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4 MÍNIMO EXISTENCIAL TEORIA DOS PRINCÍPIOS E DOS DIREITOS

5.1 Por uma argumentação jurídica racional

5.1.1 A Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy

Alexy, em sua “Teoria da Argumentação Jurídica: teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica”, desenvolve discussão acerca da racionalidade do discurso jurídico, conduzindo um embate acadêmico entre as diversas teorias argumentativas.

Parte, pois, de resolução da Primeira Turma do Tribunal Constitucional Federal, de 14 de fevereiro de 1973, que determinou que as decisões dos juízes deveriam basear-se em “argumentos racionais”, para sustentar que: “o que é argumentação racional ou argumentação jurídica racional não é um problema que interessa apenas aos teóricos ou filósofos do Direito. Ela se apresenta com a mesma urgência ao jurista prático e interessa a todo cidadão que seja ativo na arena pública”.344

344 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da

Alexy apresenta, inicialmente, o discurso prático na Ética Analítica e os conceitos que distinguem os enunciados, as preposições e as orações normativas, uma vez que “uma teoria sobre fundamentação pressupõe uma teoria da linguagem normativa”.345 Assim, declinando o propósito de afastar teorias metaéticas que se mostram incompatíveis com a teoria do discurso racional, examina a possibilidade de se justificar convicções morais no sentido defendido pelos naturalistas e intuicionistas.

Alexy sustenta a total inaceitabilidade do naturalismo, uma vez que “o discurso moral não pode ser reduzido a um discurso puramente empírico”346. De igual sorte, o intuicionismo se mostraria insustentável, notadamente pelo fato de que “diferentes pessoas respondem de modos diferentes à mesma evidência”, falecendo a teoria de critérios para “distinguir as corretas das falsas, as autênticas das não-autênticas”. Assim, “a teoria tem de prover esses critérios se desejar que sua proposição tenha estabelecido a possibilidade do conhecimento objetivo e da verdade moral no campo da ética. Na ausência desses critérios para escolher entre as alternativas, o intuicionismo chega ao mesmo resultado do subjetivismo ético [...] o intuicionismo [...] é um teoria igualmente insustentável.” 347

Verifica-se, pois, que as teorias naturalista e intuicionista foram, no caso, trazidas à reflexão apenas para serem literalmente dizimadas do campo de exame do discurso racional prático, já que, para Alexy, seus postulados se revelam insustentáveis a esse propósito.

O emotivismo, por sua vez, é apresentado em contraste com as duas correntes anteriores, representando, pois, um novo conceito de linguagem moral. Sustenta Alexy que o emotivismo deve ser diferenciado do subjetivismo, já que, segundo este último, “as proposições normativas não servem para expressar ou evocar, mas antes para descrever sentimentos ou atitudes [...] o subjetivismo é um caso especial de naturalismo”.

Causa espécie, todavia, a referência ao pensamento de Stevenson: “a mais impressionante versão do emotivismo, enriquecida com elementos subjetivos e descritivos, é aquela defendida por Stevenson. Segundo Stevenson, a função essencial dos juízos morais não é a de referir-se a fatos, mas de influenciar pessoas. ‘Em vez de simplesmente descrever os interesses das pessoas, eles o modificam ou intensificam’”.348 (grifou-se).

345

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 57.

346 Ibidem, p. 61. 347 Ibidem, p. 62. 348 Ibidem, p. 63.

Stevenson se afasta da corrente subjetivista, enfraquecendo a tese do significado descritivo, que somente é apresentada para demonstrar a criação de definições persuasivas que servem justamente para “influenciar as opiniões mediante a determinação ou mudança do significado descritivo ao mesmo tempo em que preservam o significado emotivo”.349

Nada obstante, reconhecendo a importância do pensamento emotivista de matiz stevensiana para sua investigação, Alexy esclarece:350

[...] que não é possível falar em argumentos morais válidos ou inválidos, porque os juízos morais não podem ser considerados verdadeiros ou falsos, isto é, não são susceptíveis de verdade. Em relação a isso, pode-se objetar que a questão de se as proposições normativas são susceptíveis de verdade permanece não-decidida. Em especial, pode-se pensar que a possibilidade de

validade de um argumento não depende de que o que se fundamenta seja verdadeiro ou falso, mas que uma proposição seja verdadeira ou falsa depende da possibilidade de validade dos argumentos que a sustentam. Embora isso torne impossível seguir a teoria de Stevenson, em seus pontos- chave, sua teoria mesmo assim é de considerável importância para o presente trabalho.

Ela torna claro que a função da linguagem moral é muito mais do que a da mera descrição, como acham tanto o naturalismo quanto o intuicionismo, mas serve (ao menos também) para dirigir e coordenar o comportamento. As investigações de Stevenson conduzem ao problema central do presente exame, a questão da existência de regras para distinguir as fundamentações válidas das proposições normativas daquelas inválidas. (grifou-se).

Alexy passa, em seguida, pelos fundamentos da filosofia da linguagem de Wittgenstein e Austin, concentrando especial atenção à teoria dos atos de fala, indicando três motivos que justificam a sua importância para investigação acerca do discurso racional prático: “contém (1) uma precisão do que significa dizer que falar uma língua é uma atividade governada por regras; porque deixa claro que (2) o uso da linguagem normativa não se diferencia, em alguns pontos importantes, da linguagem descritiva; porque oferece (3) um sistema de conceitos básicos cuja utilidade se tornará evidente durante o curso da investigação”.351

Critica, de igual sorte, as teorias de Hare, Toulmin e Baier sobre a argumentação moral, sustentando que deixam muitos problemas sem solução, todavia, por outro lado, reconhece que elas oferecem indicadores que contribuem para a elaboração de uma teoria do discurso prático racional que é suficientemente forte para servir de base para a teoria da argumentação jurídica.

349 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da

Justificação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 65.

350 Ibidem, p. 69. 351 Ibidem, p. 79.

Conclui Alexy, nessa parte, como que fixando um divisor de águas na sua jornada investigativa, com a apresentação de alguns resultados a que chama de provisórios.352

1. Ao contrário das proposições do naturalismo e do intuicionismo, a função da linguagem moral não se exaure com a descrição de objetos, propriedades e relações empíricas e não-empíricas.

2. O discurso moral é uma atividade regida por regras de tipo próprio, em que se trata do equilíbrio racional de interesses. A mais importante tarefa da teoria do discurso prático racional é a elaboração das regras que governam essa atividade. Para fazer isso, é necessário distinguir entre a descrição e a análise das regras dos jogos de linguagem faticamente existentes e a justificação ou fundamentação dessas regras. A primeira pertence ao âmbito empírico ou analítico de uma teoria do discurso prático; a segunda, à sua parte normativa.

3. As regras de argumentação prática devem ser distinguidas das várias formas de argumento.

4. Proposições normativas são universalizáveis. Ao lado desse conceito de universalidade há distintas versões do conceito de generalizabilidade. 5. A argumentação prática obedece outras regras, por exemplo, que não as

da argumentação nas ciências naturais. Isso, contudo, não é motivo para negar o caráter de atividade racional à primeira.

Depois de percorrer diversas teorias no campo da metaética, Alexy parece chegar ao cerne de suas reflexões: “dentre as mais significativas teorias sobre a fundamentalidade das proposições normativas desenvolvidas na língua alemã são a Teoria Consensual da Verdade de Habermas e a Teoria de Deliberação Prática da Escola de Erlangen”.

Observa-se, malgrado as contundentes críticas de Alexy ao pensamento de Habermas, a marcante influência habermasiana no arcabouço de regras estabelecidas como orientação à racionalidade do discurso prático alexiano, já que são incorporados fundamentos da ética do discurso desenvolvidos pelo teórico da ação comunicativa.

A aparente objeção que Alexy tenta impor a Habermas não resiste a um exame perfunctório da sua obra. Revela, em verdade, um embate de natureza muito mais acadêmica do que propriamente prático, consoante se verificará mais adiante.

Na mesma linha situam-se as críticas a Chäim Perelman, com a “renúncia ao instrumental analítico moderno” que, segundo sustenta, “afetaria especialmente a investigação sobre as técnicas de argumentação”,353 bem como a suposta obscuridade do conceito de auditório universal.

352 Ibidem, p. 117.

353 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da

Alexy, ressalvados o naturalismo e o intuicionismo, reflui para reconhecer instrumentais de importante relevância oferecidos pelas diversas teorias no aparelhamento de sua investigação acerca da racionalidade do discurso prático.

A tese central defendida por Alexy situa o discurso prático jurídico como um caso especial do discurso prático geral, justificado pelo fato de que ambos se orientam ao manejo de questões práticas com pretensão de correção, situando a especialidade do segundo nas condições restritivas estabelecidas pelas leis, pela dogmática e pelos precedentes.

Nesse sentido, Alexy sustenta que as regras que definem o discurso prático geral são distintas, sendo que algumas exigem um cumprimento estrito e outras contêm exigências que só se podem cumprir de forma aproximada.

Veja-se, pois, as regras e formas que resultam das suas investigações:

O primeiro grupo – das regras fundamentais – é posto como condição de possibilidade de qualquer comunicação lingüística em que se trate da verdade ou da correção:

1.1 Nenhum falante pode contradizer-se;

1.2 Todo falante só pode afirmar aquilo em que ele mesmo acredita.

1.3 Todo falante que aplique um predicado F a um objeto A deve estar disposto a aplicar F também a qualquer objeto igual a A em todos os aspectos relevantes.

1.4 Diferentes falantes não podem usar a mesma expressão com diferentes significados.

O segundo grupo – das regras da razão –, que se orienta ao estabelecimento de condições de racionalidade do discurso com foco na fundamentalidade daquilo que se pretende expressar ou nas razões que possam justificar a negativa de fundamentação:

2 Todo falante deve, se lhe é pedido, fundamentar o que afirma, a não ser que possa dar razões que justifiquem negar uma fundamentação. (regra geral de fundamentação).

2.1Quem pode falar, pode tomar parte no discurso. 2.2 Todos podem problematizar qualquer asserção.

a) Todos podem introduzir qualquer asserção no discurso;

b) Todos podem expressar suas opiniões, desejos ou necessidades; 2.3 A nenhum falante se pode impedir de exercer seus direitos fixados em 2.1 e 2.2, mediante coerção interna ou externa ao discurso.

O terceiro grupo – das regras sobre a carga da argumentação –, que pretende regular a extensão e a distribuição da carga de argumentação ou da fundamentação. No particular, Alexy refere-se exatamente ao princípio da inércia de Perelman:

3.1 Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira diferente de uma pessoa B está obrigado a fundamentá-lo.

3.2 Quem ataca uma proposição ou uma norma que não é objeto da discussão, deve dar uma razão para isso.

3.3 Quem aduziu um argumento, está obrigado a dar mais argumentos em caso de contra-argumentos.

3.4 Quem introduziu no discurso uma afirmação ou manifestação sobre suas opiniões, desejos ou necessidades que não se apresentem como argumento a uma manifestação anterior, tem, se lhes for pedido, de fundamentar por que essa manifestação foi introduzida na afirmação.

O quarto grupo não constitui exatamente regras, mas sim formas de argumento características do discurso prático, cujo objeto imediato são as proposições normativas singulares (N). Assim, para Alexy, existem duas maneiras principais de fundamentar essas proposições:

4.1 Toma-se como referência uma regra (R) pressuposta como válida. 4.2 Assinalam-se as consequências (F) de seguir no imperativo

implicando N.

Nesse ponto, Alexy incorpora o pensamento de Hare, segundo o qual nenhum imperativo pode seguir de proposições puramente descritivas. Tampouco podem as valorações ser deduzidas delas. Valorações implicam imperativos. Se as valorações pudessem ser deduzidas de proposições descritivas, então os imperativos também seriam igualmente dedutíveis. A tese do prescritivismo conduz a que “não pode haver uma dedução lógica de juízos morais a partir de afirmações sobre fatos”. 354

Portanto, para que uma regra seja utilizada em uma fundamentação faz-se necessário que condições de aplicação dessa regra sejam cumpridas. Condições estas que “podem ser características de uma pessoa, de uma ação ou de um objeto, a existência de um determinado estado de coisas ou o que ocorre após um determinado acontecimento. [...] Isto significa que quem aduz uma regra como razão pressupõe como verdadeiro um enunciado (T) que descreve tais características, estado de coisas ou acontecimentos”. 355

Sustenta, ainda com Hare, que “quem apresenta como razão para N uma asserção sobre conseqüências pressupõe uma regra que expressa que a produção destas consequências é obrigatória ou é boa”.

Distingue, pois, as seguintes formas de argumento:

354 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da

Justificação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 81

Forma geral:

G R. --- N.

As subformas que decorrem da forma geral, em primeiro nível:

4.1 T R --- N 4.2 F R --- N

Estabelece, posteriormente, formas de argumento de segundo nível que também decorrem da forma geral, discorrendo, de igual sorte, acerca das regras de prioridade, que se destinam a prescrever as preferências que determinadas regras possuem sobre as demais.356

O quinto grupo – das regras de fundamentação –, por sua vez, considera que as formas expostas no grupo anterior permitem justificar qualquer proposição normativa e qualquer regra, devendo-se continuar a buscar regras para as fundamentações efetuadas com estas formas.

No caso, Alexy cria uma divisão, para fixar no primeiro subgrupo variantes do princípio generalizante, invocando, para tanto, Hare, Habermas e Baier:

5.1.1 Quem afirma uma proposição normativa que pressupõe uma regra para a satisfação dos interesses de outras pessoas, deve poder aceitar as conseqüências de dita regra também no caso hipotético de ele se encontrar na situação daquelas pessoas.

5.1.2 As conseqüências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada um devem ser aceitas por todos.

5.1.3 Toda regra deve ser ensinada de forma aberta e geral.

O segundo subgrupo se orienta à resistência das regras morais frente à comprovação da sua gênese histórico-crítica, bem como da sua formação histórica, tornando- se, pois, possível criticar as regras que surgem no processo de desenvolvimento dos correspondentes sistemas e que determinam o raciocínio prático:

5.2.1 As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem resistir à comprovação de sua gênese histórico-crítica. Uma regra moral não resiste a tal comprovação: a) se originariamente se pudesse justificar racionalmente, mas perdeu depois a sua justificação, ou b) se originariamente não se pôde

justificar racionalmente e não se podem apresentar também novas razões suficientes.

5.2.2 As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem resistir à comprovação de sua formação histórica individual. Uma regra moral não resiste a tal comprovação se se estabeleceu com base apenas em condições de socialização não justificáveis.

A última regra objetiva estabelecer a necessidade de que seja alcançada a finalidade do discurso na diretiva da resolução de questões práticas realmente existentes:

5.3 Devem ser respeitados os limites de realizabilidade faticamente dados.

Por fim, o sexto grupo – das regras de transição –, que permite que se passe a outras formas de discurso, sempre que os problemas surgidos no âmbito dos discursos práticos não possam ser resolvidos com os meios da argumentação prática:

6.1 Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso teórico (empírico);

6.2 Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso de análise da linguagem;

6.3 Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso de teoria do discurso.

Esse exame superficial das regras do discurso prático desenvolvidas por Alexy serve para rechaçar algumas críticas lançadas do decorrer de sua obra, já que, como ele próprio admite: “o seguimento das regras que se indicaram e a utilização das formas de argumento que se descreveram aumentam certamente a probabilidade de alcançar um acordo racional nas questões práticas, mas não garantem que se possa obter um acordo para cada

questão, nem que qualquer acordo alcançado seja definitivo e irrevogável. 357 (grifou-se). O que faz seu pensamento convergir com a Tópica, com a Teoria da Argumentação de Perelman, com a Teoria Consensual da Verdade de Habermas, com a Teoria dos Atos de Fala de Austin358, dentre outras.

357 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da

Justificação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 207.

358 No particular, sobreleva a crítica acerca de uma suposta problematicidade no significado de ato locucionário.

Todavia, o que se percebe é uma total integração na teoria alexiana das dimensões estabelecidas por Austin – vale dizer, aquela “relativa ao ato ilocucionário, de ter êxito ou fracassar e a relativa ao ato locucionário, de verdade ou falsidade”. (ver ALEXY, Robert. op. cit, p.78).

Forçoso reconhecer, pois, que as divergências doutrinárias não passam de meros academicismos, já que o objetivo de Alexy com as regras do discurso é a busca da correção e de critérios de racionalidade. Isto não significa nada mais do que o estabelecimento de condições ideais a serem perseguidas – não se garantindo, todavia, que serão atingidas.