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4 MÍNIMO EXISTENCIAL TEORIA DOS PRINCÍPIOS E DOS DIREITOS

4.3 Direitos Fundamentais, dignidade humana e mínimo existencial

4.3.3 O aporte de Alexy à teoria dos status de Jellinek

Alexy assegura a importância histórica e atual da teoria dos quatro status de Jellinek, em cujo âmbito são delineadas relações que qualificam o indivíduo frente ao Estado. Salienta Alexy que Jellinek situa o status com uma “relação entre indivíduo Estado” (Ein

Status ist damit eine wie auch immer Beschaffene Relation Zwishen Bürger und Staat). O

status consiste, nesse sentido, em uma “situação” que deve ser diferenciada de um “direito”, já que Jellinek expressa o “ser jurídico” e não o “ter jurídico” da pessoa.267

Tais descrições gerais, alerta Alexy, são marcadas pela ausência de clareza, que se resolve no campo da divisão em quatro “relações de status”, proposta por Jellinek – o status passivo/subjectionis, o status negativo/libertatis, o status positivo/civitatis e o status ativo/cidadania ativa.268

Não se pretende aprofundar o estudo acerca da teoria dos status, mas tão somente examinar a concepção de Jellinek concebeu e as motivações que subjazem às críticas direcionadas à sua teoria, bem como as inconformidades interpretativas que em torno dela gravitam.

Empreende-se essa leitura a partir do exame desenvolvido por Alexy, porque, malgrado ele próprio aponte falhas da teoria, preocupa-se em destacar a notável (e a ainda atual) importância da formulação de Jellinek.

Não encontra Alexy qualquer dificuldade em recortar o conceito de status passivo e o faz por meio da dicotomia “conteúdo do status” (“Inhalt des Status”) e “status como tal” (“Status als solcher”).269

267 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte, 4. Aufl., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 229. “Como

uma relação qualificadora do indivíduo, o status deve ser uma condição (situação) e, como tal, deve diferenciar- se de um direito. Isto pelo fato de que, da forma como Jellinek se expressa, o status possui como conteúdo o “ser” jurídico da pessoa e não o seu “ter” jurídico”. No original: “Als eine Individuum qualifizierend Relation soll der Status ein Zustant sein und sich als solcher von einem Recht unterscheiden. Dies deshalb, weil er, wie Jellinek sich ausdrückt, das rechtliche <<Sein>> und nicht das rechtlich "Haben" der Person zum Inhalt habe.”.

268 Ibidem, p. 230. “O que Jellinek entende por “Ser” e “Ter”, seus exemplos esclarecem. Então o status de uma

pessoa deve ser alterado quando se lhe concede o direito de votar ou de adquirir uma propriedade, ao passo que a aquisição de um terreno relaciona-se apenas com o seu ter. Essas descrições gerais são de todo desprovidas de clareza. Logra-se uma maior determinação do conceito de Status quando situado no âmbito de sua divisão das quatro “relações de status”. No original: “Was jelliken dabei unter “Sein” und “Haben” versteht, machen seine Bespiele deutlich. So soll durch die Ausstattung einer Person mit dem Wahlrecht und dem Recht, ungehindert Eigentum zu erwerben, daren Satus und damit daren Sein verändert werden, während der Erwerb eines bestimmten Grundstückes nur daren Haben betreffe. Diese allgemeinen Umschreibungen sind recht unklar. Eine nähere Bestimmung erfährt der Begriff des Status demgegenüber im Rahmen seiner Aufspaltung in die vier >>Statusverhältnisse<<.”.

O indivíduo se encontra no status passivo quando se situa na posição em que o Estado lhe impõe um dever ou proibição ou, ainda que não tenha imposto, possua competência para tanto, pelo que, a qualquer tempo o indivíduo poderá ter em face de si tal imposição.

Esse conjunto de proibições, deveres e competências que submetem o indivíduo na sua relação com o Estado perfazem o que Alexy denomina de “conteúdo do status”, que se modifica na medida em que se inclui ou elimina tais imposições. Já o “status como tal” representa o que, independente das modificações ocorridas – vale dizer, se há ou não inclusão ou exclusão de proibições, deveres ou competências –, basta que remanesça uma única destas possibilidades de imposição para que o “status com tal” não se modifique e o indivíduo permanece no campo do status passivo.270

Sustenta Alexy que, enquanto o conceito de status passivo não apresenta maiores problemas de aproximação, o mesmo não se pode afirmar em relação ao conceito de status negativo. É que a doutrina costuma vincular o status negativo aos direitos de defesa (Abwehrrechte), posição que se contrapõe à concepção de Jellinek.271

O status negativo de Jellinek é integrado tão somente por faculdades (Freistellungen), a ele não pertencendo proteções ao direito ao não impedimento (Rechte auf

Nichthinderung). Circunstância que opõe o status negativo ao status passivo em uma relação de mútua exclusividade, já que todas aquelas condutas que não são obrigatórias nem proibidas localizam-se no espaço de liberdade dos indivíduos. E, por isso mesmo, o vínculo entre o

status negativo e sua proteção será estabelecido por meio de reflexões de conteúdo (material ou substancial), o que revela, de certa forma, a faceta rudimentar do sistema proposto por Jellinek a demandar fundamento em uma teoria das posições jurídicas fundamentais. 272

De fato, o exame mais detido da argumentação desenvolvida por Jellinek revela o acerto das reflexões de Alexy, já que resta nítido que no âmbito do status negativo não se encontram os direitos de defesa, ainda mais porque Jellinek, neste ponto, chega a sustentar que seria juridicamente incorreto falar em “direitos de liberdade”.273

270 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte, 4. Aufl., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 231. 271 Ibidem, p. 233.

272 Ibidem, p. 233-237.

273 Sustenta Jellinek que: “Toda liberdade é simplesmente liberdade contra coerção ilegal. A sujeição, o status

passivo dos indivíduos é limitado pela lei. Assim, não é juridicamente correto falar de direitos de liberdade, existe muito mais apenas a liberdade em singular, que somente sua oposição face determinadas limitações antigas assume, mais no campo político do que no jurídico, variadas e coloridas nuances”. No original: “Alle Freiheit ist einfach Freiheit von gesetzwidrigein Zwange. Die Subjektion, der passive Status des Indivinduums ist ein gesetzlich begrenzter. Daher ist es juristisch nicht correkt, von Freiheitsrechten zu reden, es ist vielmehr nur die Freiheit im Singular vorhanden, die nur ihren Gegensatz gegen bestimmte ehemalige Einschränkungen

O conceito de status positivo, a seu turno, é sintetizado por Alexy como o “direito do cidadão, em face do Estado, a ações do Estado” (Recht des Bürgers gegenüber dem Staat

auf Handlung des Staates), o que representa, em outros termos, que o status positivo do cidadão (positiven Status des Bürger) corresponde ao status passivo do Estado (passiven

Status des Staates) e que tudo o que não pertença ao status positivo do cidadão (positiven

Status des Bürger) pertence ao status negativo do Estado (negativen Status des Staates).274 Alexy adverte que Jellinek situa a pretensão ao não impedimento em face das autoridades do Estado (Anspruch an die Staatsbehörden auf Nichthindern) no âmbito do

status positivo dos indivíduos, como qualquer outra pretensão específica de ação do Estado, fato que se encontra de acordo com a sua concepção de status negativo, mas que, todavia, colide com a própria tese de Jellinek, segundo a qual o conteúdo dos direitos no status positivo é integrado por “uma ação positiva do Estado” (ein positives Tun des Staates). E, malgrado o direito ao não impedimento possa ensejar uma ação do Estado, com certeza essa ação não pode ser classificada como uma “ação positiva” (positives Tun).275

Essa conclusão encontra total convergência na definição que Jellinek lança para delimitar o status positivo, notadamente porque essa posição é alcançada pelo indivíduo sempre que o Estado reconhece a coincidência entre o interesse individual e o interesse público, pelo que coloca à disposição dos indivíduos os meios necessários para a realização de suas pretensões, alçando-os à condição de membros do Estado e inserindo-os, por conseguinte, no status de cidadania. 276

Nessas circunstâncias, assevera Alexy, o direito ao não impedimento – que corresponde aos “direitos de defesa” (Abwerrecht) –, não pertenceria a qualquer dos status, o que teria como conseqüência a ausência de localização no sistema de Jellinek de uma das

mehr in politischer als in juristischer Hinsicht verschiedene individuelle gefärbte Nuance erhält”. (JELLINEK, Georg. System der Subjektiven Öffentlichten Rechte. Freiburg: Adamant Media Corporation, 2006, p. 103). A propósito, cumpre observar que, em relação ao vocábulo “gesetzwidrigein” não se encontrou correspondência no léxico alemão contemporâneo, pelo que se assumiu em seu lugar, para fins de tradução, a palavra “gesetzwidrige” (“ilegal”), porquanto, ao que parece – já que não se empreendeu qualquer investigação para assegurar não se cuidar de incorreção grafológica –, trata-se de variação semântica decorrente da época em que originalmente escrita a obra: editada e publicada em 1892.

274 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte, 4. Aufl., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 238-239. 275 Ibidem, p. 240-241.

276 JELLINEK, Georg. System der Subjektiven Öffentlichten Rechte. Freiburg: Adamant Media Corporation,

2006, p. 113-114. No original: “Alles staatliche Handeln ist Handeln im Gemeininteresse. Das Gemeininteresse muss nicht, aber es kann mit dem individuellen zusammenfallen. Insoweit das letztere stattfindet und diese Congrunenz vom Staate anerkannt wird, gewährt er dem Einzelnen Ansprüche an seine Thätigkeit und stellt ihm rechtsmittel zur Verfügung, um sie zu realisieren. Dadurch erhebt er das Individuum zum positiv berechtigten Staatsgliede, verleiht ihm den Status der Civität, der von dem blos negativen, das grosse Gebiet der für den Staat rechtlich indifferenten Handlungen umfassenden durchaus geschieden ist“.

mais importantes posições no campo dos direitos fundamentais.277

Para evitar esse resultado, seria necessário incluir o direito ao não impedimento no status negativo ou no status positivo, que, por sua vez, traria desdobramentos indesejáveis: incluído no status negativo, a natureza deste status seria significativamente alterada, importando na ruptura da arquitetura do sistema de Jellinek – vale dizer, incluído no status positivo, a tão cara distinção para a dogmática dos direitos fundamentais entre direitos a ações negativas e positivas, em face do Estado, não encontraria expressão alguma na teoria dos

status. Ademais, incluir direitos de defesa no status positivo feriria a terminologia da dogmática dos direitos fundamentais.278

Diante dessa configuração, que revela o caráter rudimentar do sistema de Jellinek, Alexy propõe, à luz da teoria das posições jurídicas fundamentais, classificação do status negativo e positivo em status negativo e positivo, em sentido amplo e em sentido estrito, lecionando o seguinte:

O status negativo em sentido estrito, que integra o sistema de Jellinek, refere-se às liberdades jurídicas não-protegidas. O status negativo em sentido amplo, que não integra o sistema de Jellinek, correspondem aos direitos a ações negativas do Estado (direitos de defesa) e destinam-se a proteger o status negativo em sentido estrito. Ao status positivo em sentido amplo correspondem tanto aos direitos a ações negativas quanto os direitos a ações positivas, ao passo que ao status positivo em sentido estrito correspondem somente os direitos a ações positivas. As consequências sistemáticas desta divisão para o sistema de Jellinek são simples e nítidas. Os direitos que são incluídos no status negativo em sentido estrito, para que se possa transformá-lo em status negativo em sentido amplo (direitos de defesa) são uma subclasse dos direitos do status positivo em sentido amplo. Contra essa solução podem insurgir-se, contudo, objeções pragmáticas, a sustentar que se estaria complicando a linguagem dos direitos fundamentais. Sempre que se falasse de status negativo ou positivo, dever-se-ia aduzir se a referência é ao status em sentido estrito ou em sentido amplo. Cláusulas como essa não seriam auto-compreensíveis. Esta objeção, todavia, é facilmente invalidada. Na argumentação habitual no campo dos direitos fundamentais o contexto, na maioria das vezes, deixa claro o que se quer expressar com “status negativo” ou “status positivo”. Geralmente refere-se ao status negativo em sentido amplo e ao status positivo em sentido estrito. Eles podem ser utilizados sem expressões extras, o que se faz em seguida. Quando pairar dúvida, é possível solucioná-la com o auxílio da teoria das posições jurídicas fundamentais, que suporta as divisões apresentadas. Quando, todavia, trata-se de questões difíceis sobre os direitos fundamentais, que encerrem problemas relativos à própria teoria do status, as diferenciações aqui encontradas são indispensáveis.279

277 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte, 4. Aufl., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 240-241. 278 Idem.

279 Idem. No original: “Der negative Status im engeren, eigentlich Jellinekschen Sinne bezieht sich

Por fim, o que representam o dever e a proibição impostos ao indivíduo para o

status passivo, a faculdade para o status negativo e o direito a algo para o status positivo; representa a competência para o status ativo ou status de cidadania ativa. O cidadão se encontra situado no status ativo quando lhe é ofertada capacidades além da sua liberdade natural (“ausserhalb seiner natürlichen Freiheit leigenden Fähigkeiten gegeben werden”), com sói acontecer com o direito de votar. 280

As posições do status ativo estão sempre em vínculo com as posições dos demais

status, já que o exercício de uma competência pode ser obrigatório ou proibido (status passivo) ou facultativo (status negativo). Para Jellinek, alcança-se o status ativo quando sua esfera “além de não ser é limitada por uma obrigação, sua capacidade de atuação jurídica é ampliada” (nicht durch aine Pflicht beschränkt, sodern vielmehr seine rechtliche

Handlungsfähigkeit erweitert wird).281

Essa circunstância, aduz Alexy, não enseja incompatibilidade entre os status passivo e ativo. Também aquele obrigado pelo dever de votar, terá reconhecida a competência ou a capacidade para agir para o Estado, sendo, pois, inserido como membro da organização estatal (“der staatlichen Organisation als Glied eingefügt”), também ele atua para o Estado (“für den Staat tätig”). Em regra, a percepção da competência que integra o conteúdo do

status ativo é de que ela é facultada ao cidadão. Assim, o status ativo é combinado ao status negativo. Uma combinação do status positivo com o status ativo verifica-se no âmbito do direito à competência ou à capacidade para votar.282

Empreendidas estas reflexões acerca da teoria dos status de Jellinek, enriquecida

Systematik hinausgehenden Sinne bezieht sich darüber hinaus auf die den negativen Status im engeren Sinne bewehrende Rechte auf negativ Handlungen des Staates (Abwehrrechte). Zum positiven Status im weiteren Sinnes gehören sowohl Rechte auf positive als auch rechte auf negative Handlungen, zum positiven Status im engeren Sinne dagegen nur Rechte auf positive Handlungen. Die Systematische Folgen dieser Aufspaltung für das Jellinekschen System sind einfach und überschaubar. Die Rechte, die dem negativen Status im engeren Sinne hinzigefügt werden, um ihn zu einem negativen Status im weiteren Sinne werden zu lassen (Abwehrrechte), sind eine Unterart der Rechte des positiven Status im weiteren Sinne. Gegen diese Lösung kann allenfalls der pragmatiche Einwand erhoben werden, dass sie zu einer Komplizierung der grundrechtlichen Sprache führe. Wenn vom negativen oder positiven Status gesprochen werde, müsse immer hinzugefügt werden, ob ein Status im engeren oder im weiteren Sinne gemeint sei. Klauseln wie diese seien aber nicht aus sich heraus verständlich. Dieser Einwand ist jedoch leicht zu entkräften. In gewöhnlichen grundrechtlichen Argumentationen macht der Kontext zumeist deutlich, was mit den Ausdrûcken >>negativer<< und >>positiver Status<< gemeint ist. Meist ist der negative Status im weiteren und der positive im engeren Sinne gemeint. Sie können dann also ohne Zusatz gebraucht werden, was im folgenden auch geschehen soll. Wenn Zweifel auftauchen, können diese schnell unter Rückgriff auf die Theorie der rechtlichen Grundpositionen behoben werden, auf die sich die ausgeführten Unterscheidungen gründen. Wenn es aber um diffisile grundrechtlichen Fragen geht, die Probleme der Statustheorie als solcher einschliessen, sind die getroffenen Unterscheidungen unerlässlich.”.

280 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte, 4. Aufl., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 242. 281 Ibidem, p. 243.

282 Idem. Cumpre observar, todavia, que, no caso brasileiro, em que o direito ao voto traz consigo o dever de

pelas devidas intervenções propostas por Alexy à luz da teoria das posições jurídicas fundamentais, importa examinar a situação do direito ao mínimo existencial no campo das relações entre indivíduo e Estado.