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Parque Estadual de Itapuã: espécies que “ocorrem” e outras

O Parque Estadual de Itapuã integra o Sistema Estadual de Unidades de Conservação do Rio Grande do Sul e foi criado pelo Decreto nº 33.886, de 11 de março de 1991 (RIO GRANDE DO SUL, 1991). Sua área é oriunda de terras desapropriadas pelo Decreto nº 22.535, de 14 de julho de 1973 (RIO GRANDE DO SUL, 1973) e pelo Decreto nº 25.162, de 23 de dezembro de 1976 (RIO GRANDE DO SUL, 1976). Em 1993, pelo Decreto n° 35.016, de 21 de dezembro de 1993 (RIO GRANDE DO SUL, 1993), as ilhas das Pombas, do Junco e da Ponta Escura foram incluídas no PEI. Na primeira desapropriação, em 1973, a área era de 1535 hectares e o objetivo foi a criação de um complexo turístico (MATOS, 2008). Houve o aumento para 3783 hectares em 1976 e para 5533 hectares ao acrescentar a lagoa Negra em 1991.

Em 1993 o parque passou a ter uma área de 5.566,50 hectares, que está limitada a norte com o Hospital Colônia de Itapuã e o Beco Santa Fé, ao sul e ao leste com a laguna dos Patos e a oeste com o lago Guaíba. Esses dois corpos d’água constituem cerca de 75% dos

limites do parque. O PEI fica a 57 quilômetros do Centro de Porto Alegre e a 36 quilômetros da sede municipal de Viamão. Os limites da área podem ser visualizados na figura 8.

Figura 8 - Limites do Parque Estadual de Itapuã, Viamão, RS.

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Fonte: Google Maps. Disponível em: <http://www.sema.rs.gov.br/parque-estadual-de-itapua>. Acesso em 10 jan. 2018.

Os principais objetivos da unidade de conservação são conservar os ecossistemas, as paisagens cênicas e os sítios históricos e arqueológicos; proporcionar estudos científicos; possibilitar a recuperação de áreas degradadas e promover a educação ambiental e a visitação pública (RIO GRANDE DO SUL, 1997). A estrutura física necessária para a efetivação do PEI contou com recursos do Programa para o Desenvolvimento Racional, Recuperação e Gerenciamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Guaíba (Pró-Guaíba), coordenado pela Secretaria do Planejamento e Administração do Rio Grande do Sul (atual Secretaria do Planejamento, Governança e Gestão) e com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Quando realizei as visitas em 2016, o PEI contava com uma equipe formada por seis vigilantes de uma empresa contratada de forma terceirizada; sete guardas-parque, sendo

quatro concursados para o referido cargo, um atendente rural e dois oriundos da extinta Caixa Econômica Estadual ; um administrador e um responsável pelo Centro de Visitantes. 52

Cabe destacar as belezas cênicas do parque, exemplificadas nas figuras 9 e 10, e a existência de sete praias: a praia da Onça, a praia do Araçá, a praia do Sítio, a praia do Tigre, a praia das Pombas, a praia da Pedreira e a praia de Fora. Sendo assim, as principais justificativas para a criação e manutenção do PEI abarcaram aspectos da natureza (ecológicos e paisagísticos), da história e da cultura do Rio Grande do Sul, conforme detalhado a seguir.

Figura 9 - Vista da praia de Fora, Parque Estadual de Itapuã, Viamão, 15/04/16.

Fonte: A autora (2018).

A Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul foi encerrada em 1998, sendo incorporada ao Banco do

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Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul). Os funcionários do banco extinto foram transpostos para outras instituições do Estado do Rio Grande do Sul, como o Parque Estadual de Itapuã, onde passaram a desenvolver atividades diversas aos cargos que exerciam anteriormente.

Figura 10 - Pôr-do-sol na praia da Pedreira, Parque Estadual de Itapuã, Viamão, 03/07/17.

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Fonte: A autora (2018).

Na área do PEI são preservados sítios arqueológicos e registros de acontecimentos históricos, como a Guerra dos Farrapos e o estabelecimento dos açorianos, conforme referido anteriormente.

O PEI está localizado em um local com formações geológicas pertencentes a duas províncias geomorfológicas sulinas, a do Escudo Sul-rio-grandense e a da Planície Costeira. Por ser constituído de duas áreas bem distintas - os morros graníticos (formações do Escudo Sul-rio-grandense) e a restinga (formações da Planície Costeira), o PEI possui uma vegetação diversificada, com diferentes tipos de formações florestais, campos úmidos e secos, campos rupestres, dunas e banhados. A composição de campos e florestas caracteriza-se pela grande diversidade de tipos fisionômicos e florísticos (RIO GRANDE DO SUL, 1997).

Com relação à fauna, cabe destacar que são encontradas no parque 36% das espécies das aves que ocorrem no Rio Grande do Sul, além das migratórias. Também há 54% das espécies de anfíbios da região metropolitana de Porto Alegre (RIO GRANDE DO SUL, 1997). Em 2017, soube na reunião do Conselho do PEI que uma estudante da UFRGS pesquisava no local e encontrou uma nova espécie, pertencente a um grupo de anfíbios endêmicos (Nota do Diário de Campo, 03/07/17).

O PEI é o limite meridional de distribuição do bugio-ruivo, que se encontra atualmente na categoria “vulnerável” nas listas de espécies da fauna ameaçadas de extinção do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2014) e do Brasil (BRASIL, 2014a). Ouvi vários relatos de professores, estudantes e outros moradores sobre a presença dos bugios, que chegavam perto das residências e das escolas e também eram vistos nas estradas.

Além da fauna, de acordo com o Plano de Manejo de 1997, Itapuã compreende tipos de vegetação que não são mais encontradas devido à expansão urbana de Porto Alegre e da região metropolitana. Por suas características de vegetação e fauna, no contexto regional o Parque Estadual de Itapuã é um importante local de conservação ambiental.

Aproveitando a caracterização dos ecossistemas do PEI, chamo aqui atenção para as formas como os biólogos costumam descrever as espécies que “ocorrem” em determinados 53

locais. No Plano de Manejo do PEI há vários exemplos desse uso, como mostrado nos trechos a seguir:

- Em campo aberto ocorrem exemplares isolados de figueiras e jerivás ou populações de butiás. (p. 33)

- Ocorrem aí também populações agrupadas de Mimosa bimucronata (maricá),

arbusto ou arvoreta característico por seus espinhos. (p. 33)

- Apresenta vegetação característica de campo e manchas de mata. A última abrange toda a ilha da Ponta Escura, em frente ao Farol de Itapuã, na qual ocorre uma espécie vegetal rara, a efedra. (p. 50) (RIO GRANDE DO SUL, 1997, grifos meus). Essa mesma expressão é utilizada por Ingold para justificar que “os animais não existem, nem como indivíduos nem como objetos; mas ocorrem” (INGOLD, 2015a, p. 257, grifo do autor). Com essa expressão o autor critica a condição de objetos que impomos aos animais. De acordo com ele, os “sujeitos” são aqueles que possuem nomes próprios e dominam a linguagem, podendo falar e escrever sobre os objetos. Os “objetos”, por outro lado, são desprovidos de linguagem, sendo conhecidos apenas por substantivos comuns. Assim sendo, Ingold acredita que os sujeitos “são apontados como os nós de uma rede”, enquanto os objetos “são agrupados nos compartimentos de uma classificação” (INGOLD, 2015a, p. 257). Assim, reforça-se a separação entre os humanos e a natureza, pela forma impessoal como são tratados. Certamente o mesmo não ocorre com os animais domésticos, que têm, muitas vezes, nomes “humanos” e por vezes são considerados membros da família

Apesar de me referir a “eles”, também pertenço ao grupo dos biólogos. No texto procurei reforçar a forma

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como costumamos descrever a “natureza”, pois assim fomos formados e assim se espera que o façamos em casos de laudos técnicos como o projeto de um plano de manejo para unidade de conservação.

dos humanos. Uma das consequências desse modo de compreensão é suavizar a dicotomia entre humanos e não humanos, promovendo uma ética de valorização de todas as formas de vida.

Os pareceres técnicos são necessários para a caracterização das unidades de conservação e para a definição de estratégias de conservação e manejo. Na escola Frei Pacífico, por outro lado, era possível observar relações mais sentimentais e menos técnicas das pessoas com os animais. Um exemplo observado foi a relação que os professores tinham com os cachorros da escola. De fato, eram animais que foram ali abandonados e eram cuidados por eles e pelos funcionários. Um deles, em especial, participava das aulas, das reuniões de professores e de outras atividades da escola. Também posso aqui citar a presença de bugios nas áreas no entorno do PEI, os quais eventualmente aparecem na escola, conforme relato que apresentarei no capítulo seguinte.

Acredito que valorizar as relações afetivas com os outros animais pode ser uma estratégia a ser agregada ao processo de ambientalização da escola. Esses laços sentimentais, bem como os conhecimentos científicos, aprendidos e construídos ao longo da vida, mobilizam muitas pessoas para a defesa da natureza. E isso de fato aconteceu com relação ao PEI, que foi criado a partir dos movimentos ambientalistas que pretendiam parar com as atividades que destruíam a natureza em Itapuã, principalmente relacionadas à exploração do granito. Esses movimentos, como apresentarei no tópico a seguir, contribuíram com a efetivação da unidade de conservação, e mudaram muito a vida dos moradores de Itapuã.