• Nenhum resultado encontrado

A organização da base da indústria da reciclagem: as cooperativas

A ESTRUTURAÇÃO RECENTE DA INDÚSTRIA DA RECICLAGEM

4.3. Um novo estágio no processo de estruturação da indústria da reciclagem

4.3.1. A organização da base da indústria da reciclagem: as cooperativas

A indústria da reciclagem está sendo estruturada no contexto de políticas neo-liberais, arregimentando trabalhadores sobrantes dos mais diversos setores produtivos. Reinseridos produtivamente na base da indústria da reciclagem ,sub-

setor da indústria de transformação (CNAE/RAIS), os catadores podem ser entendidos como “síntese de múltiplas determinações”. Isto é válido tanto para os milhares de catadores que trabalham individualmente na catação nos diversos contextos urbanos do país, quanto no caso dos catadores organizados em grupos, cujo modelo mais ajustado aos desígnios de estruturação do setor produtivo é o das cooperativas.

Se na coleta não oficial os agentes envolvidos são, de um modo geral,

catadores, carrinheiros, sucateiros e indústrias (Calderoni, 2003), no segundo caso os agentes tendem a ser: cooperativas, vinculadas ou não a Programas de Coleta Seletiva implantados pelas Prefeituras, e as indústrias.

Portanto, entende-se que a atuação dos comerciantes de recicláveis é parte integrante do estágio até agora vigente, no processo de desenvolvimento deste setor, cujo mercado ainda está se formando e se diversificando continuamente. Seus principais agentes – industriais e comerciantes – dividem os custos e os lucros (assim como em outros ramos), como já foi demonstrado, por exemplo, pela pesquisa desenvolvida por Calderoni em meados da década de 90.

Porém, o processo recente de organização da base desta indústria, no sentido de sua institucionalização, parece caracterizar um novo estágio do seu processo de estruturação. Nele, a esfera de atuação dos capitalistas comerciantes, que atravessam a relação entre catadores e indústria, tende a ser cindida por um

novo arranjo produtivo, no qual as cooperativas de catadores passariam a fornecer os materiais recicláveis diretamente às indústrias.

Por sua vez, o processo de institucionalização incide sobre a situação vigente, caracterizando um campo conflituoso entre os agentes que já atuam na base da indústria e as novas normas – e novos agentes – que entram em cena.

A envergadura deste processo, que parece responder às determinações impostas à expansão do setor, inclusive com sua projeção internacional, apresenta- se como uma agenda da indústria na formulação de políticas públicas e incentivos governamentais. Desta agenda, destacam-se as políticas públicas e investimentos destinados à organização da base da indústria. Ora, nela se realiza a chamada primeira etapa do processo de reciclagem, ou seja, as atividades da catação ou coleta, transporte (com uma verdadeira frota de carrinhos, carroças movidas à tração humana), triagem, prensagem e enfardamento que, no caso dos programas de coleta oficial, calcula-se que os custo com mão-de-obra correspondem a cerca de 90% (conforme Aguiar & Philippi, 2000). Portanto, do conjunto de políticas públicas destinadas à estruturação do setor industrial da reciclagem, identificamos uma vertente nitidamente direcionada à institucionalização da base desta indústria, mais precisamente, à organização do processo de trabalho que nela se concentra.

Ou seja, o ajuste estrutural da indústria da reciclagem se dá na sua base, no sentido de desviar o fluxo dos materias da órbita dos comerciantes em direção às cooperativas. Porém, este ajuste não se refere estritamente às relações de trocas comerciais, como é o caso da prática de comprar para vender mais caro exercida pelos comerciantes do ramo. Incrustado no circuito comercial, encontra-se as atividades iniciais do processo de reciclagem, tais como a triagem, a prensagem, o enfardamento. Portanto, não se trata exatamente de atividades comerciais, mas de atividades que já integram, desde a base, a produção das matérias-primas.

É inegável que os altos índices de reciclagem existentes no Brasil são resultantes do trabalho de milhares de catadores informais, que trabalham individualmente e são geralmente denominados de “catadores avulsos”, ou mesmo quando reunidos em grupos com diferentes níveis de organização.

No entanto, existe uma tendência à concentração do conjunto de atividades inscritas na base da indústria da reciclagem (coleta, triagem,

enfardamento...) em “unidades de processamento” mais eficientes, como condição de ajuste e consolidação da reciclagem como um novo setor produtivo. Estas “unidades de processamento mais eficientes” são exatamente as cooperativas, prescritas pelas políticas públicas destinadas à gestão dos resíduos sólidos urbanos.

Para compreender como este processo vem ocorrendo no contexto nacional, utilizou-se o documento “Análise do custo de geração de postos de trabalho na economia urbana para o segmento dos catadores de materiais recicláveis” 123. Este documento traz um panorama geral da situação dos grupos de catadores no contexto nacional, os quais apresentam diferentes níveis de organização. Além das informações sobre as cooperativas cadastradas no MNCR, aponta para a tendência de institucionalização da base da indústria da reciclagem. Optou-se por se apresentar a análise feita sobre o mesmo como Anexo. O mesmo traz informações minuciosas sobre a proposta de criação de 39.000 postos de trabalho para os catadores de materiais recicláveis em todo o país. (ANEXO 09).

As propostas de geração de aproximadamente 39.000 postos de trabalho para o segmento dos catadores de materiais recicláveis parecem de fato ajustadas ao aprimoramento do setor industrial da reciclagem. O que, por sua vez, não contempla os cerca de 500.000 a 800.000 catadores existentes no Brasil. Ou seja, este verdadeiro exército de catadores é constituído por trabalhadores supra- numéricos, supérfluos, sobrantes, o que fica mais evidente com o aumento da produtividade das cooperativas (menor número de catadores disponibilizando maiores volumes de materiais às indústrias).

123 Este estudo é um dos produtos resultantes do Convênio MDS-OAF (002/04) - “ACÕES DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL JUNTO AOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS” (2004- 2006). Fonte: http://www.cgu.gov.br/sfc/convenio/convenios.asp. Acessado em 30/03/2006.