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O sentimento republicano e a liberdade como não dominação

3 O MÍNIMO EXISTENCIAL E A ESSÊNCIA DO REPUBLICANISMO

3.4 Republicanismo e liberdade

3.4.1 O sentimento republicano e a liberdade como não dominação

Philip Pettit se identifica como republicano, não na acepção comunitarista- populista – que posiciona a coletividade como mestre e o Estado como servo e defende que o povo deve confiar no seus representante somente quando absolutamente necessário –, mas no sentido que situa o povo, individual e coletivamente, como aquele que confia e o Estado como aquele em que se deve confiar. O republicanismo em que povo confia ao Estado a garantia de existência de regras não arbitrárias.79

A democracia participativa, portanto, é essencial para o modo de vida republicano, pelo fato de ser o caminho necessário para a promoção da liberdade como não dominação, mas não em função de sua concepção positiva que reduz a liberdade a simples direito de participação democrática.80

A concepção de liberdade como oposição ao estado de escravidão é tema recorrente e atual na história da civilização humana, em especial porque o que deve definir o estado de escravidão é o fato de alguém viver submetido às vontades de outro, circunstância que se relaciona intimamente com o estado de dominação.81

Reporta-se Pettit ao pensamento de Maquiavel para delinear a oposição liberdade- servidão, mais precisamente quando o pensador romano, ao empreender exame de contraste

79 PETTIT, Philip. Republicanism: A Theory of Freedom and Government. New York: Oxford University Press,

1997, p. 8. No original: “[…] the term ‘republican’ has come to be associated I many circles, probably under influence of Hannah Arendt, with a communitarian and populist approach. Such as approach represents the people in their collective presence as master and the state as servant, and suggests that the people ought to rely on state representatives and officials only where absolutely necessary: direct democracy, whether by assembly or plebiscite, is the systematically preferred option. The commonwealth or republican position, by contrast, sees the people as trustor, both individually and collectively, and sees the state as trustee: in particular, it sees the people trusting the state to ensure a dispensation of non-arbitrary rule”.

80 Ibidem, p. 8. No original: “Democratic participation may be essential to the republic, but that is because it is

necessary for promoting the enjoyment of freedom as non-domination, not because of independent attractions: not because freedom, as a positive conception would suggest, is nothing more or less tha the right of democratic participation”.

81 Com supedâneo em Trenchard e Gordon, Pettit destaca que “Liberty is, to live upon one’s own Terms; Slavery

is, to live at the mere Mercy of another; and a Life of Slavery is, to those Who can bear it, a continual State of Uncertainty and Wretchedness, often an Apprehension of Violence, often the lingering Dread of a violent Death”. (Ibidem, p. 33).

entre cidades livres e escravas, identifica a submissão à tirania e à colonização a formas de escravidão.82

Nada obstante, a concepção republicana de liberdade como não dominação em nada corresponde à concepção de liberdade como não interferência. Na verdade, a inexistência de interferência pode, inclusive, ensejar violação à liberdade como não dominação. Assim, sustenta Pettit a possibilidade de dominação sem interferência e de interferência sem dominação. Na verdade, “interferência ocorre sem perda de liberdade quando a interferência não é arbitrária e não representa qualquer forma de dominação”.83

Como já se observou, não se pode conceber o ideal republicano sem que estejam presentes os seguintes caracteres: a) a negação de qualquer tipo de dominação, seja através de relações de escravidão, de relações feudais ou assalariada; b) defesa e difusão das virtudes cívicas; c) estabelecimento de um Estado de direito; d) construção de uma democracia participativa; e) incentivo ao autogoverno dos cidadãos; f) implementação de políticas que atenuem a desigualdade social, através da efetivação da isonomia substancial.84

Impõe-se advertir que não se ignora que o Estado é uma instituição de dominação, no sentido de que se utiliza do poder para gerir a sociedade. Todavia, tal dominação é possibilitada pela ordem jurídica, já que o domínio da violência não arbitrária é necessário para a garantia da paz social.85

O que o republicanismo não admite é o ato arbitrário de dominação que reduz ou retira a liberdade dos indivíduos, projetando-os ao esforço desumano de adaptação a regras de submissão, com o único propósito de “’dirigir’, ‘enquadrar’ ou ‘ajustar’ a vida das pessoas ou

82 Idem. No original: “Machiavelli is one of those who gives pride of place to the liberty-servitude opposition,

identifying subjection to tyranny and colonization as forms of slavery. We find him contrasting those cities that live in freedom, for example, and those that live in slavery. All cities and provinces that live in freedom anywhere in the world, de says, make very great gains”.

83 Ibidem, p. 35. No original: “[…] interference occurs without any loss of liberty when the interference is not

arbitrary and does not represent a form of domination”.

84 AGRA, Walber de Moura. Republicanismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 16.

85 Nesse sentido, importa invocar as lições de Adolfo Posada, que situa “El Estado como instituición de

dominación” e aduz: “Y no se crea que esta idea es una idea vulgar, meramente. Hay quienes, emprleando términos menos comprensibles, la sostienen com todo el aparato cientifico que el caso requiere. Por ejemplo, el sociólogo Gumplowicz. Según este dice en el Derecho político filosófico, el Estado es << una organización progresiva de la soberania del hombre sobre el hombre para el bien de la humanidad>>, lo cual supone que el Estado implica un lazo de imperio, de dominación. <<Dominadores por un lado, dominados por otro, directores y dirigidos: tales son – añade este autor – las eternas, las imprescindibles e inmutables notas distintivas del Estado.>> Y esta ideal es más corriente do lo que parece. Que el lector se fije en el supuesto implícito en la mayoria de las doctrinas que los periódicos desarrolan, y que va encubierto en los programas de los partidos, y berá que es muy corriente considerar el Estado: 1º como el poseedor de las cárceres, de los fusiles e cañones, de la guarda civil, de la riqueza social por el impuesto, y el que por la expropriación forzosa se apodera, à nombre del interés público, de la propriedade privada, y 2º como un conjunto de personas à quienes se atribuye el poder material para mandar y dirigir: el gobierno, por otro nombre.”. (POSADA, Adolfo. La Idea Pura de Estado. Madrid: Editorial Revista de Direito Privado, 1933, passim.)

das sociedades a padrões, conceitos ou ideais pré-estabelecidos”, como se os entregassem à sorte do leito de Procusto.86

Inviável, pois, o afastamento de qualquer dos caracteres que delineiam o republicanismo, sob pena de desnaturá-lo em sua própria essência e, por conseguinte, não lograr o Estado alcançar os resultados aguardados pela sociedade.

Montesquieu refere que “O amor da República, numa Democracia, é o amor à Democracia; o amor à Democracia é o amor à igualdade. O amor à Democracia è ainda o amor à frugalidade”.87

No campo da eletividade, da periodicidade e da responsabilidade os valores republicanos são fortalecidos ou fragilizados, já que a consciência ética e política do povo, em especial daqueles que pretendem alçar os cargos eletivos, constitui a pedra fundamental para a redução das verdadeiras batalhas judiciais que envolvem violações ao direito ao mínimo existencial, que, advirta-se, decorrem da formação de uma sociedade injusta, dominada e desigual.