• Nenhum resultado encontrado

4 DO CONFLITO À MEDIAÇÃO PENAL

5 DO PROCEDIMENTO RESTAURATIVO À MEDIAÇÃO PENAL NÃO PARALELA

5.3 A NECESSIDADE DE CONSENSO PARA A PREVENÇÃO GERAL POSITIVA

Muito embora inexista uniformidade conceitual e terminológica, há, hodiernamente, relativa convergência na aceitação de elementos que compõem esse novo modelo de resolução dos conflitos. Inicialmente, o procedimento restaurativo tem a necessidade de estabelecer um diálogo entre as partes interessadas na resolução do conflito, o que impõe a inserção do princípio do consenso. Jock Young326 ressalta essa importância ao afirmar que a “sociedade inclusiva é uma sociedade de consenso alto e dificuldade baixa.”

Para Selma Santana, com esteio em Anabela Rodrigues:

A justiça negociada faz apelo à participação e ao consenso, conferindo um papel ativo à vítima e ao autor do delito. Essa nova forma de justiça – com os limites que a impedem de se tornar um “negócio sobre a pena” (aqui a igualdade das partes repousaria numa ficção) –, aparece como a mais adequada numa sociedade menos estratificada e mais complexa, que, ao mesmo tempo, rejeita a colonização da vida quotidiana pelo direito, na conhecida formulação de Habermas. Nesse modelo, o que é novo é a emergência do privado, do individual. O Estado recua, restringe o seu domínio, para aumentar aquele que reserva à livre determinação do indivíduo. 327

O consenso importa na maior efetividade, no restabelecimento da paz social, na medida em que permite “a participação mais livre e mais ativa das partes efetivamente envolvidas, com a participação de pessoas que, integrando a comunidade, lhes sejam psicologicamente mais próximas.” 328

Na Justiça Restaurativa, a vítima deixa de figurar, apenas, como agente passivo da relação, representada pelo interesse simplório na retribuição ao agente do delito com a pena329. O autor do delito deixa de ser, unicamente, vetor de aplicação da pena, passando a desempenhar papel participativo na medida em que pode conscientizar-se do ato delituoso, fatores motivadores, dano e consequência deles, tendo, assim, a possibilidade de apresentar, também, as dificuldades emocionais e materiais por ele enfrentadas, dialogar com a vítima,

325 YOUNG, Jock. A sociedade excludente. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 102. 326 Idem, ibidem, p. 102.

327 SANTANA, op. cit, p. 165-166.

328 KARAN, Maria Lúcia. O processo de democratização do estado e o poder judiciário. Discursos sediciosos. Crime, direito e sociedade. n. 12, p. 150, Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 150.

compreender os pormenores do ato e agir não só no sentido de reparar o dano, mas também, uma vez voltando a sentir-se membro da comunidade, evitar a repetição de novos delitos.

A comunidade é parte interessada no processo de restauração, uma vez que sofre consequências com o ato delituoso, impondo ao agente a obrigação de recompor não só a vítima individualmente, mas, também, a comunidade.

Para a operacionalização do diálogo e permissão do consenso se faz necessário conferir efetividade às decisões tomadas pelo meio alternativo da Justiça Restaurativa. As partes direta e indiretamente interessadas na resolução do conflito, em um primeiro momento, devem compor a conciliação, de modo a dialogar, expor as necessidades e interesses das partes, buscando a conscientização do ofensor, a reparação da vítima e a pacificação social.

Nesse sentido, entende-se que a implementação de um sistema de mediação penal integrado à estrutura do Poder Judiciário (embora, conforme destacado alhures, não devesse estar agregado à mesma estrutura física) facilitaria o controle e efetivação das decisões tomadas por meio de uma técnica alternativa de resolução de conflito.

Ademais, a paz jurídica é restaurada quando, por meio de prestações reparatórias, chega-se a uma compensação entre o autor do delito e a vítima, ou entre aquele e a ordem jurídica lesada. Não existe, portanto, a necessidade de imposição de uma pena com fins preventivos especiais ou gerais. “A reparação pode transmitir à comunidade a convicção de que o Estado se interessa e cuida dos interesses das vítimas.” Neste sentido, são objetivos centrais de uma prevenção geral, voltada para a integração e a pacificação, visando à reparação, “o efeito da confiança gerado, quando o Direito se realiza para o cidadão, e o efeito de pacificação, quando o autor do delito fez tanto que a consciência jurídica da coletividade se apazigua e passa a encarar como resolvido o conflito com o autor.”330

Tem-se a migração dos interessados na resolução do conflito da justiça tradicional para a Justiça Restaurativa. Trata-se de mais uma forma de se resolver o conflito, por meio do

330 SANTANA, 2010 a, op. cit., p. 214-216. Na mesma obra, discorrendo sobre o tema destaca a autora que: “A possibilidade de uma indenização à vítima, como prestação reparatória, justifica-se, em razão de as análises empíricas terem demonstrado que muitas delas não desejam, necessariamente, uma punição, quando o autor presta uma indenização [...] Uma outra decisão importante é a inclusão de uma reparação substitutiva, nos casos em que a restauração da paz jurídica não seja possível, ou o seja em grau insuficiente. Aqui deve ser lembrado que, primeiramente, as prestações reparatórias referidas à vítima são prioritárias, e que as prestações relativas à coletividade são subsidiárias. A reparação simbólica somente é levada em consideração quando prestações frente a vítima individual são forem possíveis, quando não seja de se esperar que tenha êxito, ou quando não bastem por si mesmas. [...] Se nada for acordado entre os envolvidos, permanecem intocadas as pretensões de ordem civil da vítima e o direito de fazê-las valer no processo competente. [...] Segundo depoimentos as vítimas mostram-se, em grande medida, satisfeitas com a reparação. [...] Quanto à questão do montante da indenização, como prestação reparatória, o critério norteador é o princípio da voluntariedade por parte do autor, conectado com uma disposição para o acordo por parte da vítima [...] o valor da indenização poderá ser inferior, ou superior, até mesmo àquele que seria imposto judicialmente. (p. 214-216)

qual se busca humanizar o agente do crime e reinseri-lo no contexto social, ao mesmo tempo em que recompõe, ao máximo, as vítimas diretas e indiretas do fato delituoso. Evidente tratar- se de processo de busca de paz social pela comunidade, vítima e ofensor, devendo “haver consenso destes em relação aos fatos essenciais relativos à infração e a assunção da responsabilidade por parte do infrator”331.