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4 DO CONFLITO À MEDIAÇÃO PENAL

5 DO PROCEDIMENTO RESTAURATIVO À MEDIAÇÃO PENAL NÃO PARALELA

5.4 UMA PROPOSTA NÃO MAIS ALTERNATIVA, MAS DE POLÍTICA PÚBLICA

A mediação, um dos instrumentos de aplicação da Justiça Restaurativa, não pode ser encarada como uma etapa do processo, como ocorre na possibilidade de transação penal prevista na Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito estadual. A mediação é extraprocessual, e a satisfação das partes deve ser encarada como renúncia à tutela oficial. Primeiramente, o Estado deve atuar como mediador, possibilitando que as partes encontrem uma solução para o conflito. Em caso de não possibilidade de sucesso da tentativa restaurativa, o Estado reassume sua função penalizadora, atendendo, assim, ao principio da subsidiariedade do Direito Penal.332

É importante, ainda, que haja liberdade dos envolvidos na aceitação do procedimento restaurativo, ressaltando a impossibilidade de imposição dele, bem como, criando mecanismos pelos quais as partes possam, a qualquer momento, abandoná-lo e retornar ao sistema penal tradicional.

A efetividade do processo alternativo – do acordo estabelecido entre as partes interessadas – liga-se, diretamente, com a liberdade em se submeter a ele. Em virtude do princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Jurisdicional, qualquer interessado pode levar ao conhecimento do Estado-Juiz questão sobre a qual entenda ter direito, esteja ele ambientado no campo criminal ou não. A Justiça Restaurativa atende, assim, ao acesso à Justiça na sua acepção clássica e contemporânea.

Sérgio Garcia Ramírez333, nesse particular, pontua que a viabilização da Justiça Restaurativa não impõe a exclusividade do meio de resolução de conflitos, não significando a substituição do Poder Estatal de Justiça. A Justiça Restaurativa é meio alternativo de resolução de conflito, ao qual as partes interessadas podem se opor em submeter-se a ele.

331 DE VITTO, Renato Campos Pinto. Justiça criminal, Justiça Restaurativa e direitos humanos. In: SLAKMON, C.; DE VITTO, R.; PINTO, R. GOMES (Org.). Justiça Restaurativa. Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações para o Desenvolvimento-PNUD, 2005, p. 44.

332 SICA, op. cit., 77-79.

333 RAMÍREZ. Sérgio García. Em busqueda de la terceira via: la justicia restaurativa. Revista de Ciencias

Coadunando com a alternatividade da Justiça Restaurativa, tem-se que o ofensor deve ser interpelado sobre o interesse em compor a Justiça Restaurativa. Não só o ofensor, mas, também, as vítimas diretas e indiretas.

Apesar de, desde o início, ser possível a oposição ao procedimento restaurativo, conforme se demonstra nos moldes até agora propostos para a Justiça Restaurativa, no modelo desenvolvido neste trabalho, a passagem pela técnica alternativa, no caso, a mediação, nas hipóteses previamente estabelecidas pelo Estado, deve ser obrigatória. Claro que sempre deve vigorar o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, todavia, o flagrante abarrotamento da estrutura do Poder Judiciário, aliado ao déficit de efetividade das decisões judiciais no Brasil, faz da técnica alternativa uma possibilidade viável de reestruturação e, portanto, uma necessidade de política pública, que, no interesse da coletividade, só poderia ser afastada no caso de não solução efetiva do conflito por meio da mediação.

A moderna doutrina critica o antigo modelo epistemológico que valorizava um sistema positivado puramente técnico e formal, passando a perseguir o aspecto ético dos procedimentos jurisdicionais: a sua conotação deontológica. Neste sentido, os meios de solução de conflito devem orbitar a necessidade premente de pacificação social.334

Não é a oposição liberdade-segurança, reduzindo o conflito a uma estrutura binária, que determina a utilização dos direitos fundamentais. Deve prevalecer a interdependência das relações sociais, a multiplicidade dos direitos em jogo e o comprometimento, de cada homem, na realização de um projeto ao mesmo tempo individual e coletivo.335

A composição da Justiça Restaurativa deve, a princípio, ocorrer entre as partes interessadas na solução do conflito. O processo deve ser conduzido por mediador com conhecimentos suficientes para intermediar a solução do problema. Esse terceiro deve integrar a comunidade, ser uma pessoa que, independente de nível de escolaridade, tenha conhecimentos humanísticos e maturidade suficientes para mediar o diálogo.336

A exigência de que o mediador detenha conhecimento humanístico, maturidade e esteja inserido na comunidade atingida pelo fato delituoso ocorre, inclusive, da necessidade de prévia análise da viabilidade, ou não, de composição da Justiça Restaurativa. No procedimento tradicional, o agente delitivo é conduzido, uma vez estando de acordo, ao processo restauratório. Nos moldes propostos nesse trabalho, a alternatividade é mitigada, a

334 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 22. 335 SANTANA, 2010 a, op. cit., p. 170.

partir do momento em que o sistema de resolução alternativa integra e é controlado pelo Poder Judiciário.

Essa possibilidade não inviabiliza a formação de mediadores que possam atuar em comunidades específicas. Conforme se vislumbra, as estruturas físicas onde ocorrem as mediações podem ser localizadas em locais diversos. Seria mais adequado, inclusive, a descentralização de postos de atendimento, aproximando a resolução dos conflitos dos locais de sua ocorrência, ainda que os casos que envolvam a mediação obrigatória sejam previamente estabelecidos pelo Estado.

Neste sentido, é essencial a implementação de Políticas Públicas de formação de mediadores que tenham a possibilidade de captar, dentro dos bairros, pessoas com as características necessárias para a atuação na área, promovendo, inclusive, a sua formação e capacitação periódica. Certamente, os meios e possibilidades para viabilizar tal projeto devem ser objeto de um estudo multidisciplinar aprofundado, o que desborda das pretensões e da viabilidade temporal da pesquisa realizada, mas poderão ensejar investigações futuras neste âmbito.

Deve-se frisar que a Justiça Restaurativa busca o acordo que concilie os interesses de todas as partes, de modo que o interesse de nenhuma delas pode se sobrepor ao das outras, a eficácia do método requer a satisfação e consciência de todos os envolvidos.