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4 DO CONFLITO À MEDIAÇÃO PENAL

4.1 A ORIGEM DO CONFLITO E A LUTA PELO PODER

4.1.2 Os comportamentos e a forma de lidar com o conflito

Diante de um conflito, as pessoas podem se comportar de diversas formas: a) buscando adquirir uma recompensa ou um prazer; b) imitando modelos de solução anteriores; ou c) elegendo conscientemente um caminho adequado para a solução.204 Nesse último caso é

199 ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación e el accesso a justicia...op. cit., 2003, p. 34. 200 Idem, ibidem, p. 35.

201 MULLER, op. cit., p. 166. 202 BOBBIO, op. cit., p. VII-VIII.

203 COILET, COITINHO, op. cit., p. 3197.

necessária a eleição de uma postura estratégica para a solução do conflito, ponto sobre o qual se vinculam a Psicologia Social e a Teoria da Negociação205.

É possível lidar com o conflito por meio de três estratégias: ganhar-perder; perder- perder e ganhar-ganhar. As duas primeiras hipóteses são as mais comuns, talvez pela inércia diante das possibilidades de mudança dos comportamentos aprendidos (entre os quais se incluem as condutas autodestrutivas), pelos custos necessários às alterações estratégicas ou pelo receio do novo.206

Tanto na estratégica ganhar-perder, como na perder-perder, ao menos uma das partes, supostamente, não alcança o seu objetivo, prejuízo que decorre da falta de um procedimento cooperativo de resolução dos conflitos. São características comuns dessas duas formas de resolução: a clara distinção entre o eu e o outro, sem qualquer compreensão do “nós”; uma atmosfera voltada à vitória total ou derrota total; o problema enxergado de um único ponto de vista, sem a definição de necessidades mútuas; busca-se chegar a uma solução sem o estabelecimento de valores, metas e motivos que devem ser atingidos conjuntamente; os conflitos são personalizados, atribuindo-se causas e responsabilidades, deixando à parte uma análise objetiva dos interesses dos envolvidos; as partes estão orientadas, desde o início, a um desacordo imediato; existe uma perspectiva voltada ao fato passado e à busca da verdade de cada parte, sem uma preocupação de prevenção e solução para hipóteses de conflito futuro207.

Na estratégia de ganhar-perder, geralmente, apenas uma pessoa ganha. São recursos para a aplicação dessa estratégia: a) o poder legítimo – em regra verificado nos conflitos resolvidos no âmbito familiar, de empresas e escolas, nas situações diante das quais alguém é imbuído de autoridade para recompensar ou castigar os demais membros que integram um grupo; b) o poder físico e psíquico – suficiente para impor a submissão, ainda que seja de forma visível ou encoberta; c) a não resposta – silenciar diante de um pedido como forma de rechaçar o outro, estratégia responsável pelo surgimento de uma disputa; d) a regra da maioria – representação da vontade da maior parte das pessoas. Neste caso é importante pontuar que quando a minoria perde continuamente, as perdas se tornam disputas pessoais, aumentando as possibilidades de conflitos futuros; d) a regra da minoria – utilizada nos casos em que é necessária unanimidade de votos para uma decisão, situação diante da qual o entendimento da

205 ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación e el accesso a justicia...op. cit., p. 78. 206 Idem, ibidem, p. 78.

207 Nesse ponto, não se pode olvidar que o tratamento penal brasileiro, invariavelmente, mesmo por uma determinação legal, volta-se sempre à reconstrução fática e identificação de um culpado, desbordando da real pretensão de prevenção contra conflitos futuros.

minoria prevalece208. Do ponto de vista penal, é possível verificar essas quatro formas de estratégia.

Nos crimes envolvendo criança e adolescente, mormente no âmbito das escolas, nos crimes relacionados às relações de trabalho, nas empresas, é muito comum a expressão do poder legítimo como estratégia de resolução. Todavia, às vezes, o poder legítimo impõe o medo, afastando tanto dos meios oficiais, quando dos alternativos, as hipóteses de solução do conflito.

O poder físico e psíquico e a não resposta são responsáveis por balizar a maioria dos conflitos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, no mais das vezes como imposição de uma pretensiosa superioridade de gênero. Certamente, esta estratégia contribui, principalmente na modalidade psíquica, como responsável por aumentar as cifras negras ou ocultas, os crimes que passam ao largo da análise dos órgãos oficiais ou das estratégias alternativas de resolução.

Todavia, é na regra da maioria que se encontra o grande número de casos penais. Isso se deve ao fato de que, com a tomada pelo Estado do poder de resolução, o crime, antes de ser uma ofensa à vítima, é uma ofensa à coletividade, que tem seus interesses representados por meio da lei (instrumento de expressão de uma maioria representativa). Nesse sentido, a necessidade de cumprimento do princípio da legalidade, como expressão dos interesses de uma coletividade, é responsável também por criar minorias perdedoras, as quais tendem a reverberar a criminalidade, tornando-a um fenômeno social cíclico.

Nas estratégias de perder-perder, nenhuma das partes realiza, realmente, o que quer. Cada um obtém uma porção do que deseja, sobre a perspectiva de que obter um pouco é melhor do que não obter nada. O recurso mais utilizado para está estratégia é a transação, muitas vezes utilizada pela falta de capacidade de gerenciar uma estratégia de qualidade superior, geralmente verificadas nas negociações colaborativas. É possível utilizar, como estratégia, a eleição de uma terceira parte neutra para decidir a questão. Neste caso, as duas partes perdem algo ao ser evitada uma comunicação direta e ainda há a possibilidade de a solução pender para o maior favorecimento de uma das partes. Por isso, muitos estudos209 afirmam que a arbitragem tem a pretensão de estabelecer sempre um ganhador e um perdedor, mas, muitas vezes, o terceiro neutro acaba por solucionar a causa com base nos seus interesses pessoais. Na modalidade perder-perder ainda é possível pensar na estratégia que estabelece

208 ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación e el accesso ... op. cit., 2003, p. 80.

209 BURTON, John; DUKES, Frank. Arbitration. Conflict: practices in management, settlement and

regras ad hoc para impor uma solução onde umas das partes pode tudo perder, como quando se joga uma moeda para cima e se decide com base no “cara ou coroa”, deixando a solução do problema a mercê do azar de uma das partes210.

Gladys Stella Álvarez211, analisando os estudos desenvolvidos por Mary Parker Follett212 classifica três maneiras de lidar com o conflito: dominação, transação e integração.

A dominação implica na vitória de uma parte sobre outra, não possui êxito em longo prazo e depende de desequilíbrios de poder. A ganância de uma parte requer sempre a derrota da outra. As estratégias de ofensa e defesa ocupam o lugar dos direitos. As necessidades, sentimentos e atitudes do lado oposto são ignorados para evitar qualquer tipo de identificação. Na transação, hipótese mais verificada nas situações concretas, cada uma das partes cede um pouco em busca de paz. Todavia, geralmente se pede mais do que se espera receber, o que dificulta a negociação, pois não se sabe exatamente o que a outra parte deseja. Evita-se um desastre maior, mas, ainda assim, há uma tentativa de aumento relativo de poder e as informações são fornecidas de maneira estratégica com este fim. Apresenta-se, portanto, uma resistência não completa aos interesses da parte adversa. Tem a vantagem de evitar a carga emocional e o consequente descontrole do conflito.213

Poder-se-ia argumentar que as distinções apontadas são meramente conceituais, não havendo como verificar, na prática, se uma transação seria boa ou ruim. Nesse sentido, a maneira como a transação é conduzida pode implicar em diversas respostas para o conflito. Ainda assim, na maioria dos casos, a transação envolve um jogo estratégico que não é ignorado pelas partes que tentam solucionar o conflito, o que implica em certa desconfiança nas propostas sugeridas pela outra parte.

Não se pode negar, portanto, a importância e validade da transação como maneira de lidar com o conflito. Todavia, na integração, as propostas não são prévias, nem estratégicas, dado que só ocorrem ao longo das tratativas, por intermédio do mediador, o qual tem o papel

210 ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación e el accesso a justicia... op.cit., p. 81-82. 211 Idem, ibidem, p. 76-77.

212 Mary Parker Follett nasceu em Quincy (Estados Unidos), em 1868, e faleceu em Massachusetts (Estados Unidos), em 1933. Tratou de diversos temas relativos à administração, ficando conhecida como a “profetisa do gerenciamento”. Graduou-se em filosofia, direito, economia e administração pública. Desenvolveu a ideia de “Conflito Construtivo”, segundo a qual afirma que as divergências são extremamente importantes para a resolução do conflito, porque revelam uma diferença de concepção que pode se manifestar a qualquer tempo e pode ser danosa ou não.

MARSH, Rick. Mary Parker follett: a proselytizer of the human relations school? Disponível em: <https://www.academia.edu/4577048/MARY_PARKER_FOLLETT_A_PROSELYTIZER_OF_THE_HUMAN _RELATIONS_SCHOOL_2013>. Acesso em: 26 ago 2014.

fundamental de viabilizar, dentro do possível, o respeito e o equilíbrio nas negociações entre as partes.

Por óbvio, as partes precisam estar cientes das vantagens de soluções que utilizam a integração como uma maneira de lidar com o conflito e, mais que isso, precisam ter acesso a estas possibilidades.

Considerando que o judiciário é o principal instrumento procurado pela população para a solução de conflitos no Brasil, entende-se que, apesar de ser uma opção das partes utilizarem ou não os serviços de mediação, a oferta deve ser obrigatória e tentada.

Muito diferente de o juiz propor uma conciliação, está a possibilidade de tratamento do problema por um terceiro que não decide, mas apenas viabiliza o melhor diálogo entre os interessados. Conforme se verá adiante, não se exige do mediador a formação jurídica, mas é essencial que ele compreenda as dificuldades e peculiaridades da coletividade envolvida na contenda, o que, algumas vezes, passa distante do cotidiano dos magistrados. Nesse sentido é que se dá a solução integrada dos conflitos.