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4 MÍNIMO EXISTENCIAL TEORIA DOS PRINCÍPIOS E DOS DIREITOS

4.3 Direitos Fundamentais, dignidade humana e mínimo existencial

4.3.2 A teoria republicana dos direitos fundamentais

J. J. Gomes Canotilho leciona que a teoria republicana dos direitos fundamentais “é uma teoria autônoma, irreconduzível quer ao arquétipo clássico grego que ao paradigma liberal”.260

259 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2009, 596-597. 260 Conforme Canotilho, o patrimônio direitos humanos foi comum a quase todos os movimentos do século XIX

– excluindo-se os providencialistas do direito divino e a teoria dos direitos naturais dera origem a dois filões filosófico-jurídicos e filosófico-políticos que influenciaram os movimentos e teorias políticas: A primeira concepção, na senda do kantismo, encerra compreensão dos direitos naturais em termos liberais, próximo daquilo que se passou a chamar, “glosando Benjamin Constant”, ‘liberdade dos modernos’. Assenta-se, pois, em duas idéias básicas: “1) momento subjetivo, típico do jusnaturalismo, justifica que qualquer teoria política incidente sobre os direitos do homem deva responder, antes de mais nada, a esta pergunta: de que coisas posso eu desfrutar livremente, e em que condições, para desenvolver a minha esfera privada (esfera da sociedade onde se localiza o direito civil); 2. como se deve estabelecer a limitação recíproca das liberdades, e por que via, de forma que eu possa ser livre sem escravizar outrem e, reciprocamente, os outros indivíduos possam ser livres sem eu ficar num estatuto de sujeição (esfera do Estado, onde se situa o direito público)”. Apontam esses dois postulados para uma teoria liberal dos direitos do homem, pois neles estão implícitos a primazia do direito ao

A polis não era uma sociedade democrática, já que a ocupação do seu centro – um cosmos geométrico e fechado – era privilégio dos iguais, que, por sua vez, eram definidos em um esquema organizatório profundamente desigual. Assim, na cidade grega uns são mais iguais do que outros, existindo um espectro social de indivíduos cuja característica comum era a de se situarem entre a escravatura e a liberdade.261

Por outro lado, a denominada “liberdade dos modernos” e a “liberdade republicana” não se coadunam com tal ambiência, porquanto o paradigma liberal moderno dirige-se ao encontro das energias individuais, que apenas pedem aos poderes públicos a criação e a garantia do mínimo de ordem, necessária ao máximo de liberdade, longe de exigir dos cidadãos iguais uma intensa participação nos negócios da polis.262

Aponta Canotilho um dos elementos de aproximação entre o republicanismo e a liberdade dos antigos, qual seja o ativismo político, tendo em vista a sua predisposição ao combate a favor do progresso e de situações positivas. Aproximação que, todavia, não pretende coisa semelhante à sociedade ateniense, “assente numa pluralidade de igualdades- desiguais, fechadas, hierarquizantes e vergadas à transcendência cosmológica, que obedecia a paradigmas e a arquétipos políticos radicalmente diversos dos de uma República cosmopolita”.263

Portanto, o universalismo e a abertura a uma ação internacional e democrática que se orienta à participação de todos os cidadãos nos assuntos da res publica representa a condição necessária à saúde do organismo político – o que contraria o caráter fechado e hierarquizado da polis grega.264

A conexão entre a “liberdade dos antigos” e a política republicana assenta na identidade da participação no poder, mesmo quando exercida por intermédio de

desenvolvimento da personalidade individual e o Estado como garantidor desses direitos. “Os direitos individuais concebem-se independentes de toda autoridade social e política (B. Constant), devendo o Estado limitar-se à tarefa da ordem e segurança desses direitos.” “Por sua vez, ao lado dessa concepção individualista dos direitos naturais, divisou-se outra linha – na senda dos ideólogos e dos cientistas, de Volney, Destutt de Tracy e sobretudo Condorcet – acentuadora da natureza de troca dos direitos no âmbito da sociedade. Os direitos naturais continuam a ser considerados como direitos individuais, pois, ao jeito do jusnaturalismo racionalista, o indivíduo pensante e atuante constitui o eixo nuclear do sistema social. Todavia, os direitos do homem são direitos do homem na sociedade, porque a sociedade é o estado normal e material do homem”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos Sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 16-18).

261 Ibidem, p. 28. 262 Idem. 263 Ibidem, p. 32 264 Idem.

representantes – fato que, advirta-se, representa uma limitação quando examinado à luz da teoria liberal.265

Em lugar de redução de direitos a meras autovinculações positivistas, o pensamento republicano procura uma saída da subjetividade para a intersubjetividade. Não se trata de reconhecer “direitos em si” e “para si”, mas de direitos para outrem. Esse traço de “fazer iguais” e “exercer direitos” em prol da solidariedade e da fraternidade enseja dimensões democrático-funcionalistas na teoria republicana dos direitos fundamentais. 266

Refere Canotilho, pois, que a teoria democrático-funcional oferece os seguintes elementos para compreensão da teoria republicana, quais sejam: “1) reconhecimento de direitos fundamentais aos cidadãos que deverão por estes ser exercidos, enquanto membros da comunidade, e no interesse público; 2) o exercício da liberdade é um mero meio de garantia e de prossecução do processo democrático; 3) a vinculação do exercício dos direitos à prossecução de fins públicos justifica a sua articulação com a idéia de deveres; 4) a dimensão funcional justifica, em caso de ‘abuso’, a intervenção restritiva dos poderes públicos.”

Portanto, é possível concluir que a garantia de eficácia social das normas constitucionais é o único caminho que se apresenta para o respeito aos direitos fundamentais. Esta garantia somente pode ser atingida se a abertura da interpretação constitucional, aliada à sua efetiva aplicação, tenha em vista a origem natural dos direitos humanos, afastando a noção meramente individualista do domínio político-econômico-social para encontrar equilíbrio nos postulados de uma formação social isonômica, conduzida pela solidariedade e pela fraternidade.

Dissociada dessa noção, não se revela possível conceber a inclusão valorativa do que se convencionou denominar mínimo existencial no âmbito da ordem jurídica de um Estado, máxime para que os conflitos postos ao exame do Poder Judiciário encontrem solução que se coadune com o espírito da Constituição.

265 Ensina Canotilho que “a política de participação do poder, mesmo quando exercida por representantes, não é,

para os republicanos, uma política de limitação de poder para garantir o desenvolvimento da autonomia individual ou a independência da sociedade civil, como sempre defendeu o pensamento liberal; ela é, antes, uma política na cidade para assegurar a ‘evolução do espírito’a nível da ‘liberdade filosófica, política e civil’. O reconhecimento da ‘fraternidade’ ou da ‘felicidade comum’ como fim da sociedade assumia-se como um fim da luta política e como expressão moderna dos direitos do homem. (Ibidem, p. 33).