that they did not really understand the principles involved. I quote Aristotle. 'There are', he says, 'three parts of a commonwealth. […] If he did not mean by parts attributes of sovereignty, he never treated of the subject at all […]. Polybius does not define the rights and duties of sovereignty either, but he says of the Romans that their constitution was a mixture of monarchy, aristocracy, and popular government, since the people made law and appointed to office, the Senate administered the provinces and conducted great affairs of state, the consuls enjoyed the pre-eminence of honor accorded to kings, especially in the field, where they exercised supreme command. This passage appears to imply a treatment of sovereign rights, since he says that those who enjoyed those rights had sovereign power. Dionysius Halicarnassus however had a clearer and better understanding of the matter than the others. When he was explaining how the King Servius deprived the Senate of authority, he observed that He transferred to the people the power to make and unmake law, to determine war and peace, to institute and deprive magistrates, and the right of hearing appeals from all courts whatsoever”..

120 BODIN, Jean. Six books of the commonwealth. Abridged and translated by M. J. Tooley. Original

Publication: Oxford: Alden Press Boound, 1955. Reprinted in USA: Seven Treasures Publications, p. 80.). No original: “BECAUSE there are none on earth, after God, greater than sovereign princes, whom God establishes as His lieutenants to command the rest of mankind, we must enquire carefully into their estate, that we may respect and revere their majesty in all due obedience, speak and think of them with all due honor. He who contemns his sovereign prince, contemns God whose image He is... […] The attributes of sovereignty are therefore peculiar to the sovereign prince, for if communicable to the subject, they cannot be called attributes of

Piçarra destaca que “se o poder soberano é, por natureza, uno e indivisível não pode conceber-se a sua repartição por diferentes pretendentes à sua titularidade sem desvirtuar a sua natureza”. Observa, todavia, que, ao que parece, “o conceito de soberania no pensamento de Bodin ainda corresponde ao do pensamento político pré-estadual”. E complementa, com escolta no pensamento de A. M. Hespanha: “este autor teria em vista: <<menos um poder político exclusivo e concentrado do que um poder pré-eminente e que não reconhecia superior>>“.121

Paulo Bonavides salienta a importância da dimensão da historicidade do princípio da separação das funções estatais (o autor utiliza a expressão ‘separação dos poderes’), porque auxilia a explicação da “sua aparição no século XVIII e seu ulterior desdobramento e implantação nos textos constitucionais de inumeráveis Estados do orbe político ocidental”122

A existência do Estado moderno, nitidamente diferenciado do Estado medievo, sustentava-se na noção de soberania, correspondente, de início, à monarquia, que, por sua vez confundia-se com o próprio Estado, o qual consubstanciava uma massa de poderes concentrados. “O poder absoluto unificara em termos políticos a nova sociedade, dando fulminante réplica à antiga dispersão medieva”.123

Com o desenvolvimento das instituições representativas na Inglaterra, a ensejar o abandono do Estado estamental – em que estamentos sociais, assembléias e parlamentos, agrupam-se para contrapor o poder do rei – e a construção do Estado constitucional- representativo, sem praticamente ter feito conhecer o Estado-absolutista, viabilizou-se a consolidação da idéia de que a melhor forma de governo consistia num esquema constitucional em que Rei, lordes e comuns repartissem entre si o poder político, teoria que se tornou dominante no século XVII.124

sovereignty ... Just as Almighty God cannot create another God equal with Himself, since He is infinite and two infinities cannot co-exist, so the sovereign prince, who is the image of God, cannot make a subject equal with himself without self-destruction.”.

121 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o

estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989, p. 41.

122 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 144..

123 Leciona Bonavides que a massa de poderes concentrados “não lograram todavia inaugurar ainda a fase de

impessoalidade, caracterizadora do moderno poder político em suas bases institucionais. Tal fase só se vem a alcançar, na parte continental da Europa, com as doutrinas e as revoluções donde surge subsequentemente o chamado Estado de direito. A soberania se faz dogma. A autoridade do monarca esplende. O Estado moderno se converte em realidade. Mas a sociedade se acha longe de todo o repouso.” (Ibidem).

124 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o

Essa circunstância é esclarecida por Georg Jellinek, quando afirma que, na Inglaterra, a monarquia parlamentarista é produto de larga evolução histórica, ao passo que, no continente, resulta de teorias abstratas, verbis:

Los ingleses, con sus partidos aptos para la vida de gobierno y el conocimiento de la importancia de un gobierno fuerte, han atribuido la dirección de la vida del Estado, no a la corona, sino al gabinete, a pesar del influjo del parlamento y de la fiscalización y colaboración de este en la administración; entanto que en el continente, trastrocando las relaciones naturales, el parlamento considera a menudo al gabinete como su servidor subordinado y dependiente de sus órdenes circunstancialies. Además, como no puede ser menos, el sistema parlamentario adopta en cada Estado una fisionomia particular. Tratar esto con más detalle es problemas de corresponde a la teoria especial del Estado.

La monarquia constitucional presentam, pues, dos tipos, y dos posibilidades se ofrecem asimismo respeco a la situación jurídica de las cámaras: o la voluntad de estas, conforme la Constituición, pueden llevar a cabo un acto de soberania del Estado de un modo independientem, o no. En Inglaterra, la ley es un acto de volutad de ambas as cámaras e del rey. El parlamento ordena: ‘be it enacted by the kings most excellent Majesty by and with the

advice and consent of the Lords spiritual and temporal and the Commons in this present Parliament assembled and by the authority of the same’. La ley va expresamente porque tiene com fundamento la autoridad del parlamento, que de esta suerte toma parte en la sustancia misma del acto de voluntad legislativas. En loes Estados continentales en que predomina la realeza, el acto de voluntad legislativa es un acto exclusivo del monarca, a que da su asentimiento al parlamento.125 (grifos no original).

No continente, as monarquias adquiriam contornos absolutistas, ao passo que, na Inglaterra, a Monarquia mista foi a designação que assumiu a constituição mista como esquema constitucional para um substrato composto pelas potências: rei, nobreza e representantes do povo, desconhecido das monarquias antigas e que não nascera da exigência de dividir o poder unitário do Estado tomado com um prius, mas da idéia contrária da exigência de compor numa unidade política as diversas ordens ou estados pré-existentes. Assim, com escolta do pensamento de Wember, Piçarra aponta que Maquiavel já tinha em conta este trinômio: “[...] quando se combinam sob a mesma constituição, um príncipe, a nobreza e o poder do povo estes três poderes vigiar-se-ão e corrigir-se-ão reciprocamente uns aos outros”.126

Importa destacar as seguintes observações do Secretário florentino acerca da república romana:

125 JELLINEK, Georg. Teoria general del Estado. México: Fondo de Cultura Econômica, 2000, p. 616.

126 PIÇARRA, N uno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o

A república, retendo os cônsules e o Senado, representou o princípio da mistura de duas das três formas mencionadas: a monarquia e a aristocracia. Só faltava introduzir o governo popular. A nobreza romana [...] tornou-se insolente, despertando o ressentimento do povo; para não perder tudo, teve que ceder-lhe uma parte da autoridade. De seu lado, tanto o Senado como os cônsules guardaram bastante desta autoridade para manter a posição que ocupavam no Estado.

Estas foram as causas que originaram os tribunos do povo, instituição que enfraqueceu a república porque cada um dos três elementos do governo recebeu uma porção de sua autoridade. A sorte favoreceu Roma de tal modo que, embora tenha passado da monarquia à aristocracia e ao governo popular, seguindo a degradação provocada pelas causas que estudamos, o poder real não cedeu a sua autoridade para os aristocratas, nem o poder destes foi todo transferido para o povo. O equilíbrio dos três poderes fez assim que nascesse a república perfeita. A fonte desta perfeição, todavia, foi a desunião do povo e do Senado [...].127 (grifou-se).

Desunião que situa-se no pano de fundo dos conceitos do direito romano, em relação aos quais Jürgen Habermas, ao empreender cotejo com a noção republicana de política, extrema o seguinte:

[...] Enquanto os conceitos do direito romano se prestam na modernidade para definir as liberdades negativas dos cidadãos, a fim de assegurar a propriedade e o trânsito econômico das pessoas privadas contra o poder político administrativamente exercido – do qual estavam excluídos –, a imagem da práxis política, em cujo âmbito se realizam as liberdades positivas de cidadãos dotados de igualdade de participação, é conservada pelo discurso da ética e da retórica. O conceito republicano de “política” não se relaciona com a garantia dos direitos do cidadão privado à vida, liberdade e propriedade, mas, em primeira linha, à prática de autodeterminação de cidadãos do Estado orientados ao bem comum, que se compreendem como integrantes livres e iguais de uma comunidade cooperativa e auto- administrada.128

O fato é que o panorama que se descerrava no Século XVII era o do poder soberano do monarca, totalmente desviado dos propósitos e fins requeridos pelas necessidades sociais, políticas e econômicas correntes, fato que ensejou a perda de legitimação. Novas

127 MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. 2. ed. Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 1982, p. 26-27.

128 HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des

demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998, p. 325-326. No original: “Während die Begriffe des römischen Rechts in der Moderne dazu dienen, die negativen Freiheiten der Bürger zu definieren, um das Eigentum und den Wirtschaftsverkehr der Privatleute gegen Eingriffe einer administrativ ausgeübten politischen Herrschaft zu sichern, von der sie ausgeschlossen waren, bewahrt die Sprache von Ethik und Rethorik das Bild einer politischen Praxis, worin sich die positiven Freiheiten gleichberechtig partizipirender Staatsbürger verwirklichen. Der republikanische Begriff der >>Politik<< bezieht sich nicht auf die staatlich garantierten Rechte privater Bürger auf Leben, Freiheit und Eigentum, sondern in erster Linea auf die Selbstbestimmungspraxis gemeinwohlorientierter Staatsbürger, die sich als frei und gleich Angehörige einer kooperierenden und sich selbst verwaltenden Gemeinschaft verstehen.”.

necessidades surgiam, todavia mantinha-se a compostura pessoal, fechada e absoluta da monarquia, que pesando sobre os súditos, servia aos abusos pessoais da autoridade monolítica do rei.129

Não se revelava mais possível à sobrevivência do Estado sob a máxima consagrada por Luis XIV: L’ État c’est moi.

Restavam, pois, formados os pressupostos na ordem social, política e econômica, para que o Estado moderno escapasse da retrógada concepção de um rei que se confundia com o Estado, no exercício do poder absoluto, e evoluísse para o estabelecimento de um ordenamento político impessoal, à luz das doutrinas de limitação do poder, mediante formas liberais de contenção da autoridade e as garantias jurídicas de iniciativa econômica.130

Cumpre referir que a doutrina da separação dos poderes surgiu, pela primeira vez, na Inglaterra do século XVII, estreitamente associada à idéia de rule of Law, com fundamento em idéias específicas, reivindicações e critérios jurídicos, de cariz essencialmente anti- absolutista.131

Na formulação de John Locke, delineada na sua obra Two Treatises of

Government, o poder legislativo – que detém a supremacia na sociedade política – sustenta o “Governo civil”.132

129 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 145-146. 130 Ibidem, p. 146.

131 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o

estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989, p. 44. Aduz o autor que a separação dos poderes: “constituía, assim, elemento essencial do modelo que ao Estado absolutista então se contrapunha como alternativa: a própria rule of law, primeira forma histórica do que viria a ser o Estado-tipo do Ocidente, ou seja, o Estado constitucional ou de Direito, que igualmente inclui como seu elemento essencial o princípio da separação dos poderes”. E explica: “A expressão rule of law é, por vezes, mesmo considerada equivalente a Estado Constitucional ou Estado-de-Direito. Assim, entre nós, Jorge Miranda. A Constituição de 1976. Formação,

estrutura, princípios fundamentais, Lisboa, 1978, pp. 473-474 nota 1; hoje o autor apenas define rule of law como o conjunto d’ <<os princípios, as instituições e os processos que a tradição e a experiência dos juristas e dos tribunais mostraram ser essenciais para a salvaguarda da dignidade das pessoas frente ao Estado, à luz da idéia de que o Direito deve dar aos indivíduos a necessária protecção contra qualquer exercício arbitrário do poder>>”.

132 “Podem resumir-se a três as opiniões sobre John Locke a propósito da autoria da doutrina da separação dos

poderes: a que o vê como seu autor original; a que, atribuindo a Montesquieu a exclusiva autoria da doutrina, vê em Locke um mero precursor daquele, na medida em que na sua obra política fundamental, os Two Treatises of

Government, apenas se encontram traços rudimentares e incompletos da doutrina; e, finalmente, a de que não se encontra na obra de Locke nenhuma doutrina da separação dos poderes, entendida como exigência de separação e equilíbrio interorgânico, mas simplesmente uma distinção das funções estaduais. Perante esta diversidade de opiniões, fácil se torna concluir que os respectivos representantes têm de partir forçosamente de premissas muito diferentes. Assim, se efectivamente se entender que a verdadeira versão da doutrina da separação dos poderes, o seu <<entendimento verdadeiramente científico>> (Fuzier-Herman), é a de Montesquieu, é inevitável a conclusão de que Locke será, na melhor das hipóteses, um mero precursor daquele ou nem sequer um representante da doutrina de separação dos poderes, uma vez que sua versão não é idêntica à daquele autor. São por demais evidentes as críticas a dirigir a esta <<concepção essencialista da separação dos poderes>>: ela tornaria em vão o estudo das fontes de Montesquieu, já que a formulação dada no Espírito das Leis não seria o termo de uma evolução ou uma das fases desta evolução mas, simultaneamente, o seu ponto de partida e o seu

Essa concepção assenta-se na teorização de Locke acerca do contrato social, em que o homem no estado de natureza é descrito como submetido a leis naturais, destituído de segurança no campo da defesa dos seus direitos à vida, à liberdade e à propriedade, já presentes naquele estágio pré-social. Razão que leva os homens a passar a viver em sociedade, sobretudo para garantir o desfrutar de suas propriedades em paz e em segurança, orientados à preservação da sociedade. O instrumento e meio para essa garantia é o estabelecimento do poder legislativo, a quem se confia a função de construir leis e nomear juízes para aplicá-las. 133

Cumpre destacar a seguinte passagem da obra:

O legislativo não é somente o poder supremo da comunidade, mas sagrado e inalterável nas mãos em que a comunidade uma vez o colocou. [...] O legislativo, ou autoridade suprema não pode assumir para si o poder de governar por decretos arbitrários e extemporâneos; antes está obrigado a promover a justiça e decidir sobre os direitos dos indivíduos por meio da promulgação de leis fixas, e conhecer os juízes autorizados.134

Além do legislativo, Locke delineia a existência do poder executivo e do poder federativo, os quais, malgrado muito distintos entre si, estão quase sempre unidos. O primeiro compreende a execução das leis na própria sociedade, sobre todos que são partes dela; e o outro o gerenciamento da segurança e dos interesses públicos, considerados todos aqueles de quem pode receber benefícios ou danos.135

ponto de chegada. Isto não só contraria todas as regras da análise histórica como redundaria em atribuir ao autor