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A ESTRUTURAÇÃO RECENTE DA INDÚSTRIA DA RECICLAGEM

4.4. Os bilhões ganhos com a Reciclagem

Nos países desenvolvidos, a reciclagem é geralmente realizada a partir do direcionamento da legislação nacional, cuja regulamentação e incentivos econômicos são importantes impulsionadores de seu desenvolvimento. No Brasil, não existe uma legislação nacional voltada para a gestão integrada dos resíduos sólidos que estimule a sua diminuição, reuso, reciclagem e destinação final correta, ou ainda que co-responsabilize seus geradores (SMTrab, 2007:3)124.

Enquanto o processo de discussão e aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos se arrola acerca de uma década no âmbito do Governo Federal, prefeituras e empresas permanecem desobrigadas a realizarem a gestão integrada dos resíduos sólidos, no que se inclui a coleta seletiva e a reciclagem.

Ao contrário, a reciclagem realizada no Brasil ocorre principalmente em função de sua viabilidade econômica, com base na exploração do trabalho de milhares de catadores. Disto resulta os índices de reciclagem observados para os diferentes tipos de materiais, consumidos como matérias-primas pelos mais diversos setores produtivos.

Em “Os bilhões perdidos no lixo”, Calderoni (2003:281) calculou que em 1996 a reciclagem havia proporcionado uma economia de cerca de 1,2 bilhões de reais, contabilizados em termos de recursos diversos, tais como energia, água e matérias-primas. Por outro lado, segundo este autor, 4,6 bilhões de reais haviam sido perdidos, pois a reciclagem poderia ter proporcionado cerca de 5,8 bilhões de reais, caso tivesse alcançado maiores índices de reciclagem. Após uma década, o setor atingiu índices mais elevados, participando do ranking dos países que mais reciclam, com destaque para aqueles do primeiro mundo. Assim, os ganhos obtidos atualmente com a reciclagem ultrapassam as estimativas feitas por aquele autor na década passada, contabilizando cerca de R$8 bilhões ao ano.

124 Desenvolvimento de estudos e pesquisas necessários à definição, análise, implementação e

avaliação de políticas de ocupação e renda para o Município de São Paulo (Arranjos Produtivos Locais – APL´s) – Estudos e Pesquisas de Cadeias Produtivas Selecionadas. SMTRAB.

Calderoni (2003) defende que a SOCIEDADE INTEIRA ganha com a economia proporcionada com o desenvolvimento da reciclagem. Os bilhões ganhos com a reciclagem – ao contrário de serem perdidos - são apropriados pelas empresas que integram a matéria-prima “material reciclado” em seus processos produtivos. É o que se apresenta a seguir, com base na análise dos cálculos de Calderoni sobre “os bilhões perdidos no lixo”.

Calderoni (2003) desenvolver uma proposta com a qual pretende comprovar que a reciclagem traz benefícios para a SOCIEDADE INTEIRA. O autor expõe, e adota, algumas das definições de uma proposta anteriormente elaborada por Duston (1993), e faz a crítica às limitações da equação proposta pelo mesmo.

Passemos a considerar a fórmula proposta por Calderoni (2003: 87):

Os custos evitados (despesas com aterros sanitários ou incineração e com as operações de coleta, transporte e transbordo) na formulação de Duston (1993, p.41), aplica-se a seguinte fórmula: G = (V-V) – C – E, onde125: G = ganho com a reciclagem; V = venda/compra dos materiais recicláveis; C = custo do processo de reciclagem; E = custo evitado de coleta, transporte, transbordo e disposição final. Propõe-se, no presente estudo, que sejam acrescentados, também à formula anterior, os ganhos decorrentes da economia de energia (W); os ganhos advindos da economia de matérias-primas (M); assim como os ganhos da redução dos custos com controle ambiental (A), e com o consumo de água (H) proporcionados pela reciclagem, além de outros de mais difícil mensuração (D). Tem-se, portanto, a seguinte equação: G = (V-V) – C + E + W + M + H + A + D

Pois bem. Em sua equação, Calderoni (2003:87) considera não só os ganhos decorrentes da economia de matérias-primas (M), mas diversos outros ganhos. Porém, ao analisarmos o Quadro 08 “Ganhos de cada agente econômico com o processo de reciclagem do lixo”, aparece o agente “SOCIEDADE”, para o qual resulta o montante dos ganhos obtidos com a reciclagem. Ora, é preciso desvendar a ideologia contida nesta equação, pois retira da indústria o papel fundamental de mobilizadora do processo e detentora dos lucros:

125 Nota do autor: Notar que “(V-V)” é proposta da presente Pesquisa; a inclusão de “E” é contribuição de Duston.

Quadro 08:

Ganhos de cada agente econômico com o processo de reciclagem do lixo

AGENTE EQUAÇÃO

1 MUNICÍPIO DE SÃO PAULO G1 = E + V1 - C1

2 INDÚSTRIA G2 = -V + W + M + H + A + D1 3 SUCATEIRO G3 = V2 – C2 4 CARRINHEIRO / CATADOR G4 = V3 5 GOVERNO FEDERAL G5 = D2 6 GOVERNO ESTADUAL G6 = D3 SOCIEDADE G = (V-V) –C+E+W+M+H+A+D G =(G1 a G6); V=(V1 a V3); C=(C1 a C2); D= (D1 a D3); (C<V) onde: G = ganho com a reciclagem; Gi= ganho do agente i

V = valor da venda dos materiais recicláveis C = custo do processo de reciclagem E = custo evitado de disposição final

W = ganhos decorrentes da economia no consumo de energia (Wh) M = ganhos decorrentes da economia de matérias-primas

H = ganhos decorrentes da economia de recursos hídricos A = ganhos com a economia de controle ambiental

D = demais ganhos econômicos

Fonte: Calderoni (2003:87)

Se retirarmos do Quadro 08 apresentado o agente “SOCIEDADE”, fica mais do que evidente os ganhos, e não os custos, que a indústria obtém, de toda a “SOCIEDADE” no processo de reciclagem. Ademais, o processo não se encerra na indústria, pois a matéria-prima “material reciclado” é transformada em novos produtos, mercadorias a serem vendidas e novamente consumidas, realizando o ciclo da reprodução do capital.

Lembramos ainda de Rodrigues (1996:111) quando assinala o fato das indústrias não reduzirem os preços dos produtos mesmo quanto utilizam matérias- primas mais baratas advindas dos recicláveis, o que implica a possibilidade de auferir

maiores lucros.

É o que demonstra o faturamento calculado para cada segmento deste “sub-setor da indústria de transformação”. Os índices de reciclagem, e o faturamento desta verdadeira indústria são divulgados pelas Associações de cada um dos segmentos aqui apresentados: papeleiro, vidreiro, latas de alumínio e plásticos (PET e plásticos rígidos) que juntos representam 65% do total de materiais reciclados anualmente.

Veremos que na base deste setor produtivo que vem se erguendo como uma verdadeira indústria, movimentando bilhões de reais por ano, está inscrito o trabalho de milhares de catadores. Não estamos falando de “geração de trabalho e

renda” ou de “empregos diretos e indiretos”. Estamos diante da expropriação da força vital destes milhares de catadores, os quais sobrevivem na condição de trabalhadores sobrantes.

De acordo com o banco de dados da ONG “Compromisso Empresarial para a Reciclagem” – CEMPRE (2008), existe atualmente no Brasil cerca de 3.000 estabelecimentos que atuam no setor da reciclagem, classificados em sucateiros, cooperativas e recicladores. A Região Sudeste concentra 50% deste total (1519 estabelecimentos, divididos em 595 sucateiros, 304 cooperativas e 619 recicladores). São Paulo, por sua vez, é o Estado com maior número destes estabelecimentos, num total de 990, divididos em 368 sucateiros, 197 cooperativas e 425 recicladores, conforme podemos observar nos Gráficos 01 e 02 a seguir apresentados. O plástico é o principal material reciclado (cerca de 80% dos recicladores), o que pode ser explicado, ao menos parcialmente, pelo menor custo de investimento de suas linhas de processamento (principalmente a reciclagem mecânica que produz granulações, denominadas de flakes e pellets) seguido por metal e papel (cerca de 8% cada) dentre outros, como vidros, longa vida, baterias, pneus e pilhas divididos por um menor número de estabelecimentos. Na metrópole de São Paulo vamos encontrar uma similar divisão entre os segmentos que atuam na reciclagem, como veremos com mais profundidade posteriormente.

Ainda que o CEMPRE atualize permanentemente seu banco de dados126, devemos fazer duas observações importantes.

Primeiramente, o cadastro mantido pelo CEMPRE representa uma significativa amostra dos estabelecimentos formais, ou com certo nível de organização. A maior parte dos cadastros apresenta CNPJ, principalmente os recicladores, seguido pelas cooperativas e com menor ocorrência para os sucateiros, demonstrando outra tendência do setor, ou seja, o aumento da informalidade em direção à base das cadeias produtivas.

126

www.cempre.org.br. As informações trabalhadas nesta Tese foram disponibilizadas pelo CEMPRE, proveniente de um cadastro mais completo do que aquele divulgado no site da ONG.

Gráfico 01

Fonte: CEMPRE (2008). Elaboração: Rosalina Burgos (2008) Sucateiros, Cooperativas e Recicladores - Regiões do Brasil (2008)

0 100 200 300 400 500 600 700

Sudeste Sul Nordeste Centro-Oeste Norte

Regiões do Brasil N ú m e ro d e e s ta b e le c im e n to s

Fonte: CEMPRE (2008). Elaboração: Rosalina Burgos (2008) Sucateiros, Cooperativas e Recicladores

Brasil (2008) 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 SP RJ PR SC CE PE MA AL GO MT AM TO PA U n id a d e s d a F e d e ra ç ã o - B ra s il

Número de estabelecimentos por tipo

sucateiros cooperativas recicladores

Em segundo lugar, é justamente na base das cadeias produtivas onde se concentra a maior parte dos “estabelecimentos” que atuam no setor, ao redor dos quais trabalham milhares de catadores. Denominados de ferros-velhos, sucateiros, depósitos ou reciclagens, estes “estabelecimentos” atuam normalmente na informalidade, sendo difícil mensurar quantos existem e em quais condições de funcionamento. Esta dificuldade foi encontrada na realização da pesquisa centrada no território da metrópole de São Paulo. Como alternativa de pesquisa, recorremos ao banco de dados da Supervisão de Vigilância em Saúde (SUVIS), a qual monitora locais vulneráveis ao mosquito da dengue – dentre eles os que desenvolvem atividades em reciclagem. O fato de serem alvos do monitoramento da SUVIS já indica as condições insalubres de trabalho dos catadores. Não por acaso, existe a seguinte advertência no site do CEMPRE: “O CEMPRE não se responsabiliza pela

conduta ética e profissional das cooperativas e/ou empresas aqui relacionadas”.

Entretanto, os Índices de Reciclagem e o concomitante faturamento do setor são anunciados pelas Associações representativas das principais empresas de cada segmento desta indústria. É o que apresentamos no próximo sub-capítulo.