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4 MÍNIMO EXISTENCIAL TEORIA DOS PRINCÍPIOS E DOS DIREITOS

5.1 Por uma argumentação jurídica racional

5.1.2 A Teoria da Argumentação de Chäim Perelman

A essencialidade argumentativa representa também ponto central no pensamento de Chäim Perelman, sobrelevando em sua teoria o conceito de auditório universal, que converge exatamente para o estabelecimento da verdade como um consenso, sendo que, para Perelman, pode-se distinguir três elementos – o discurso, o orador e o auditório -, representando o acordo de um auditório universal, não é uma questão de fato, mas de direito:

Uma argumentação dirigida a um auditório universal deve convencer o leitor do caráter coercitivo das razões fornecidas, de sua evidência, de sua validade intertemporal e absoluta, independente de contingências locais ou históricas. “A verdade”, diz-nos Kant, “repousa no acordo com o objeto e, por conseguinte, com a relação a tal objeto, os juízos de qualquer entendimento devem estar de acordo.” Toda crença objetiva pode comunicar-se, pois é “válida para a razão de todo homem”. Apenas uma asserção assim pode ser afirmada, ou seja, expressa “como um juízo necessariamente válido para todos”. 359

O exame das premissas da argumentação considera o que deve ser aceito como ponto de partida de raciocínios. Assim, Perelman distingue os fatos, as verdades e as presunções como objetos caracterizados pelo acordo do auditório universal. Falam-se em fatos para designar objetos de acordo precisos, limitados; designam-se como verdades sistemas mais complexos, relativos a ligações entre fatos, que se trate de teorias científicas ou de concepções filosóficas ou religiosas que transcendem a experiência. Já as presunções, diversamente dos fatos das verdades, necessitam de reforço para que se opere a adesão do auditório. 360

Paulo Mendonça sustenta que: “no que se refere ao auditório, cabe destacar que Perelman o trata a partir de um prisma simbólico. Não se trata de um auditório fisicamente

359 PERELMAN, Chäim. Tratado da argumentação – A nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.

35.

considerado, constituído a partir de um discurso oralmente apresentado a um grupo de pessoas, mas de uma concepção ideal, que, para Perelman, forma o denominado auditório universal”. 361

Perelman estabelece a dicotomia, processos de ligação e processo de dissociação – que decorrem da natureza da fundamentação correlacionada ao argumento –, sustentando que “as duas técnicas são complementares e sempre operam conjuntamente”: 362

Entendemos por processos de ligação esquemas que aproximam elementos distintos e permitem estabelecer entre estes uma solidariedade que visa, seja estruturá-los, seja valorizá-los positiva ou negativamente um pelo outro. Entendemos por processos de dissociação técnicas de ruptura com o objetivo de dissociar, de separar, de desunir elementos considerados um todo, ou pelo menos um conjunto solidário dentro de um mesmo sistema de pensamento. A dissociação terá o efeito de modificar tal sistema ao modificar algumas das noções que constituem suas peças mestras. É por isso que esses processos de dissociação são característicos de todo pensamento filosófico original. 363

Formula, em linhas gerais, o seguinte esquema de argumentos:

a. Argumentos de ligação ou de associação i. Argumentos quase-lógicos

1. Contradição e incompatibilidade 2. Identidade

ii. Argumentos baseados na estrutura do real

iii. Argumentos que fundamentam a estrutura do real b. Dissociação de noções

Os argumentos quase-lógicos são assim definidos pelo fato de que parecem ser lógicos, todavia, não o são. Realiza-se uma operação de redução que pode ser comparada a uma estrutura lógico-formal. Neste grupo, a contradição pode ser identificada como uma colisão de asserções ou uma incorreta explicação de possibilidades que se revelam incompatíveis. Perelman sustenta que como as incompatibilidades não são formais, mas só existem com relação a certas situações, podem ser adotadas três atitudes no modo de tratar os problemas. A primeira seria a lógica – em que preocupa, de antemão, resolver todas as dificuldades; a segunda seria a do homem prático – que só resolve os problemas à medida que

361 MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A Tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar,

2003, p. 228.

362 PERELMAN, Chäim. op. cit, p. 215.

363 PERELMAN, Chäim. Tratado da argumentação – A nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.

eles vão se apresentando; e a terceira, a diplomática- em que se inventam procedimentos para evitar que a incompatibilidade apareça.364

No âmbito dos argumentos quase-lógicos das incompatibilidades, a retorção se apresenta como um argumento que “tende a mostrar que o ato empregado para atacar uma regra é incompatível com o princípio que sustenta esse ataque”.365 Por sua vez, o ridículo representa uma “sanção da transgressão de uma regra aceita (...) Uma afirmação é ridícula quando entra em conflito, sem justificação, com uma opinião aceita. Fica de imediato ridículo aquele que peca contra a lógica ou se engana no enunciado dos fatos”.366 A ironia, a seu turno, apresenta-se quando “quer-se dar a entender o contrário do que se diz”, em geral trata- se de um procedimento argumentativo de defesa, porquanto se pressupõe-se que se conhece a opinião do orador e, por meio da ironia, buscar-se-á colocá-lo em situação complicada.

Já em relação ao argumento quase-lógico da espécie identidade, Perelman esclarece que:

Todo uso de conceitos, toda aplicação de uma classificação, todo recurso à indução implica uma redução de certos elementos ao que neles há de idêntico ou intercambiável; mas só qualificaremos essa redução de quase- lógica quando essa identificação de seres, de acontecimentos ou de conceitos não for considerada nem totalmente arbitrária, nem evidente, isto é, quando ela dá ou pode dar azo a uma justificação argumentativa.367 (grifou-se).

A identidade representa, por exemplo, realizar a redução dos aspectos de determinadas coisas a uma categoria, desprezando outras características que as diferenciam, estabelecendo certa analiticidade. Pode-se, de igual sorte, considerar analítica a igualdade entre as expressões declaradas sinônimas – v.g. “a floresta é muito densa” equivale a “as árvores dessa região são muito próximas umas das outras”.368 A regra de justiça também é um argumento de identidade a partir do qual se estabelece que a mesma regra deve ser aplicada a pessoas que estejam na mesma situação – permite, por exemplo, a utilização do precedente como argumento quase-lógico. Neste mesmo âmbito da identidade, “a acusação de

tautologia equivale a apresentar uma afirmação como resultado de uma definição, de uma convenção puramente linguística, que nada nos ensina no tocante às ligações empíricas que um fenômeno pode ter com outro”.369

364 Ibidem, p. 228-229.

365 PERELMAN, Chäim. Tratado da argumentação – A nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.

231.

366 Ibidem, p. 233. 367 Ibidem, p. 238 368 Ibidem, p. 244. 369 Ibidem, p. 245.

Por sua vez, os argumentos de reciprocidade visam aplicar o mesmo tratamento a duas situações correspondentes, mas que não são idênticas.370 Já os argumentos de

transitividade permitem “passar de uma afirmação de que existe a mesma relação entre os termos a e b e entre os termos b e c: as relações de igualdade, de superioridade, de inclusão, de ascendência são relações transitivas” 371 – trata-se, pois, de uma redução (se A é superior a B e B é superior a C, então A é superior a C). É quase-lógico.

A seu turno, a inclusão da parte no todo permite a redução de que “o que vale para o todo vale para a parte” e a divisão do todo em partes enseja a concepção do todo como a soma de suas partes.372 Segue-se, ainda, uma série de outras espécies, tais como os argumentos por comparação e pelo sacrifício.

Ingressando na categoria dos argumentos baseados na estrutura do real verifica-se que, diversamente dos anteriores, que possuem pretensão de validade em virtude do seu aspecto lógico formal, estes procuram estabelecer uma relação entre juízos admitidos e outros que se procura promover.373 “São organizados a partir do estabelecimento de conexões entre a tese apresentada e a experiência do auditório. [...] não se parte da vivência do auditório para moldar a argumentação e sim de certos padrões previamente estabelecidos, que serão passados do auditório como os mais adequados.374

Finalmente, os argumentos construídos a partir de dissociação de noções. No particular, esclarece a distinção entre ruptura de ligação e dissociação de noções, asseverando que, a primeira, “consiste em afirmar que são indevidamente associados elementos que deveriam ficar separados e independentes”; já a segunda “pressupõe a unidade dos elementos confundidos no seio de uma mesma concepção, designados por uma mesma noção”. Assim, a “dissociação de noções determina um remanejamento mais ou menos profundo dos dados conceituais que servem de fundamento para a argumentação. Já não se trata, nesse caso, de cortar os fios que amarram elementos isolados, mas de modificar a própria estrutura destes”.375

370 PERELMAN, Chäim. Tratado da argumentação – A nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.

250.

371 Ibidem, p. 257. 372 Ibidem, p. 262-265. 373 Ibidem, p. 297.

374 MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A Tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar,

2003, op. cit, p. 232-233.

Esclarece Paulo Mendonça: “o que se pretende é exatamente separar fatos, conceitos ou valores pela via da argumentação, exaltando as diferenças entre eles e minimizando os pontos em comum” 376.

O exame do pensamento de Alexy e de Perelman conduz à conclusão na diretiva da inegável complementação de conceitos, que terminam por fortalecer a pretensão de correção no âmbito do discurso racional prático.