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A organização da Sociedade Civil

4. INSTITUCIONALIDADE E DINÂMICA SOCIOPOLÍTICA

4.1. Relações sociopolíticas em São Vicente

4.1.1. A organização da Sociedade Civil

Por muito tempo São Vicente foi considerada uma “cidade dormitório” para trabalhadores que trabalham em outros municípios da Baixada Santista, especialmente Santos e Cubatão. O custo da terra mais baixo do que na vizinha Santos e espaço para crescimento na parte continental do município, contribuiu com o processo de ocupação e adensamento de muitos bairros. A parte continental, onde se encontram as ocupações mais recentes, impulsionados também pela construção de uma ponte ligando a parte insular com a parte continental do

município, é onde se encontram bairros mais carentes e desprovidos de infraestrutura urbana.

A organização da sociedade civil no município acompanha o processo de crescimento da cidade. Encontram-se organizações espraiadas em todo território insular e continental do município, porém segundo avaliação de entrevistados de entidades da sociedade civil, é na parte continental onde se encontram as organizações de bairros mais atuantes em torno às demandas por infraestrutura e políticas públicas para buscar melhores condições de vida.

“A área continental é mais unida... porque lá é mais carente, sabe? Precisam de mais coisa, então, eles se unem... eles vão em peso [em reuniões e audiências]”.

A partir das entrevistas realizadas podemos constatar que o universo das organizações da sociedade civil atuante na cidade é composto principalmente por associações de moradores, ONGs e entidades de classe. Um dos entrevistados da a entender que tem ONGs – Organizações não governamentais – que atuam com temáticas bastante diferenciadas na cidade.

“ONG tem, ONG tem. Inclusive, nosso Secretário (Secretário do Governo Municipal) tem uma ONG... tem várias ONGs... a área Continental, mesmo, tem ONG que cuida dos animais de rua... mas tem”.

Em geral a organização das entidades gira em torno à questões e temáticas vinculados a melhores condições de vida nos bairros e os interesses dos respectivos segmentos que representam. Principalmente as organizações de

39 bairro se mobilizam em torno às questões mais imediatas e urgentes que afetam a vida da população nos bairros, buscando efetivar conquistas de infraestrutura, equipamentos e políticas sociais.

Diagnóstico Sócio-Ambiental realizado pela Petrobras em 2012, em São Vicente, confirma esta organização nas comunidades mais carentes da cidade em torno as questões cotidianas que desafiam as comunidades. Apontam algumas dificuldades nesta organização, entre elas a forte presença do tráfico de drogas presente nas

comunidades e que interfere na dinâmica organizativa em algumas comunidades

“Nós já viemos de uma batalha... Em 2000, compramos a briga... Queríamos pleitear 15 anos de quitação também (do conjunto habitacional), como no Rio de Janeiro, e não 25 anos (de financiamento)”.

“Não quero me gabar, não, mas a gente é um bairro que briga muito. No Japuí, é uma Sociedade de Melhoramentos que não briga muito... A gente acaba trazendo melhorias para cá, mas para lá também”. “Trabalhamos muito com a questão do transporte coletivo. Aquela rua do Cuca [supermercado] não existia”. “Em relação à organização e participação política, existe uma associação de bairro que se reúne

semanalmente para tomar algumas decisões que envolvem a coletividade. É notável, porém, que há uma intensa organização do tráfico de drogas no Dique do Pissarro e esta atividade influencia bastante nas tomadas de decisões coletivas”. (Petrobras/Walm)

As entrevistas revelam que várias organizações de bairro tem um caráter de luta por direitos. Na busca por efetivar os direitos da população local articulam-se com outras organizações e diversos outros atores, públicos e privados, que interagem na cidade. Em geral são articulações em torno às questões urgentes que afetam a vida das pessoas nos bairros onde se localizam as associações. Às vezes em questões mais amplas e coletivas, se articulam com outras associações e instituições do município.

Constatamos que algumas organizações encaminham ao Ministério Público as suas demandas, para garanti-las no âmbito do judiciário, quando se esgotam outras possibilidades de efetivá-las.

“Quando necessário... quer dizer, quando a briga é coletiva... aí, sim [mantêm relação com outras sociedades de bairro]”.

“A gente [outra associação de moradores de um bairro periférico] se articula com outras pessoas que pensam que nem a gente”.

“Na área religiosa, a gente [uma associação de moradores] faz parte do Conselho da Igreja. O CAMP [Menores Patrulheiros] usa os espaços para o trabalho com os menores aspirantes...”.

“Articulação importante que a gente [uma entidade de classe] tem é com a OAB e partidos políticos.” “Nós temos uma relação muito próxima com a Piracicabana [empresa de transporte intermunicipal], e também a EMTU... a gente é sempre convidado a tá participando de atividades com eles e com o Ministério Público”.

“O Prefeito nos chamou para o gabinete e elogiou o nosso trabalho. Não temos cargo na Prefeitura, porque não queremos ter “rabo preso””.

“Pior, pra nós, é transporte... transporte é o caos... uma hora dessa, o ônibus tá lotado... é um transtorno. Eles não tomam providência. Nós vamos entrar no Ministério Público”.

Na relação das organizações de bairro com o poder público a tônica é a afirmação da autonomia, segundo os

entrevistados. A autonomia é valorizada e aparece como uma condição importante na relação das organizações

que continuaria marcando muito as relações de entidades e associações com gestores públicos e parlamentares na cidade. A interferência de políticos em organizações de bairro aparece também no relatório da

Petrobras/Walm, sinalizando para uma prática que parece bastante comum na cidade.

“Nós não temos recursos. Nem de outra ONG, nem de Prefeitura... é nosso trabalho... até como opção nossa... para manter a autonomia”.

“Nós já tivemos muito mais importância aqui... antes de surgirem as regionais, né? O nome antes era Sociedade de Melhoramentos... Era tudo via Sociedade de Melhoramentos... e quando veio as regionais, no caso, foi tentando tirar um pouco a nossa autonomia...”.

“A gente se articula com outras pessoas que pensam que nem a gente. A gente é a única Sociedade de Bairro que não recebe dinheiro da Prefeitura”.

“Existe “curral eleitoral”, usando a distribuição de leite como favor. Proíbem bairros vizinhos de receberem o leite, mesmo que não haja tanta demanda por leite no bairro...”

“Com relação à organização e participação política, parece haver uma rivalidade entre as lideranças

associadas à Associação e lideranças ligadas à representação de políticos eleitos pela comunidade”. (Relatório Petrobras realizado pela Walm)

“Com relação à organização e participação política, há uma liderança representada por um vereador local, mas a pessoa contatada alegou que não reconhece sua representatividade em relação aos interesses comuns do bairro”. (Relatório Petrobras realizado pela Walm)

A mobilização e envolvimento da população é um dos desafios apontados por entrevistados, que relatam que é difícil levar a população a participar das atividades e das lutas. A falta de cultura participativa leva as pessoas a preferir outras atividades de entretenimento à participar de reuniões. A comunidade participa mais quando há presença de autoridades públicas ou em espaços públicos de participação, como o Orçamento Participativo. Porém a falta de compromisso do poder público com as questões discutidas e a sua efetivação levaria a um desânimo na participação das pessoas das comunidades.

“Eu acho ela um pouco desunida [a Associação de Bairro da qual é representante]. A gente se reúne mais quando tem reuniões... quando o Secretário chama para o OP...”.

“É difícil mobilizar a população para qualquer debate quando o horário da atividade compete com o horário da novela ou do jogo [de futebol] do Santos”.

“A população reclama muito, mas, na hora de participar, não participa. Eles falam: Ah, mas vai adiantar alguma coisa? Adianta, vai lá, porque adianta! Não adianta ficar falando pro seu vizinho!”.

“Eu acho ela um pouco desunida [a Associação de Bairro da qual é representante]. A gente se reúne mais quando tem reuniões... quando o Secretário chama para o OP...”.

“É que o desenvolvimento passa pela mão de políticos, infelizmente, aí você perde um pouco a esperança...” [No sentido de que sentem falta de um compromisso maior por parte do poder público em dar um retorno adequado à população sobre as questões levantadas, eventualmente].

“Tá faltando interesse dos políticos para entrar em contato e fazer coisas...”.

A colônia de pescadores é provavelmente uma das organizações mais antigas de São Vicente. Os associados à Colônia até pouco tempo atrás tinha mais de 4.400 pescadores. Atualmente estimam um pouco mais de 500 pescadores. Todos os aposentados tiveram a suas licenças de pesca cancelados e portanto não podem mais fazer parte de Colônia de Pesca. Ela, porém atende os pescadores de outros municípios, especialmente do Município de Praia Grande.

Suas atividades são voltadas principalmente em atender as demandas burocráticas dos seus associados e de realização de cursos e atividades festivas. Porém a colônia é único instrumento de organização dos pescadores artesanais, que geralmente exercem a sua atividade de maneira bem dispersa e isoladamente. Eles têm pouca organização em torno às questões de infraestrutura para a pesca, assim como para a comercialização do pescado.