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O processo de trabalho realizado pelo catador carrinheiro

QUADRO 03 IDADE anos %

2.3.1. O processo de trabalho realizado pelo catador carrinheiro

O conjunto de atividades – aqui entendido como processo de trabalho – realizado pelos catadores carrinheiros está concentrado na primeira etapa do processo de reciclagem, ou seja, na base da indústria. Esta etapa integra, essencialmente, as atividades de catação/coleta, transporte, triagem, prensagem e enfardamento. Os catadores avulsos realizam principalmente a catação/coleta, transporte e triagem.

Os catadores comumente também realizam as etapas de prensagem e enfardamento, cujos equipamentos são de propriedade dos comerciantes e/ou recicladores do ramo, bem como das cooperativas. Neste caso, são catadores que trabalham em relações assalariadas (no caso daqueles que trabalham nos estabelecimentos comerciais, normalmente sob grande exploração) ou ainda em cooperativas. Existem ainda aqueles que trabalham em grupos informais. A pesquisa realizada no Itaim Paulista também contemplou estes dois últimos (cooperados e grupos informais).

Porém aqui serão apresentados elementos referentes ao processo de trabalho realizado pelo catador avulso. Ou seja, o conjunto de atividades

realizadas pelo catador-carrinheiro, pelo catador com sua carroça, nas atividades iniciais da primeira etapa do processo de reciclagem.

Para este conjunto de atividades, o catador utiliza essencialmente um carrinho, instrumento de trabalho no qual emprega a força do próprio corpo. Estes catadores geralmente levam consigo alguns materiais auxiliares, tais como: martelo, cordas, alicate, capa de chuva, arame, faca/facão, lona ou plástico para proteger os papéis da chuva, à vezes luva.

Na região central, podemos identificar dois grandes grupos de catadores avulsos. No primeiro deles, estão os catadores moradores de rua. Este catador carrinheiro, maltrapilho, andarilho, identificado por Legaspe em sua pesquisa79, é comumente encontrado pelas ruas dos centros urbanos. São geralmente os catadores mais debilitados, muitos dos quais apresentam dependência alcoólica e química, e que devido às suas condições físicas e mesmo emocionais, puxam carroças menores e mais leves (geralmente de madeira), nas quais carregam de tudo o que encontram e que possa ser comercializado junto aos comerciantes do ramo (ferros-velhos, depósitos, reciclagens). No segundo caso, estão os catadores que possuem pontos fixos (estabelecimentos nos quais coletam sistematicamente os resíduos gerados), e geralmente mantém a fidelidade da venda para um determinado comerciante, ou está vinculado a uma cooperativa.

No caso dos catadores que atuam nas periferias, encontramos desde catadores mais debilitados, sobretudo em função de sua idade avançada, quanto catadores que possuem uma rede de pontos fixos. Estes catadores da periferia – que aqui correspondem aos catadores do Itaim Paulista – usam carrinhos menores em relação àqueles verificados no centro, coletando também menores volumes. É comum o uso de carrinhos feitos com cascos de geladeira, que pesam em torno de 40 quilos e nos quais carregam em média 130 quilos. Estes catadores consequentemente ganham menos do que os catadores que atuam na região central, pois atuam num território onde os materiais recicláveis são gerados em menor escala. Ademais, nas periferias, os catadores catam/coletam sobretudo os recicláveis oriundos dos resíduos sólidos domiciliares, enquanto na região

79 Encontramos dados surpreendentes que explicavam que a reciclagem do papel no Brasil tinha

como principal fornecedor de matéria-prima o catador, este paupérrimo e maltrapilho andarilho da cidade que percorre as ruas coletando de tudo que encontra, conhecido também por carroceiro ou (...). (Legaspe:1996:5)

central os catadores absorvem a geração dos resíduos produzidos principalmente pelos estabelecimentos comerciais e de serviços.

Catadores carrinheiros no Itaim Paulista

As informações a seguir apresentadas estão pautadas nos aspectos mais gerais dos depoimentos de catadores do Itaim Paulista, integrados no urbano periférico, na periferia distante e consolidada da metrópole de São Paulo.

Para começar, a principal fonte de geração de materiais recicláveis é a domiciliar, composto principalmente por embalagens de produtos alimentícios, formados por plásticos, como o PET, metais constitutivos de latas, papelão das caixas de utilidades domésticas e outras embalagens que constituem o denominada material misto, de baixo valor comercial.

Estes catadores percorrem uma vasta extensão territorial, densamente ocupada de forma fragmentada em inúmeras vilas, bairros, favelas, conjuntos habitacionais, entrepostos por centros comerciais secundários ou ainda por pequenos centros comerciais locais. São neles e nos principais eixos viários (nos quais também se estende o comércio), que os comércios de reciclagem se encontram. Para estes locais com atividades de reciclagem convergem os materiais recicláveis coletados pelos catadores que percorrem estes territórios diariamente com carroças (geralmente feitas do “casco” de geladeiras).

Como a principal fonte geradora corresponde aos domicílios, os principais dias de catação são aqueles nos quais o caminhão da prefeitura passa recolhendo o lixo. Assim, para o caso do Itaim Paulista, os catadores percorrem as ruas logo que o dia amanhece, ou na madrugada (após a meia noite), seguindo o horário da coleta convencional. Procuram materiais recicláveis nos sacos ou montes de lixo depositados pelos moradores nas lixeiras ou calçadas. Segundo relato dos próprios catadores, nestes dias a catação fica praticamente limitada ao percurso que deve ser feito antes da passagem do caminhão, sendo que depois deste horário resta muito pouco para a catação. Mas nos demais dias da semana eles também catam, e geralmente fazem duas viagens, uma no período da manhã e outra no período da tarde. Geralmente vendem os materiais recicláveis no mesmo dia, estabelecendo uma prática de fidelidade com o depósito que ofereça um preço melhor pelo material, ou quando se estabelece entre o catador e o dono do depósito alguma relação de dependência, como

manutenção ou “empréstimo” da carroça, recebimento eventual de cesta-básica (às vezes somente no final do ano), ou o que consideram “um bom atendimento”. Existem ainda relações que expressam deliberadamente a exploração, como é o caso de alguns depósitos que mantém galões de pinga “à disposição” do catador, para que consumam e “pendurem a conta” a ser descontada no pagamento dos materiais. Já se vê aqui um mecanismo de exploração perversa destes catadores. Praticamente em toda sua totalidade os catadores residem naquele mesmo território, sendo que muitos moram “de favor” num cômodo à parte na casa de algum parente, o que indica a impossibilidade de pagamento de aluguel. Mesmo quando já possuem casa própria (é o caso de catadores que já tiveram outra condição de trabalho, alguns com profissão e emprego com carteira assinada), o que ganham limita-se às despesas de manutenção com alimentação e outras de primeira necessidade. Ademais, muitos declararam moram nos conjuntos habitacionais da CDHU.

Catadores carrinheiros na região central

A pesquisa no centro foi realizada em duas áreas: na Baixada do Glicério e nas imediações da Praça da República. num dos baixios de Viaduto (formado pela ligação leste-oeste) na Baixada do Glicério.

De um modo geral, os catadores tem sempre a mesma rotina diária, que permite uma analogia à “jornada de trabalho”: por volta das 17:00 horas saem dos locais com atividades de reciclagem80 e iniciam seus itinerários de coleta dos materiais recicláveis. Percorrem ruas da Liberdade, Parque Dom Pedro, Sé, República, Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, entre outros Fazem uma única viagem com carrinhos feitos de madeira ou ferro, que pesam desde 80 kg (exemplo de um carrinho puxado por uma das catadoras entrevistadas) até 200 kg (a exemplo dos carrinhos de ferro). Fora o peso do próprio carrinho, levam em média 300 kilos de materiais por viagem. Voltam após às 21:00 horas, retornando ao locais com atividades de reciclagem até por volta das 24:00 horas. Após deixarem carrinho e material nos respectivos locais, alguns vão para casa, geralmente em territórios empobrecidos do centro (Baixada do Glicério ou Liberdade), outros permanecem nos referidos locais (onde realizam a triagem).

80 Esta expressão inclui desde os baixios de viadutos, quanto os comércios de recicláveis, além de associações e cooperativas de catadores.

Alguns entrevistados declararam passar a semana no centro (nos estabelecimentos comerciais, normalmente denominados pelos catadores como depósitos, ou sob algum viaduto) e retornar no final de semana para a casa localizada na periferia distante e até outros Municípios, como Guarulhos e Ferraz de Vasconcelos. A justificativa é sempre a mesma: o gasto com transporte é inviável para possam ir e voltar todos os dias.

Na manhã seguinte, retomam o trabalho por volta das 8:00 da manhã, para separação dos materiais coletados (triagem), até o horário de voltarem novamente para as ruas (ou seja, no final da tarde). No caso de grupos e cooperativas visitadas na Baixada do Glicério (sob os viadutos) os diferentes tipos de materiais separados vão sendo guardados em sacos durante toda a semana, até que na sexta-feira seja levado para venda nos depósitos localizados no próprio Glicério. No caso dos comércios, há sempre caçambas dos grandes aparistas ou recicladores, o que para Legaspe (1996) representava a presença do capital industrial nestes comércios.

Os catadores do centro costumam vender os materiais semanalmente ou até quinzenalmente, sendo esta uma forma do dinheiro “render mais”, pois se receberem todos os dias, o dinheiro “picado” acaba desaparecendo... Assim, ao conseguirem uma soma relativamente maior de dinheiro no final da semana, conseguem montantes para pagar dívidas, como aluguéis atrasados ou prestações diversas adquiridas com consumo pessoal. Tal economia para destinar uma certa quantia de dinheiro ao aluguel ou prestação de algum bem ou serviço, acaba sendo retirado da manutenção diária com os itens mais básicos para a sobrevivência destas pessoas, como é o caso da alimentação.

Muitos catadores avulsos afirmaram que não valia a pena trocar a “autonomia de trabalhar por conta”, principalmente porque sabem o quanto vão ganhar com o trabalho que fizerem, podendo receber à vista ou semanalmente, do que trabalhar numa cooperativa. Outro motivo apontado é que na cooperativa existiam reclamações de que, além de receberem quinzenalmente, havia atrasos nos pagamentos. Outra questão levantada foi quanto às exigências a se cumprir, principalmente a necessidade de separar com maior rigor os materiais vendidos diretamente para a indústria, o que requer mais tempo e disciplina para o processo de separação. Os depósitos nos quais vendem os materiais não fazem grandes exigências quanto à separação, pois do jeito que o material chega no

depósito é encaminhado para os compradores (possíveis atravessadores num patamar acima destes depósitos).

Encontramos catadores carrinheiros que realizam a prática sistemática de retirada do lixo da frente dos estabelecimentos comerciais e de serviços, que constituem seus “pontos fixos”. Neste sentido, estes catadores formam uma rede de pontos fixos, com os quais definem seu percurso de coleta, instaurando um território próprio. Estes catadores, geralmente mais jovens e com melhores condições físicas, fazem uso de carroças maiores, mais reforçadas e pesadas, a exemplo das carroças com estrutura de ferro. Estas carroças chegam a medir 5 metros de comprimento, pesam em torno de 200 quilos (ou 120 quilos no caso de carroças menores usadas por mulheres), nas quais podem carregar até 1 tonelada de materiais recicláveis. Geralmente transportam verdadeiras “montanhas” de sacos de lixo, material que será triado no depósito ou em locais como baixos de viadutos, localizados no urbano periférico. Neste último caso, o catador transporta lixo misturado aos recicláveis. Por um lado, o catador livra o estabelecimento comercial do lixo depositado em sua calçada (geralmente em quantidade maior do que o recolhido pela coleta da Prefeitura). Por outro, este mesmo catador garante uma fonte certa para obtenção dos resíduos (os referidos pontos fixos), e a grande quantidade coletada e transportada acaba compensando a porcentagem de recicláveis obtidos em relação ao rejeito (lixo propriamente dito). Já o catador morador de rua que percorre as ruas em busca dos materiais que possa encontrar, tendo ou não pontos fixos para coleta, relata não querer transportar “lixo”. Estes catadores procuram selecionar os materiais (realizar a triagem) nas próprias calçadas, antes de serem transportados. Este procedimento é reprovado pelos comerciantes, o que intensifica a condição de “andarilho” destes catadores que acabam não estabelecendo pontos fixos. Portanto, seus territórios são menos delimitados do que aqueles dos catadores que estabelecem pontos fixos. Porém, não significa que estes territórios estejam apartados. Ao contrário, estão sobrepostos no mesmo espaço. A pesquisa evidenciou que, enquanto os catadores de sacos de lixo81 precisam se deter nos pontos fixos para não perdê-los, os catadores sem pontos fixos (geralmente moradores de rua)

81 Os sacos de lixo dos estabelecimentos comerciais e de serviços contém geralmente papéis brancos, copos plásticos e rejeito (inclusive papel higiênico, também comercializado, quando “separada as partes limpas”...), o que se caracteriza como uma estratégia dos estabelecimentos para se livrar do lixo que excede o volume coletado pela Prefeitura, que é de 50 Kg.

buscam outros tipos de materiais também fartos pelas ruas do centro, tais como papelões, latinhas e garrafas.

Pode-se ainda identificar uma questão de gênero na divisão das atividades inscritas na base da indústria da reciclagem. De um modo geral, os catadores carrinheiros são em sua grande maioria homens, enquanto as catadoras se concentram nos locais com atividades da reciclagem, principalmente para a atividade da triagem. Isto pode ser observado na divisão do trabalho nas cooperativas. E mesmo nas modalidades de comércios de recicláveis (depósitos e reciclagens), onde os homens realizam as atividades da coleta, ou catação, transporte e prensagem, enquanto as mulheres realizam principalmente a triagem dos materiais recolhidos pelos homens. Trata-se de uma divisão de gênero determinada pelas características de cada atividade integrante deste processo de trabalho. Enquanto a coleta/catação pressupõe o transporte com grande dispêndio de força de trabalho, atribuída principalmente aos homens, a triagem dos materiais recicláveis se caracteriza como uma atividade mais minuciosa e cuidadosa, cabendo normalmente às mulheres.

O chão dos catadores no urbano periférico: relação centro-periferia

O urbano periférico, entendido como presente no centro e na periferia, é próprio do Nível Misto, especificamente urbano (Lefebvre, 1999). Por sua vez, não corresponde à posição geográfica periférica existente na relação centro- periferia, mas à condição inserção dos trabalhadores pobres sobrantes no urbano. O que não significa prescindir da diferenciação espacial e da situação geográfica que determinam as condições de formação dos territórios de uso (Seabra, 2003), neste caso, o chão dos catadores. Estes sim qualitativamente diferentes em função de estarem na periferia distante ou no centro. Exatamente porque estes territórios são instaurados na articulação dos três níveis do urbano, resultando em diferentes combinações.

Façamos aqui uma breve comparação: os catadores da região central usam predominantemente carroças de ferro, ou madeira, que pesam cerca de 200 quilos, nas quais transportam uma média de 300 quilos de materiais recicláveis, podendo chegar ao dobro ou mais (conforme relatos de catadores que carregam 700 quilos numa única viagem), numa “jornada de trabalho” que oscila entre 7 a 16 horas, pelas quais recebem predominantemente de R$20,00 a R$40,00 por dia

(os catadores moradores de rua foram os que declararam os menores rendimentos). Os catadores do Itaim Paulista usam freqüentemente carroças feitas de “casco de geladeira” que pesam 40 quilos, nas quais carregam em média 130 quilos de materiais recicláveis (podendo ser bem menos, a exemplo de catadores mais idosos que carregam apenas 70 quilos), numa “jornada de trabalho” de 7 a 12 horas, recebendo de R$10,00 a R$20,00 por dia.

Observa-se assim, algumas diferenciações que envolvem as atividades realizadas pelos catadores em relação à sua inserção no centro ou na periferia. Em primeiro lugar, os catadores do Itaim Paulista ganham menos porque coletam, transportam e vendem menos quilos de materiais do que os catadores do centro. Isto aparentemente pode comprometer sua sobrevivência diária, já que ganhando menos ele está sob a condição de ter que gastar menos com requisitos básicos, como a alimentação. Mas, contraditoriamente, o fato de carregar menos peso o preserva de um maior desgaste do próprio corpo, ao contrário dos catadores do centro, com suas enormes e pesadas carroças, acrescidas de montanhas de resíduos. Em segundo lugar, ao contrário de uma parte dos catadores do centro, que mesmo quando são domiciliados retornam para casa somente no final de semana, os catadores do Itaim moram num domicilio para o qual retornam diariamente após o “dia de trabalho”. Não raro, declararam morar na casa de algum parente, ou ainda em Conjunto Habitacional (CDHU). Não significa que estejam em condições melhores do que os catadores do centro, pois os catadores do Itaim vivem o cotidiano da própria periferia, com toda sua negatividade. Se por um lado contam com a solidariedade reinante entre os pobres (ganha-se menos para comer, mas também sempre há um parente, um conhecido que lhe arrume “o de comer”), por outro não experimentam as possibilidades que a centralidade oferece, inclusive de uma apropriação simbólica daquilo que é o próprio centro. Mas nisto se inclui o que há de melhor (a possibilidade de fazer outros “bicos”, um carreto, ganhar um “agrado” de algum comerciante), mas também o que há de pior. Justamente, porque os catadores do centro estão aí incluídos sobretudo naquilo que é a sua negatividade: a violência, o poder de polícia, o preconceito, o tráfico, a luta acirrada pelo território. Porque se é certo que na periferia propriamente dita a própria segregação potencializa a violência, no centro é a própria centralidade que a potencializa, onde “positivo-negativo” ficam em conflito. Se na periferia o catador está, por assim dizer, no seu lugar, no centro o catador precisa lutar para nele se inserir e permanecer. E de modo a voltar vivo para

casa, quando localizada na periferia, no final de semana. Se no Itaim encontramos mais catadores idosos do que no centro, parece que o fato está diretamente relacionado ao grau de dificuldade com que um idoso consegue entrar e permanecer no chão dos catadores. Neste sentido, a catação para o idoso na periferia “vai devagar e sempre”, conforme relata um dos entrevistados, e no centro este “ir devagar e sempre” condenaria a própria inserção produtiva deste catador! Mesmo porque, dada a concentração territorial da geração de resíduos no centro, o chão dos catadores é também mais denso, em todos os aspectos. Se os resíduos são gerados de forma concentrada, também há mais catadores concentrados num mesmo território, o que aumenta a concorrência e a luta para nele se manter.

Podemos acrescentar diversas outras comparações, mas já se vê que em ambos os casos, no centro e na periferia propriamente ditos, o chão dos catadores está sob o domínio do urbano periférico. Mesmo que seja muito evidente a diferenciação qualitativa destes territórios, observadas pelas próprias características do processo de trabalho realizado no centro ou na periferia propriamente ditos. Portanto, seja no centro ou na periferia, o catador avulso, dito autônomo, “liberto” de qualquer vínculo que não seja aquele de catar, separar, transportar e vender para o primeiro “atravessador”, é entendido nesta pesquisa como trabalho consumido produtivamente, na primeira etapa do processo de reciclagem. Assim, embora exista uma diferenciação espacial, em ambos os casos os catadores são (re)inseridos produtivamente no conjunto de atividades que integram a base da indústria da reciclagem. Para esta, é indiferente a particularidade do catador – se está no centro ou na periferia, pois todos tomam a forma indiferenciada de dispêndio de força de trabalho, consumida na produção das matérias-primas oriundos dos materiais recicláveis.

Vejamos que em todas as atividades enunciadas há dispêndio de força física. O dispêndio da força física é mais do que evidente na tração das carroças, nas quais o catador emprega seu próprio corpo. Conforme estes trabalhadores envelhecem, vão perdendo esta capacidade, consumida no conjunto de atividades da reciclagem, com destaque para a tração das carroças. Durante a pesquisa de campo, ficou muito evidente a deterioração destes trabalhadores. A declaração de suas idades nos causa surpresa e indignação, pois geralmente aparentam ser mais velhos do que realmente são. De fato, trata-se de um processo de trabalho que consome estes trabalhadores. A perspectiva de uma

velhice amparada, parece sucumbir pela tragédia da total falta de direitos trabalhistas82. Ainda desolador foram os depoimentos de catadores que evidenciaram a preocupação de que continuariam na catação “enquanto o corpo ajudasse”.

Além da força física, há também dispêndio do intelecto, pois o catador