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Seguindo na busca de locais onde unidades de conservação e escolas se encontravam, fui visitar a região do Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos (RVSBP), no distrito de Águas Claras, município de Viamão. Uma colega do grupo de pesquisa acabara de apresentar sua dissertação de Mestrado, na qual desenvolveu um estudo com algumas escolas localizadas na Área de Proteção Ambiental Banhado Grande (APABG), que engloba o RVSBP. Acompanhei minha colega nas reuniões de câmaras e conselhos das referidas 41 unidades de conservação, onde ela tinha assento como representante de uma Organização Não-Governamental. A observação dos conselhos seguiu-se a visitas em duas escolas e a reuniões e atividades promovidas pela Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos

A figura do Conselho (que pode ser Consultivo ou Deliberativo) e de suas Câmaras Temáticas está 41

regulamentada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000), auxiliado pelo Decreto Federal nº 4.340 (BRASIL, 2002) e pela Instrução Normativa 09/2014 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (BRASIL, 2014f) e tem o objetivo de promover uma gestão compartilhada da unidade de conservação, com participação de representantes da sociedade e dos órgãos públicos.

(COPTEC) junto à comunidade. Os contatos, as visitas e a observação das reuniões 42 ocorreram entre maio e outubro de 2015.

O RVSBP está situado no distrito de Águas Claras, Viamão, em uma área de 2.560 hectares dentro da APABG (figura 5). A unidade de conservação foi criada em 2002 pelo Decreto Estadual nº 41.559/2002 (RIO GRANDE DO SUL, 2002), fazendo parte do bioma Pampa . Entre as espécies encontradas no RVSBP está o cervo-do-pantanal, considerado 43 “Ameaçado - Criticamente em Perigo” no estado (RIO GRANDE DO SUL, 2014) e “Vulnerável” no território nacional (BRASIL, 2014a), conforme as correspondentes listas de espécies ameaçadas de extinção. Além disso, a área tem como objetivo manter a dinâmica dos banhados na região, da qual dependem aves migratórias e residentes, entre outros animais, e atividades como a agricultura e a pesca.

Figura 5 - Limites do Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, Viamão, RS.

Fonte: Google Maps, editado pela autora. Disponível em <https://www.google.com.br/maps/ @-30.0557913,-51.1156037,5326m/data=!3m1!1e3?hl=pt-BR>. Acesso em 13 dez. 2017.

A COPTEC é uma cooperativa fundada em 1996 com o objetivo de prestar assessoria técnica no sentido de 42

promover o desenvolvimento sustentável em assentamentos de reforma agrária no Rio Grande do Sul. Informações disponíveis em: <http://www.coptec.org.br/coptec.html>, acesso em 19 out. 2015.

As informações sobre o RVSBP foram obtidas no site da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento 43

Sustentável do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.sema.rs.gov.br/conteudo.asp? cod_menu=174>. Acesso em 15 out. 2015.

Junto ao RVSBP se constituiu, desde 1998, o “Assentamento de Trabalhadores Rurais Sem Terra Filhos de Sepé”, com 376 famílias oriundas de mais de 100 municípios do Rio Grande do Sul. Os assentados têm transformado as práticas tradicionais de agricultura em práticas agroecológicas, sendo hoje um dos mais importantes polos de agricultura de arroz orgânico no país.

As duas escolas que visitei em Águas Claras oferecem o Ensino Fundamental, recebendo estudantes do assentamento, dos bairros da região e dos funcionários das propriedades localizadas em condomínios, as quais são geralmente utilizadas nos finais de semana. Os professores, os gestores e os outros funcionários das escolas moram em Viamão (no assentamento, no Centro ou em outros bairros) ou em Porto Alegre. Ambas são escolas incluídas nas políticas de educação do campo , mas localizadas em um local cada vez mais 44 urbanizado - junto à Rodovia Tapir Rocha (ou RS040), que liga Porto Alegre a Balneário Pinhal, uma das principais vias de acessos ao litoral norte gaúcho.

A escola Buva é composta por três prédios maiores, de andar térreo, onde ficam as salas de aula, administração, biblioteca, sala de professores, refeitório, cozinha e banheiros. Há um prédio menor que se mantinha fechado nas visitas que realizei. O pátio, entre os prédios, é aberto e possui brinquedos e quadra de esportes. No entorno da escola há algumas residências com pátios grandes e abertos, com horta, galinheiro e muitas árvores. Era possível observar galinhas andando no pátio da escola durante as aulas. Na parte da frente havia dois espaços com projetos de permacultura: um estava delimitado por uma cerca e contava com duas placas informativas, mas não havia plantio. Ao seu lado, estava constituída uma mandala com plantas medicinais e as indicações de uso em enfermidades.

Ao conversar com as gestoras, essas relataram algumas atividades realizadas anteriormente, como o plantio de mudas de árvores cedidas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMA) de Viamão, feito pelos estudantes do oitavo ano, e o trabalho sobre erosão do quarto ano, que representaria a escola em uma feira naquele ano. A diretora também comentou que uma das coisas que a incomodava era o “lixo” no pátio da escola. Para ela,

De acordo com o marco normativo do MEC, “a educação do campo, tratada como educação rural na 44

legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não-urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana” (BRASIL, 2012b).

parecia haver sempre uma preocupação com o “grande” - como os problemas relacionados à camada de ozônio, por exemplo -, sendo pouco o investimento no que estava mais próximo da realidade da escola, como cuidar dos ambientes do pátio e da sala de aula. A questão da dengue era um desafio local que motivou a elaboração de repelentes naturais na escola, mas essa abordagem ainda era um processo inicial em sua opinião. A diretora afirmou que a escola ainda não estava “ambientalmente correta”, pois para isso ainda precisavam de tampas para as fossas e da reforma do encanamento (Nota do Diário de Campo, 24/06/15).

Outra proposta apontada pelas gestoras foram as oficinas oferecidas pela COPTEC para as turmas: “Alimentação Saudável”, para as turmas de do primeiro ao quinto ano, e “Agroecologia e Meio Ambiente”, para turmas do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental. Acompanhei duas oficinas ministradas pela técnica da COPTEC, a primeira para o quarto ano e a segunda para o primeiro ano. Apesar dessas ações, não havia projetos relacionados ao RVSBP naquele ano. No entanto, quando conversei com os estudantes da Buva ao ir à Mostra de Ciências de Viamão, que ocorreu em Itapuã em 2016, descobri que eles tinham visitado a unidade de conservação com seus professores naquele mesmo ano.

A segunda instituição que conheci, a escola Capuchinha, passara por uma reforma finalizada em fevereiro de 2015. Após várias solicitações de melhorias, culminando no protesto da comunidade escolar, que bloqueou a RS040 em março de 2014, a reforma ocorreu durante o ano de 2014 com aulas em período reduzido ministradas no salão da igreja local. O número de alunos havia triplicado desde sua criação e há muitos anos a escola tinha dificuldades estruturais para atendê-los. Fui gentilmente recebida pela equipe diretiva, que havia preparado uma série de atividades para que eu pudesse assistir. A vice-diretora explicou que naquele ano não realizaram nenhum projeto específico na área ambiental, mas que no ano anterior os estudantes visitaram o RVSBP para percorrer as trilhas a fim de auxiliar em seus estudos sobre os biomas.

Naquele ano estava em andamento o projeto de leitura “Ler para ver. Lendo, conhecemos o mundo!”, construído coletivamente junto aos professores por iniciativa das gestoras. Dentre as leituras, muitas eram voltadas para o “cuidado” com o ambiente, como os livros “A poluição tem solução” e “Doce água doce”. O primeiro livro foi escolhido por um estudante do segundo ano, que lia para colegas de outras turmas. O segundo era lido pela vice-diretora para os alunos do primeiro ano e mostrava imagens do campo representadas por

espaços naturais limpos - sem resíduos sólidos -, e da cidade, completamente poluída. Em uma das visitas à escola acompanhei essa atividade, que foi seguida por uma reflexão a respeito dos problemas relacionados aos resíduos sólidos e do cuidado com o ambiente da sala de aula e pela limpeza das mesas, com a participação dos alunos.

A ideia da cidade poluída e do campo limpo foi a forma utilizada para abordar o tema do “lixo” com os estudantes da escola Capuchinha naquele dia. Outras duas ações mostrando a preocupação com esse tema que observei foram protagonizadas por um grupo de alunas do nono ano e pelas turmas do terceiro ano. As estudantes do nono ano organizaram, de maneira voluntária, um trabalho sobre a importância da separação dos resíduos para apresentar para as turmas de alunos dos Anos Iniciais. Confeccionaram uma maquete no intuito de mostrar que o que era jogado nos corpos d’água poluía e contribuía com os alagamentos que ocorriam nos bairros. Elas reutilizaram rolos de papel higiênico para produzir lixeiras na maquete, pintadas em diferentes cores, de acordo com o material que deveria ser descartado nelas. O objetivo era ensinar como os resíduos deveriam ser dispostos, de acordo com a classificação dos coletores. As alunas consideraram que o trabalho era importante para “conscientizar” as pessoas de que, ao jogar lixo no rio, poluíam a própria água que bebiam, “fazendo mal para elas mesmas”. Perguntei se havia coleta seletiva de lixo onde moravam, e disseram que não havia (Nota do Diário de Campo, 14/10/15).

Já nas turmas do terceiro ano, a proposta partiu da professora. O tema do trabalho era “escultura livre”, mas deveria ser elaborada a partir de materiais recicláveis (que eram, de fato, materiais reaproveitáveis) trazidos pelos estudantes. Os objetivos da atividade se voltaram para a metodologia de trabalho em grupo, ou seja, como elaborar um projeto e executá-lo em grupo (com coordenador e vice-coordenador e elaboração de relatório) e à caracterização dos materiais recicláveis. Acompanhei a confecção das esculturas e a professora explicou que, nas próximas aulas, trabalhariam com o tempo de decomposição de cada tipo de material utilizado na escultura, bem como com os danos que causavam ao meio ambiente.

Além dessas atividades, havia o interesse da gestão em trabalhar com a questão dos resíduos sólidos no ano seguinte, convidando equipes especializadas que oferecem, gratuitamente, atividades sobre reciclagem para as escolas públicas. Assim, também nas escolas de Águas Claras, como já havia observado nas outras escolas de Viamão e de Porto

Alegre, o “lixo” era um tema frequente em atividades relacionadas à questão ambiental, o que será discutido no tópico que segue.