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4 DO CONFLITO À MEDIAÇÃO PENAL

5 DO PROCEDIMENTO RESTAURATIVO À MEDIAÇÃO PENAL NÃO PARALELA

5.8 RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE CONFLITOS NO BRASIL

5.8.3 O Projeto de Lei do Senado Nº 517 de

O Projeto de Lei do Senado nº. 517 de 2011, que dispõe sobre a mediação entre particulares (mediação extrajudicial) e sobre a composição de conflitos no âmbito da Administração Pública, é mais uma tentativa de regulamentar as técnicas alternativas de resolução de conflito no país. Apesar de ter começado tramitar em 2011, somente em 18 de fevereiro de 2014 foi submetido à apreciação da Casa Revisora, a Câmara dos Deputados, e encontra-se pendente de análise.

O texto final do projeto encaminhado à Câmara dos Deputados é de 18 de dezembro de 2013 e será objeto de breve análise, a fim de verificar como a matéria possivelmente será regulamentada no país.

A mediação é adequadamente conceituada no projeto como “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial e sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (§1º do art. 1º).

Todavia, o §2º do projeto se restringiu à “resolução consensual de conflitos envolvendo pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado”, deixando de lado a possibilidade de análise penal da grande maioria dos delitos no Brasil, que são crimes de ação penal pública e têm como titular da ação o Ministério Público.

O projeto perdeu, portanto, a possibilidade de levar ao Congresso Nacional a ampla discussão e regulamentação da medição penal extrajudicial. Apenas abordou a possibilidade de resolução dos conflitos entre pessoas jurídicas de direito público e particulares em matérias de cunho administrativo425, o que, de certo modo, já possuía aplicabilidade, com a elaboração de Termos de Ajustamento de Conduta e acordos firmados envolvendo relações econômicas e tributárias no país.

De todo modo, o art. 41 do projeto destaca que a Lei poderá ser aplicada, “no que couber, a outras formas consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias, escolares, penais, trabalhistas, bem como àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais.”

Ou seja, é essencial a compreensão do projeto, considerando que, para os fins desse trabalho, ao menos subsidiariamente, a lei pode alcançar os crimes de menor potencial ofensivo e/ou contravenções constantes nas comunidades e escolas.

O projeto trouxe elementos básicos para o exercício da mediação, o que pode se aplicar também à mediação penal.

No seu art. 2º, enumera como princípios que regem a atividade da mediação: I – imparcialidade do mediador; II – isonomia entre as partes; III – oralidade; IV – informalidade; V – autonomia da vontade das partes; VI – busca do consenso; VII – confidencialidade; VIII – boa-fé.

425 Poder-se-ia questionar a aplicabilidade das regras previstas no projeto em seu capítulo segundo as relações penais. Por ser matéria que desborda dos objetivos desse trabalho, para fins informativos e de pesquisa futura, anexa-se o texto a este trabalho.

Do ponto de vista penal, a aplicabilidade da isonomia deve ser repensada. Nos crimes de ação penal privada ela repercute na possibilidade de manifestação igualitária entre ofensor e vítima. Nos crimes de ação penal pública, só é possível falar em isonomia com a participação da vítima no procedimento de mediação, pois não existe isonomia a ser considerada numa relação entre o ofensor e o Estado.

O artigo 3º do projeto é claro ao dispor que somente será objeto de mediação a matéria que permitir transação.

Penalmente, é viável pensar na autocomposição nos crimes patrimoniais, nos crimes contra a honra e em alguns crimes contra a administração pública. É certo que, neste último caso, discute-se a indisponibilidade do bem jurídico em questão. De todo modo, o projeto deixa claro (§2º do art. 3º) que, sendo os direitos indisponíveis, o acordo precisa ser homologado em juízo. Por isso, entre outros motivos, entende-se que, nos acordos penais, sempre é preciso a homologação judicial426. Ademais, é essencial a oitiva do Ministério Público, quando os interesses discutidos envolvem incapazes.

Na mediação extrajudicial, o mediador é escolhido pelas partes (art. 4º). Entende-se que, mesmo neste caso, os profissionais precisam estar habilitados nos moldes estabelecidos pela Resolução nº 125 de 29 de novembro de 2010.

Qualquer pessoa capaz, que tenha a confiança das partes, poderá funcionar como mediador extrajudicial. O art. 9º do projeto destaca, todavia, que a escolha entre as partes independe de o mediador integrar qualquer tipo de conselho ou associação ou nele inscrever- se. Sustenta-se que, mesmo os mediadores extrajudiciais, devem estar cadastrados no órgão de controle judicial. Independe o fato de o mediador possuir ou não formação jurídica.

É certo que as instituições privadas de formação de conciliadores e mediadores devem ser fiscalizadas, mas a capacitação desses profissionais, ainda que para atuação no âmbito extrajudicial, não pode passar ao largo do cadastramento e controle do Poder Judiciário. Daí a concepção de uma proposta brasileira de mediação penal que se desenvolve de maneira não paralela à atuação do Poder Judiciário.

Por outro lado, o mediador judicial, nos termos do art. 10 do projeto, precisa ser uma “pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou entidade de formação de mediadores, reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça ou pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação do Ministério da Justiça.” Excluído o requisito da

graduação em curso superior, não poderia ser dispensada, mesmo para os mediadores extrajudiciais referida capacitação.

É certo que o mediador judicial será remunerado pelas partes, conforme valores fixados pelos tribunais respectivos (art. 11). Todavia, não se concorda com disposição do parágrafo único do mesmo artigo, in verbis: “a gratuidade em relação à parte que alega ser juridicamente pobre dependerá da aceitação do mediador.”

A prévia aceitação do mediador é um entrave ao acesso à justiça, mormente aos considerados menos favorecidos, destoando flagrantemente da proposta desse trabalho. Nesse caso, entende-se que poderiam ser aplicados os mesmos critérios previstos na Lei nº 1060 de 5 de fevereiro de 1950, que dispõe acerca da assistência judiciária aos necessitados. É dever do Estado a oferta do procedimento de resolução adequado para resolver o conflito.

Conforme dispõe o art. 21 do projeto, “o convite para iniciar o procedimento de mediação extrajudicial poderá ser feito por qualquer meio de comunicação.” Se não houver resposta, considerar-se-á rejeitado. Não havendo prazo estipulado, deve ser respondido em 30 dias após o recebimento (parágrafo único).

Na mediação extrajudicial, é possível que as partes estipulem o procedimento. Caso contrário será organizado pelo mediador, em conformidade com as circunstâncias do caso, os interesses das partes e a necessidade de uma solução (art. 22).

É possível que na mediação extrajudicial as partes acordem acerca da suspensão de eventual processo judicial ou arbitral em curso (art. 23), o que não se aplica às medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento de direito (parágrafo único).

Do ponto de vista da mediação judicial, os mediadores serão designados por distribuição e submetidos à aceitação das partes (art. 24). Esse parece ser o critério mais acertado.

O juiz verificará se a controvérsia é passível de solução pela via da mediação, oportunidade em que encaminhará o processo ao mediador judicial, designado por distribuição, “salvo se a petição estiver acompanhada de declaração em que o autor expresse recusa ao procedimento” (art. 25).427

427 Os prazos para rejeição e resposta estão previstos nos parágrafos do mesmo artigo, in verbis:

“§ 1º Ao receber os autos, o mediador instará as partes, por qualquer meio de comunicação, a manifestarem-se no prazo de quinze dias acerca de sua disposição para submeter-se ao procedimento e de sua aceitação ao mediador designado.

§ 2º Não havendo resposta de qualquer das partes, considerar-se-á rejeitado o procedimento de mediação, sem ônus, devendo o mediador devolver os autos imediatamente ao juiz, para que este dê seguimento ao processo.

A mediação judicial deverá ser concluída no prazo de 60 dias, contados da primeira audiência, exceto se as partes requererem prorrogação (art. 26). Se não houver acordo, o termo inicial e final da mediação serão encaminhados ao juiz para o prosseguimento do processo (§1º). Havendo acordo, os autos serão encaminhados ao juiz, que determinará o arquivamento da petição inicial e, desde que requerido pelas partes, homologará, por sentença irrecorrível, o termo final da mediação (§2º).

Nesse ponto, parece que a legislação condiciona os efeitos do acordo ao pedido de homologação das partes. Questiona-se se esta homologação, uma vez recebida a ata pelo juiz, não poderia ser realizada de ofício, considerando a existência de um pedido implícito das partes.

É bem verdade que os atos da mediação judicial, com ou sem acordo, precisam ser encaminhados ao Juiz Coordenador do Centro, conforme se observou no item anterior, para fins estatísticos. Todavia, um acordo firmado entre as partes não poderia ter somente este fim. A constituição da coisa julgada material parece ser uma necessidade para a efetividade do procedimento e garantia dos direitos negociados, razão pela qual, entende-se que a homologação pode ser realizada de ofício.

Interessante ainda pontuar a possibilidade moderna da legislação que permite a mediação “pela internet ou por outro meio de comunicação” que viabilize a transação à distância, desde que as partes estejam de acordo (art. 42). É possível inclusive que a parte acordante esteja domiciliada no exterior e se submeta à lei, conforme sua vontade (parágrafo único).

Elucubra-se in casu a possibilidade de aplicação dessas ferramentas no tratamento de crimes cometidos à distância e dos próprios crimes realizados na rede mundial de computadores. Essa temática merecerá o desenvolvimento de pesquisas futuras.

Caso a lei seja aprovada, entrará em vigor, 80 (oitenta) dias após a sua publicação, conforme dispõe o art. 43 do projeto.

É essencial a aprovação dessa lei no Brasil, apesar das críticas e ponderações levantadas ao longo desse tópico, pois o país ainda não possui um marco legal para o exercício da mediação, ainda que tal instrumento seja largamente utilizado de forma satisfatória em diversos países.

§ 3º Decidindo as partes submeterem-se ao procedimento de mediação e restando aceito o mediador, este designará a sessão inicial de mediação, em dia e hora previamente acordados, respeitado o prazo de trinta dias. § 4º Acatado o procedimento, mas recusado o mediador, este imediatamente o comunicará ao cartório ou secretaria judicial, que procederá à redistribuição dos autos a outro mediador.”

Ademais, a desjudicialização parece ser uma saída razoável para a redução litigiosidade no país, diminuindo o número de processos judiciais e proporcionando, em médio prazo, uma melhor qualidade nas decisões proferidas.

Acredita-se na possibilidade de aplicação mais ampla da legislação aos casos penais, mas não se olvida que o sucesso da proposta depende também de uma quebra paradigmática para uma melhor aceitação cultural.

5.9 UMA PROPOSTA DE MEDIAÇÃO PENAL NÃO PARALELA E INTEGRADA AO