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Com relação à criação da unidade de conservação pode-se dizer que houve, nos anos que antecederam a sua efetivação, uma grande preocupação com as atividades das pedreiras em Itapuã. Por vezes ouvi relatos de que a exploração se dava em grande escala, com volumosas quantidades de material sendo retiradas para suprir demandas de diversos municípios do Estado, além da exportação para outros países.

Apesar das pedreiras terem iniciado suas atividades há cerca de uma década antes, foi no contexto dos movimentos ambientalistas dos anos 1980 que a atenção se voltou para Itapuã. Naquele momento ocorreram diversos protestos de entidades ambientalistas, de

pesquisadores e da população preocupada com a questão ambiental. A extração ocorria nos morros e necessitava explosões, deslocamento de veículos pesados e áreas para acampamento e moradia dos “cortadores de pedra” - como chamavam aqueles que trabalhavam nas pedreiras –, o que provocava grandes alterações nos ecossistemas.

Um grupo constituído por representantes da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), da Fundação Pró-Natureza (FUNATURA), da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza (FBCN), do Diretório Acadêmico do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Diretório Acadêmico dos Estudantes de Geologia criou, em 1985, a Comissão de Luta pela Efetivação do Parque Estadual de Itapuã (CLEPEI). De acordo com Paula , funcionária que trabalhava no Centro 54

de Visitantes do PEI há sete anos, poucos moradores da comunidade de Itapuã tinham se envolvido com esses movimentos. Como discutido no capítulo 2, muitos movimentos ambientalistas eram considerados exógenos por parte da sociedade e acreditava-se que partiam de necessidades de apenas algumas parcelas da população, interessadas na proteção da natureza. Sendo assim, nem sempre envolviam as comunidades que viviam na área ou em seu entorno. Sobre o processo de efetivação do PEI, Paula afirmou:

Era necessária a implantação do parque. Era necessária essa intervenção. Mas o que aconteceu? Foi uma coisa que os ambientalistas de Porto Alegre queriam, não envolveu a comunidade de Itapuã. (...) Eles não foram os atores principais. (...) Foi uma coisa muito truculenta, muito agressiva. Precisava? Precisava, mas tinha essa visão de não envolver a comunidade, as unidades de conservação eram criadas, no Brasil todo, de cima para baixo. (...) Itapuã é diferente, porque ela não foi uma unidade de conservação criada, ela foi conquistada. Porque foram os ambientalistas que pressionaram para que ela fosse efetivada. (...) O Parque Estadual de Itapuã foi conquistado pelos ambientalistas. (Entrevista, 25/11/16).

De fato, a manutenção de unidades de conservação de proteção integral no SNUC de 2000, acompanhando uma ideia que se estabeleceu no Brasil sob a influência da perspectiva de conservação estadounidense, conforme já mencionado no capítulo 2, não permite residentes, mesmo em caso de populações que tradicionalmente viviam na área. Segundo Diegues (2004), isso se justifica porque se acreditava que todas as sociedades acabavam por destruir a natureza, o que foi reforçado na fala de Marta, antiga moradora de Itapuã:

Reforço aqui o que já foi mencionado na descrição da metodologia da pesquisa, referente à preservação da

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Hoje pra quem não conhece, não sabe, tu chega lá naquele lugar, vai na Central do Visitante e vê aquele vídeo e ouve um depoimento de que parece assim que todas as pessoas que estavam lá estavam destruindo aquele lugar, todas as pessoas foram retiradas de lá porque estavam destruindo o lugar, e não é verdade. (...) tem história bonita, tem vida naquilo lá, não é um lugar... Tu chega, tu assiste aquele vídeo, aquelas imagens realmente são horrorosas, são! Se tivesse continuado daquele jeito com certeza hoje a coisa estaria muito pior, mas também tem uma história que foi positiva, e que eu não concordo que ela não seja contada. (...) Por que isso também não pode ser resgatado e também não pode ser contado? Por que essas imagens também não podem fazer parte daquele museu que tem lá na entrada no parque? Nem todo mundo que passou por lá deixou um rastro de destruição. (Entrevista, 17/10/16).

A concepção que foi aplicada na legislação das unidades de conservação, aliada aos conflitos com as pessoas que tinham sido atingidas pelo PEI, de fato afastou ainda mais a comunidade. Certo dia, conversando com um guarda-parque o ouvi dizer que as unidades de conservação eram locais isolados, sem humanos - as pessoas não podiam visitar livremente, conhecer ou morar nessas áreas. Nesse sentido, afirmou: “É como se [as unidades de conservação] não existissem” (Fabrício, Nota do Diário de Campo, 18/10/16).

Ainda assim, a CLEPEI investiu em ações junto à comunidade e às autoridades competentes, o que possibilitou a contenção da exploração das pedreiras e de loteamentos clandestinos na área do PEI e a instalação de um posto de fiscalização. Os conhecidos ambientalistas José Lutzenberger e Augusto Carneiro participaram dos movimentos em prol da desocupação do parque, que culminaram com o encerramento das atividades das pedreiras em 1985 (RIO GRANDE DO SUL, 1997). Fotos que me foram cedidas pelo Museu de Viamão mostram um documento destinado à Prefeitura daquele município, no qual Lutzenberger apresenta as justificativas para a preservação de Itapuã, denuncia as atividades predatórias e manifesta sua indignação:

O que está acontecendo hoje em Itapuã é indigno de um país que se diz civilizado e culto, é resultado do mais crasso e cego materialismo imediatista. Se essas depredações impiedosas continuarem por mais alguns anos, o que era uma paisagem preciosa, de inigualável beleza, acabará na desolação e feiura. (...) Uma maravilha natural como esta não tem preço. Mas a nossa inconsistência e irreverência é tão abismal que a estamos transformando... NISSO! (LUTZENBERGER, documento enviado à Prefeitura de Viamão, cedido pelo Museu de Viamão em 2016).

No entanto, no mesmo ano em que as pedreiras pararam a exploração, ainda em 1985, iniciou-se a invasão de veranistas, que construíram casas nas praias para utilizar nas férias e nos finais de semana. Houve o desmatamento das áreas naturais para a formação de um loteamento na praia de Fora, o qual era constituído por cerca de 800 casas. Com as casas

vieram outros problemas, como a substituição da vegetação nativa por espécies exóticas, como pinus, eucaliptos e casuarinas. Normalmente essas plantas são plantadas para viabilizar locais de sombra nas praias, sendo as escolhidas por necessitarem de um curto período de tempo para crescer. A figura 11 mostra um pôster fixado no Centro de Visitantes, com fotos das casas construídas ilegalmente e das pedras extraídas na área.

Figura 11 - Pôster fixado no Centro de Visitantes mostrando os problemas ambientais na área do atual Parque Estadual de Itapuã na década de 1980. Parque Estadual de Itapuã, Viamão, julho de 2017.

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Fonte: A autora (2018).

Com o incremento de visitantes e de veranistas, as queimadas acidentais tornaram-se mais frequentes, principalmente no verão. O Plano de Manejo do PEI registrou vários incêndios que ocorreram naquele período, como exemplo o de 1985, que atingiu uma área de cerca de 100 hectares. Esses fatores levaram ao fechamento do parque para a visitação pública e a criação da unidade de conservação em março de 1991. Paralelamente, o Estado moveu

uma ação de despejo contra os “invasores” das praias, que foram retirados em novembro do mesmo ano. Moradores contaram que quando a área foi fechada não era mais permitido circular pela estrada de acesso à entrada do parque, e a força policial garantiu que ninguém passasse. Segundo relatos, pessoas que moravam do outro lado da estrada que limitava a área do PEI, naquele momento foram obrigadas a se identificar para acessar suas casas.

Apesar de sua criação datar de 1991, a unidade de conservação foi inaugurada oficialmente somente em 22 de abril de 2002. O parque permaneceu fechado por um período de dez anos, entre 1992 e 2002. Nesse período foi construída uma infraestrutura destinada ao recebimento de visitantes e de pesquisadores, com recursos oriundos do Pró-Guaíba. Segundo o relato de Fabiane, moradora de Itapuã e vigilante do PEI, na praia de Fora o projeto buscava seguir um “modelo ecológico”, com um sistema de fossas para os efluentes e produção de energia eólica (Entrevista, 18/10/16). No entanto, ela contou que os cata-ventos instalados tombaram com as ventanias que ocorreram e não havia recurso para recuperá-los.

O fechamento também ocorreu em outros momentos, principalmente por problemas de manutenção da estrutura e a carência de recursos humanos. Uma das dificuldades era a falta de trabalhadores em número suficiente para a realização da manutenção e da limpeza, além dos problemas burocráticos na transição dos contratos com empresas terceirizadas que realizavam essas atividades. Quando conheci o parque, em 2016, por exemplo, houve descontinuidade da empresa contratada para a realização de serviços gerais e esse novamente ficou fechado para visitação por cerca de dez meses . Naquele período eram atendidos 55

apenas pesquisadores e escolas da região. A dificuldade com as contratações para a manutenção da visitação no parque é anterior a essa data, pois também foi observada por Griza (2009), ao realizar sua pesquisa no PEI entre 2008 e 2009.

Em entrevista ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 04 de janeiro de 2017, a então responsável pelo Centro de Visitantes do PEI lamentou a diminuição das visitas das escolas. Ela relatou que antes do fechamento de 2016 cerca de três mil estudantes eram recebidos no parque a cada ano. No período em que o parque ficou fechado, apenas 825 puderam realizar a

As empresas contratadas pelo Estado, de forma terceirizada, tinham funcionários de serviços gerais e de

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vigilância. O PEI precisava, também, de trabalhadores que atuassem como bilheteiros, monitores e auxiliares administrativos. Nem sempre esses cargos compunham os serviços contratados pelo Estado. De acordo com Paula, funcionária do PEI, em 2013 a empresa terceirizada faliu e, até que houvesse sua substituição, outras foram sendo contratadas de forma emergencial, permanecendo por curtos períodos de tempo. Isso se arrastou por dois anos, até que outra empresa iniciou e pouco tempo depois também faliu. Dessa forma, durante grande parte do período da pesquisa o PEI estava fechado para a visitação, aguardando os trâmites para uma nova licitação.

visita (CUSTÓDIO, 2017). Ainda assim, apesar de não contar com todas as condições de estrutura e de recursos humanos necessários, conforme as demandas do Centro de Visitantes, a reabertura para visitação aconteceu ainda em janeiro, sendo amplamente divulgada pela mídia em Porto Alegre e na região metropolitana.

Por outro lado, os períodos em que o parque permanecia fechado, principalmente quando esse durou uma década (entre 1992 e 2002), possibilitavam a reabilitação da vegetação e da fauna. Ainda que os motivos para o fechamento fossem de ordem burocrática – tais como disponibilização de recursos humanos e financeiros para manutenção, limpeza e segurança e morosidade na contratação de empresas terceirizadas -, os ecossistemas se beneficiaram. A recuperação justificava a frase destacada pelos ambientalistas em um cartaz no Centro de Visitantes do PEI: "a natureza venceu em Itapuã". Essa afirmação, no entanto, leva à questão: quem perdeu?

O PEI é apresentado a partir de diferentes olhares pelos moradores de Itapuã, influenciados pelos aspectos fundiários, econômicos, naturais, afetivos e de lazer que os afetaram. Os conflitos gerados para que a unidade de conservação fosse estabelecida, tais como a retirada das pedreiras e das casas de veranistas, o fechamento para a visitação e as disputas envolvendo os Guarani-Mbyá (as quais vou comentar mais adiante), entre outras, dificultaram as relações entre o PEI e a comunidade de Itapuã. Segundo o vigilante Enzo, que morava na praia de Fora antes do decreto do parque, “os biólogos travaram tudo por causa da pedreira” (Nota do Diário de Campo, 20/10/16).

Na fala de Enzo é possível observar que o saber científico – que justificava a necessidade de preservação do ambiente – e do poder do Estado, que instituiu a unidade de conservação, eram compreendidos de outra forma pela comunidade. Quem utilizava a área anteriormente, para lazer, moradia, trabalho, por exemplo, não aceitava a proibição de entrada ou a expulsão daqueles que lá viviam. Eles acreditavam que a preservação da natureza, defendida por todos os moradores com quem conversei, não podia ser justificativa para instalar um processo de limitação de uso da área.

Muitas pessoas procuravam o PEI para fins de lazer, aproveitando as praias banhadas pelo lago Guaíba e pela laguna dos Patos, o que já era comum antes da área ser destinada para a unidade de conservação. Independentemente desse interesse, os visitantes eram estimulados a participar de atividades em trilhas com monitoramento de educadores ambientais e a

conhecer o Centro de Visitantes, que contava com uma exposição permanente e um filme sobre o parque. No entanto, apenas algumas praias podiam ser utilizadas, sendo fechadas quando não havia a estrutura adequada para atender os visitantes.

A praia das Pombas, a praia da Pedreira e a praia de Fora possuíam estacionamento, banheiros, vestiários e churrasqueiras. Essa infraestrutura não contava com a manutenção necessária e vários problemas ocorreram no período em que realizei a pesquisa, como relatado anteriormente. Em duas reuniões do Conselho do PEI que assisti foram apresentados relatos e fotos sobre as más condições de estradas que levavam às praias, a necessidade de poda e corte de grama em muitos locais, o trapiche danificado na praia da Pedreira, os bebedouros enferrujados e a falta de luz nos banheiros das praias. Além disso, o encanamento na praia de Fora estava danificado, impedindo o abastecimento de água.

A estrada que levava à praia da Pedreira estava prejudicada, pois havia trechos com afloramento de rocha, erosão e desnivelamento das calhas. Pude observar tais prejuízos mais de perto ao final da terceira reunião do Conselho do PEI em 2017, quando me uni a alguns conselheiros que foram analisar o problema. As figuras 12 e 13 mostram alguns dos trechos danificados. Por esses motivos, em 2017, apenas a praia das Pombas foi aberta para visitação.

Figura 12 - Calha com nível maior do que a estrada, dificultando o escoamento da água. Estrada que leva à praia da Pedreira, Parque Estadual de Itapuã, Viamão, 03/07/17.

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Fonte: A autora (2018).

Figura 13 - Trecho com afloramento de rocha na estrada que leva à praia da Pedreira, Parque Estadual de Itapuã, Viamão, 03/07/17.

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Outro problema que ocorria nas praias eram os resíduos trazidos pelas águas do Guaíba, como pode ser visualizado nas figuras 14 e 15. Uma das atividades realizadas pelos trabalhadores do parque, independentemente de sua função, era a limpeza dessas áreas. Algumas vezes eram organizados mutirões de limpeza, com o apoio de alguns setores da comunidade ou da Prefeitura da Viamão. Acompanhei um desses eventos em abril de 2017, realizado por ocasião do "Festival de Pipas", que abordarei no tópico "As escolas de Itapuã e o PEI". Naquele dia, um grupo do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Rural Itapuã, órgão da Prefeitura de Viamão, convidou as pessoas que estavam na praia (professores, estudantes, trabalhadores do PEI e alguns moradores) a juntar os resíduos espalhados. Eles entregavam sacos plásticos pretos e pediam que se formassem grupos de cinco pessoas para a coleta. Notei, no entanto, que poucos se envolveram com a tarefa (figura 16). Já era quase hora de ir embora e as escolas estavam se organizando para isso. Mesmo assim, foram recolhidos muitos resíduos, que foram colocados em um caminhão que providenciaria a destinação adequada.

Figura 14 - Resíduos trazidos pelas águas do Guaíba na praia da Pedreira. Parque Estadual de Itapuã, Viamão, 03/07/17.

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Figura 15 - Resíduos trazidos pelas águas do Guaíba na praia de Fora. Parque Estadual de Itapuã, Viamão, 20/10/16.

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Fonte: A autora (2018).

Figura 16 - Mutirão de limpeza na praia de Fora no dia do Festival de Pipas. Parque Estadual de Itapuã, Viamão, 22/03/17.

Para a entrada no parque era cobrado um ingresso que no início de 2017 custava sete reais e vinte e dois centavos. Os ingressos poderiam ser adquiridos antecipadamente na sede da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA) e, quando não esgotados, no local no dia da visita. Havia um limite de 350 visitantes por dia na praia da Pedreira e de 350 na praia das Pombas e, quando esse número era atingido, não era mais permitida a entrada. Essa regra causava insatisfação, especialmente para aqueles cujas famílias visitavam a área há várias gerações, antes mesmo de ocorrerem as desapropriações. Em uma das reuniões do Conselho do PEI, Paula, funcionária do PEI, falou sobre a reação de um morador que participara de uma das atividades de educação ambiental, o qual chorou emocionado ao visitar a praia de Fora (Nota do Diário de Campo, 13/03/17). Era um local que ele costumava ir com sua família em sua infância, o que foi dificultado após a implantação do parque. Somente quando teve a oportunidade de participar da atividade de educação ambiental tornara a ingressar na praia de Fora.

Segundo Paula, muitos moradores demonstravam contrariedade em pagar para entrar no PEI. No passado, a unidade de conservação havia sido um parque turístico do Estado, com entrada livre, e essa mudança de regra não fora bem recebida pela comunidade. De acordo com Ana, antiga residente e professora de uma escola da região, o fato de que os moradores já não podiam mais frequentar livremente as praias como o faziam antes causava uma impressão ruim sobre o parque. Além disso, precisavam pagar pelo ingresso e se submeter à capacidade de suporte (limite de visitantes diário). Para ela, o sentimento era de perda: “Nos tiraram. Nos tiraram. Nos tiraram” (Entrevista, 17/10/16).

Conversando com um dos vigilantes, soube que as famílias mais antigas queriam visitar especialmente a praia de Fora, a qual frequentavam antes da implantação do PEI. Na época, havia na praia um bar com um gerador de energia elétrica e o dono vendia luz para os veranistas (os que construíram casas na área invadida) e para os visitantes. O banheiro era público e utilizavam água de poço artesanal. Havia uma associação de moradores da praia de Fora e eles organizavam vários eventos, principalmente no verão. Outras pessoas com quem conversei também falaram a respeito das festas que aconteciam na praia de Fora, afirmando que eram organizadas, tranquilas e que não causavam prejuízo a ninguém. De fato, muitas pessoas mostraram maior insatisfação com relação à proibição de visita na praia de Fora nos últimos anos, que foi causada pela falta de estrutura e de água, como relatado anteriormente.

Uma questão também recorrente eram as referências às “regras” do PEI, que contavam com o apoio de uns e com a reprovação de outros. Em uma palestra que aconteceu na escola Frei Pacífico, localizada próxima à unidade de conservação, uma professora comentou que as regras causavam revolta nas pessoas, pois a única alternativa de lazer fora da área do parque era a praia da Vila de Itapuã, mas que essa estava “suja e contaminada” (Josiane, Nota do Diário de Campo, 25/11/16). A insatisfação da comunidade foi, inclusive, citada em um dos documentos da escola, onde constava:

A partir de decretos, na área que compreende a Lagoa Negra, a pesca e o banho são proibidos. Conforme se ouve (nas falas dos alunos), é percebido um certo desapontamento por não poderem usufruir da Lagoa como lazer em dias quentes. (EMEF FREI PACÍFICO, 2016, p. 3)

Dois professores de uma escola da Vila de Itapuã disseram, em momentos diferentes, que muitos alunos não conheciam o parque por já terem construído um preconceito por causa das histórias contadas por suas famílias, principalmente em função das perdas relacionadas às terras ou às pedreiras. Havia, por outro lado, aqueles que defendiam as regras, como o morador e vigilante Jonas, o qual entendia que somente a praia das Pombas deveria ficar aberta. Ele afirmou que as praias ficavam muito degradadas após as visitas, principalmente na alta temporada: “Quando os visitantes vão embora parece que passou um tsunami” (Nota do Diário de Campo, 20/10/16). Com as restrições, o público que vinha para o parque já sabia que “não podia fazer nada”. Assim, quem queria “fazer bagunça, acender fogueiras ou escutar som alto” ia para outros lugares.

Dessa forma, considerando que a pesquisa foi realizada entre 2016 e 2017, posso observar que muitos conflitos entre o PEI e a comunidade de Itapuã ainda permaneciam. No momento de luta pela efetivação da unidade de conservação, especialmente no início dos anos 1980, havia uma concepção de proteção da natureza que não considerava os seres humanos. Conforme já discutido no início desse tópico e anteriormente no capítulo 2, as políticas de conservação da natureza não incluíam a participação da comunidade que vivia dentro e no