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4 DO CONFLITO À MEDIAÇÃO PENAL

5 DO PROCEDIMENTO RESTAURATIVO À MEDIAÇÃO PENAL NÃO PARALELA

5.7 RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE CONFLITOS NA AMÉRICA LATINA

5.7.4 Costa Rica

Em 1992, no desenvolvimento do Plano Nacional de Modernização Judicial, a Corte Suprema da Costa Rica criou o Programa de Resolução Alternativa de Conflitos (RAC), que contou com o aporte financeiro da Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (AID). Em 9 de dezembro de 1997 foi sancionada a Lei 7727, que regulou três formas alternativas de resolução de conflito: conciliação, mediação e arbitragem. A lei faz distinção entre os procedimentos de conciliação e arbitragem, equívoco corrente nas legislações dos países da América Latina365.

Dentre as características destacadas por Gladys Stella Álvarez 366 no sistema costarriquenho, algumas são de essencial importância para este trabalho: a) é possível a conciliação/mediação em qualquer etapa do procedimento judicial, podendo o juiz propor às partes este procedimento; b) juízes conciliadores/mediadores são designados pela Corte Suprema (art. 6); c) o acordo será lavrado dentro de três dias após a audiência de conciliação, produzem coisa julgada material e são executados de forma imediata (art. 9); d) os advogados têm obrigação de informar aos seus clientes sobre a possibilidade de recorrer a procedimentos alternativos (art. 11); e) no procedimento deve ser assegurada a neutralidade, o consentimento informado e a confidencialidade (art. 13). Neste ponto, a lei afirma que o mediador deve ser considerado “testemunha privilegiada” do conteúdo do acordo e do processo por meio do qual se chegou até ele, o que parece contradizer o princípio da confidencialidade e deverá ser interpretado casualmente pelos juízes; f) os acordos são considerados documentos públicos se são produtos de uma conciliação/mediação judicial, elaborado com a intervenção de um mediador/conciliador de uma oficina pública do Estado, ou se for autorizado por um conciliador ou mediador profissional que seja notário público ou assistido por um notário público (art. 15); g) os conciliadores ou mediadores extrajudiciais estão inabilitados para participar como terceiro neutro em qualquer processo judicial ou arbitral posterior relacionado

364 ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación e el accesso a justicia... op. cit., p. 198. 365 KEMELMAJER DE CARLUCCI, op. cit, p. 393.

com a mesma disputa (art. 16); h) é possível a responsabilização de mediadores e conciliadores pelos danos e prejuízos sofridos pelas partes quando tiverem sido violados princípios éticos ou incorrido em conduta dolosa (art. 17); i) os centros de conciliação/mediação podem ser conduzidos por instituições autorizadas pelo Ministério da Justiça, que exercem suas atividades regularmente, as quais são responsáveis pelo cumprimento das normas legais e éticas e por prestar informações anuais de todos os serviços. Essas instituições constam de uma base de dados do Ministério da Justiça e podem ser consultadas pelo público. O Mistério da Justiça as fiscaliza, mas deve respeitar a autonomia funcional e a confidencialidade dos procedimentos nelas realizados; j) foi constituída uma comissão de ética formada por um representante do Ministério da Justiça, um do Poder Judiciário, um do Colégio de Advogados, um das entidades autorizadas e o Presidente da Associação Nacional de Solução e Manejo de Conflitos (PROSOC). Tal comissão auxiliará o Ministério da Justiça na fiscalização e controle das normas éticas e conhecerá das queixas apresentadas contra terceiros neutros. Sendo o caso recomendará as sanções correspondentes (art. 20); k) a Lei 7727 também regula a arbitragem vinculante (art. 63).367

No ponto de vista penal368 a legislação costarriquenha é bem desenvolvida, se comparada com maioria dos países da América do Sul: a) a Lei de Justiça Penal Juvenil (1997) prevê a conciliação/mediação como um ato jurisdicional voluntário entre o ofendido, o seu representante e o menor de idade (entre 12 e 18 anos)369, procedimento que também pode ser utilizado na mediação penal de adultos, quando a lei autoriza; b) o código de processo penal (sancionado em 1996 e vigente desde janeiro de 1998) prevê que a mediação penal pode ser extinta pela conciliação, o que se aplica também aos crimes de menor potencial ofensivo e contravenções, além dos crimes de ação penal privada, ação pública condicionada a representação e as hipóteses que admitem a suspensão condicional da pena; c) o tribunal pode

367 A autoria destaca em sua obra o conteúdo das disposições gerais do Capítulo I da referida Lei, pois revela um cenário amplo acerca dos programas de resolução alternativa de conflitos: “Artigo 1º: Toda pessoa tem direito a uma adequada educação sobre a paz nas escolas e colégios, os quais têm o dever de fazer compreender aos seus alunos a natureza e as exigências da construção permanente da paz. O Conselho Superior de Educação procurará incluir nos programas oficiais de educação elementos que fomentem a utilização do diálogo, a negociação, a mediação, a conciliação e mecanismos similares como métodos idôneos para a solução de conflitos. A educação deve formar para a paz e o respeito aos direitos humanos”. “Artigo 2º. Toda pessoa tem o direito de recorrer ao diálogo, à negociação, à mediação, à conciliação, à arbitragem e técnicas similares, para solucionar suas diferenças patrimoniais de natureza disponível” (tradução nossa). Cf. ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación

e el accesso a justicia... op. cit., p. 201-202.

368 Na Costa Rica também é muito comum a utilização de processos de mediação e arbitragem nas relações de consumo e comerciais. Cf. ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación e el accesso a justicia... op. cit., p. 202- 203.

369 Nesse caso, é importante observar que os critérios de maioridade e menoridade são os mesmos adotados no Brasil. Cf. MAXERA, Rita; TIFFER, Carlos. Comentario al processo de reforma legislativa em Costa Rica. In: MÉNDEZ, Emilio Gacía; BELOFF, Mary (Org.). Infancia, ley e democracia en América Latina. Buenos Aires: Temis, 1998, p. 388.

solicitar o assessoramento de pessoas especializadas para obter a conciliação/mediação e, homologado o acordo, fica extinta a ação penal pública; d) inclusive na ações em que o Estado é diretamente interessado, os juízes convocam habitualmente a conciliação, na qual devem participar os procuradores que representam o Estado.370

Conforme se observa, o sistema de mediação utilizado na Costa Rica é controlado pelo Ministério da Justiça, os tribunais não possuem ingerência direta nos acordos firmados, por isso aproxima-se de uma modalidade de mediação conectada.371

5.7.5 Equador

A resolução alternativa de conflitos foi reconhecida pela Constituição do Equador de 1996. Em 26 de agosto de 1997 foi editada a Lei nº 145/1997, que regula a arbitragem doméstica e internacional e a mediação.

A mediação372 foi definida como extrajudicial e de caráter definitivo, colocando fim ao conflito. Pode ser desenvolvida pelos Centros de Mediação e mediadores independentes, desde que devidamente autorizados.

A lei de referência traz disposições interessantes acerca do procedimento aplicado: a) a cláusula contratual que prevê a mediação pode ser utilizada como exceção, salvo se houver renúncia perante o juiz que recebeu a demanda (art. 46, “a”); b) a qualquer momento, a pedido ou de ofício, o juiz pode submeter o caso aos Centros de Mediação, desde que haja a anuência das partes. Se dentro de quinze dias não for apresentada uma ata contendo o acordo, a causa prosseguirá, ao menos que as partes comuniquem por escrito ao juiz que concordaram em ampliar o prazo (art. 46, “b” e “c”); c) a simples assinatura do mediador na ata de conciliação faz presumir que as outras firmas e o documento são autênticos (art. 47); d) o acordo firmado tem o efeito de sentença executória, cumprindo-se em conformidade com o processo de execução de sentença, sem a possibilidade de oposição de exceções, salvo se decorrentes de fatos posteriores à lavratura da ata; e) a existência de acordo total ou parcial suprirá a necessidade de conciliação prevista no procedimento judicial; f) os mediadores estão inscritos

370 ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación e el accesso a justicia... op. cit., p. 201-202.

371 Um aspecto de semelhança entre os sistemas costarriquenho e o brasileiro e a existência de juízes conciliadores. Na Costa Rica tais juízes só cumprem suas funções quando delegados pelos juízes da causa e são designados pela Corte Suprema, o que, na Concepção de Gladys Stella Álvarez, não parece ser adequado, pois desnatura a função essencial do juiz que é a de proferir sentença. Não se concorda com essa perspectiva, pois numa visão neoconstitucional o papel do julgador resta fortalecido, oportunidade em que, além de proferir decisões, tem função essencial na promoção da paz, o que pode ser exercitado por meio das técnicas alternativas de conflito. Cf. Idem, ibidem, p. 203.

em Centros de Mediação ou atuam de forma independente, desde que autorizados pelos centros ou possuindo o aval acadêmico de alguma instituição universitária; g) os mediadores que atuaram em um caso estão inabilitados para atuar em qualquer processo judicial ou arbitral relacionado com este mesmo caso (art. 49); h) a confidencialidade fica resguardada, exceto se as partes a ela renunciarem (art. 50); i) o não comparecimento das partes ao procedimento de mediação tem como consequência o encerramento do trâmite (art. 51); j) o Conselho Nacional de Justiça é o organismo que outorga autorização aos Centros de Mediação, os quais devem possuir requisitos, tais como: contar com estrutura administrativa e técnica para os atendimentos e possuir regulamento. Entre outros aspectos, é essencial que o regulamento disponha sobre: a constituição da lista de mediadores, requisitos para a exclusão da lista, trâmites de inscrição e designação para cada caso; tarifas de honorários do mediador, gastos administrativos e formas de pagamento, sem prejuízo de ser estabelecida a gratuidade do serviço; formas de designação do diretor, suas funções e faculdades; descrição do manejo administrativo da mediação e um código de ética dos mediadores.373

A legislação equatoriana ainda reconhece a possibilidade de as comunidades indígenas e negras estabelecerem centros de mediação para seus membros, autorizando-se a capacitação que atenda às peculiaridades das respectivas comunidades e aos limites legais estabelecidos.374

Os Centros Comunitários instalados em Guayaquil, Quito e Ibarra atuam com mediação em delitos de menor potencial ofensivo e patrimoniais.375

A legislação equatoriana estabeleceu uma mediação conectada com o Tribunal, envolvendo a participação do setor público e do setor privado e possibilitando a acesso à justiça para comunidades indígenas e negras, o que na concepção de Gladys Stella Álvarez parece ser um bom modelo para o desenvolvimento da técnica alternativa de resolução de conflitos.376

5.7.6 Guatemala

Por meio do Decreto 67/1995, publicado em 01/11/1995, foi regulamentada a arbitragem nacional e internacional na Guatemala. Ao mesmo tempo, comunidades não

373 ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación e el accesso a justicia... op. cit., p. 203-205. 374 Idem, ibidem, p. 205.

375 Além disso, é possível verificar a existência de programas anexos aos Tribunais para tratamento de questões comerciais, trabalhistas, civis e monetárias de interesse nacional e internacional. Cf. ÁLVAREZ, Gladys Stella.

La mediación e el accesso a justicia... op. cit., p. 205-206.

governamentais, conectadas aos Tribunais se imbuíam da tarefa de estabelecer uma ponte entre o direito consuetudinário das comunidades indígenas e o sistema formal de justiça. Entre novembro de 1996 e abril de 1997, a Comissão de Modernização do Poder Judiciário estabeleceu uma série de consultas populares para identificar problemas relacionados à administração da justiça e, a partir de diversos estudos variados, estabeleceu em seu plano de modernização a necessidade de implementação de diversas técnicas alternativas de resolução377.

Com o objetivo de pacificar o país, em cumprimento a diversos acordos políticos, foi editada a lei de reforma do sistema criminal, que vigora desde outubro de 1997, incluindo a mediação e a conciliação na justiça penal378.

O Tratamento de crianças e adolescentes, no âmbito penal, é bem desenvolvido no país379.

No Código de Processo Penal, admite-se a conciliação para a suspensão condicional do processo. Os crimes de menor potencial são submetidos a juízes de paz para que estes estabeleçam a conciliação, sempre considerando a grande diversidade étnica existente no país. É possível também a utilização da mediação para resolução de crimes, desde que sejam realizados por organismos autorizados, ocorrendo a posterior homologação dos acordos firmados.380 A conciliação pode ser realizada pelo juiz, mas também nos Centros de Conciliação e Mediação registrados na Suprema Corte.381

Percebe-se que, na Guatemala, desenvolvem-se, ao lado de um modelo anexo aos Tribunais, atividades de mediação e arbitragem em instituições públicas e privadas. A mediação penal requer a homologação judicial para a sua validade382.