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3 PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA

3.1 A orientação da linguagem para a ação

Analisar o modo com o discurso é utilizado na PSD, bem como a forma como diferentes versões de mundo são construídas e estabilizadas como independente dos falantes, é tratado como algo a ser analisado na produção de discurso através das práticas discursivas dos sujeitos. Nessa perspectiva, o discurso é tratado como o meio fundamental de ação no mundo.

Ao falar sobre a linguagem, adota-se um conceito pautado no movimento, em uso. A linguagem, além de estar relacionada com as práticas sociais, é por si só uma prática social, afastando-se das teorias que a concebem unicamente como código de transmissão de informação, enfatizando sua estrutura e reduzindo-a as partes que a compõem: semântica, ortografia, sintaxe etc.

Corroborando com esse entendimento, tem-se a contribuição de John Austin, para o qual a linguagem se institui como construtiva das coisas, mais do que meramente descritiva delas, deixando de ser palavra acerca do mundo para passar a ser ação sobre o mundo. Desse modo, a linguagem não só nos diz como é o mundo, ela também o institui; e não se limita a refletir as coisas do mundo, também atua sobre elas, participando de sua constituição.

É importante pontuar o caráter inacabado da linguagem, compreendendo-a em constante construção. Potter (1998) valeu-se da metáfora do espelho e do atelier de construção para expressar sua compreensão do que viria a ser o papel da linguagem na expressão ou construção da realidade. Na metáfora do espelho, a linguagem é concebida como um reflexo da realidade tal como ela é, coadunando com os paradigmas científicos que produzem descrições passivas, reservando-se no lugar de apenas “refletir o mundo”, o que poderia ser exemplificado a partir de estudos de cunho positivista. Essa noção dialoga com a

compreensão da linguagem como mero veículo, pois nesse caso não se destaca, em nenhum momento, a possibilidade da linguagem em movimento construir, ela também, realidades, sugerindo certa passividade da linguagem e do ser humano em relação ao mundo. A segunda metáfora, a metáfora da construção, afirma que ela funciona em dois níveis diferentes: primeiramente afirma que as descrições e relatos constroem a realidade; em segundo nível, essas descrições são construídas, são uma atividade humana, desse modo, podem ser feitas de outra forma, sendo construídas e construtivas. A partir do entendimento do presente estudo, a concepção trazida pela metáfora da construção apresenta-se como a mais apropriada, tendo em vista que permite ampliar as possibilidades e alcances conceituais da linguagem como chave analítica, onde as pessoas e as suas falas fabricam ativamente o mundo em que vivem.

Para Potter (1998), a linguagem como construção poderia, através das descrições e dos relatos, construir o mundo. Entretanto, as próprias descrições e os relatos também já estão construídos. A força dessa metáfora reside também em seu caráter inacabado, sendo que nunca haveria um “produto” fixo e acabado, mas as partes que compõem o todo estariam em permanente reorganização, a partir dos acordos sociais e das interações no cotidiano.

Qué fuerza tiene la construcción em esta metáfora? Según la version más fuerte de esta metáfora, el mundo literalmente pasa a existir a medida que se habla o se escribe sobre él. Algo totalmente ridículo! Quizá si, pero yo deseo optar por algo casi igual de fuerte. La realidad se introduce en las práticas humanas por médio de las categorias y las descripciones que forman parte de esas prácticas. El mundo no está categorizado de antemano por Dios o por la Naturaleza de uma manera que todos nos vemos obligados a aceptar. Se constituye de umna u otra manera a medida que las personas hablan, escriben y discuten sobre él (Potter, 1998, p. 130).

O modo como categorizamos e descrevemos os fatos e as coisas, por exemplo, remete à nossa cultura e estas configurações se formam na medida em que falamos, escrevemos ou discutimos. Assim, o cotidiano constitui o lugar central de estudo dos movimentos da linguagem. São nas conversas informais, nos documentos, nos debates, nos programas de televisão, nos jornais impressos, dentre outros, que a linguagem poderá ser observada em sua manifestação. Aponta-se, pois, uma íntima relação entre as funções psicológicas e o caráter central que a linguagem tem como mediadora e constituidora delas. “Isso significa que devemos desviar a busca de explicações sobre o mundo social do interior das pessoas para dirigi-las ao espaço lingüístico da interação, que é onde os seres humanos se relacionam uns com os outros” (GARAY,et al et. al., 2005, p. 113).

Ao pensar na linguagem do ponto de vista construcionista, faz-se referência a Gergen (2004 apud Potter, 1996). Para ele, os termos e formas pelos quais nós compreendemos o mundo e a nós mesmos são artefatos sociais, produtos de relações interpessoais situadas na história e na cultura, onde as versões de mundo são mantidas pelas vicissitudes do processo social. Desse modo, ao estudar o discurso, estuda-se, sobremaneira, os padrões culturais.

Potter (1996) argumenta que entender a linguagem como fruto de representações internas só dificulta o avanço do debate, porque recairia em argumentos circulares. Dito de outra forma, as supostas estruturas internas seriam responsáveis por construir os fatos no mundo e estes, por sua vez, justificariam a existência daquelas estruturas, recaindo na mesma circularidade, aprisionando outras formas de explicação e interpretação da realidade.

Corroborando o uso na linguagem no cotidiano, Edwards (apud Potter, 1998) critica o uso da linguagem como um sistema de classificação que se encontra entre o falante individual e estático e o mundo. Ao contrário, a linguagem deve ser entendida como uma prática social, presente no mundo e contribuindo com os embates que constroem as instituições, os discursos, as relações, as subjetividades e a vida em geral. A própria linguagem construiria a pessoa e seu mundo, numa relação dialética e interdependente, onde o discurso se faz com base em construções com funções próprias, orientado para determinadas direções, o que o torna, essencialmente, construído. Wetherell e Potter (1996)elucidam que o termo construção apresenta-se apropriado ao tratar-se do discurso pelo fato de: orientar o pesquisador para o lugar onde o discurso se fabrica a partir de recursos linguísticos pré-existentes e com características próprias; deixar claro que, mesmo que o sujeito tenha à sua disposição estes recursos pré-existentes, ele escolhe o que for mais conveniente para suas intenções; destacar, de acordo com as escolhas que fazemos que o discurso tem consequências práticas e que constrói o mundo em que vivemos.

Isto posto, é importante pontuar que para Potter (2004), a análise do discurso utilizada na PSD, fundamenta-se em três ideias: o discurso é orientado para a ação, é situado e é construído. Ao estender essa orientação à ação no discurso, apreende-se que sua análise compreender ações e práticas que este desempenha, afirmando que o mundo encontra-se em movimento constante, tornando importante a compreensão do contexto em que o discurso foi produzido. O discurso é situado uma vez que ocorre numa sequência de interação, ou seja, as ações não estão dispersas no espaço, mas estão atreladas ao contexto ao qual estão inseridas. É construído na medida em que as pessoas usam a linguagem para construir versões de mundo, considerando que as interações sociais são baseadas em negociações que envolvem

eventos e pessoas que constroem a realidade. Desse modo, interessa estudar como um mundo de descrições e afirmações fazem parte das práticas humanas através do discurso.