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6 O SIGNIFICADO DA PSC

6.1 A PSC como instrumento de mudança subjetiva

Alguns estudiosos do tema apontam que a PSC, em seu caráter particular, põe em evidência a utilidade social da medida, o caráter educativo do trabalho e o envolvimento da comunidade na sua aplicação. Para Albergaria (1990), esse tipo de pena possui uma função social, pedagógica, repressora e preventiva. Vários entrevistados, certamente ecoando a literatura sobre o tema, destacaram o caráter educativo da PSC, o seu papel como instrumento de mudança subjetiva, quando tentaram descrever o significado que atribuem a essa modalidade de Pena Alternativa.

“Para mim ela deve ter esse viés mais educativo mesmo, de estimular a pessoa a repensar atitudes e ponderar algumas coisas que muitas vezes você não está disposto a ponderar na sua vida [...] confronta mais o sujeito com essa, com a situação que o levou a estar ali naquela instituição prestando serviço” (Sujeito 1).

“[...] para mim é um ato educacional, eu vejo pela linha pedagógica. É fazer com que aquele cumpridor compreenda o que foi que ele fez, sabe [...] e tentar fazer diferente, então é uma proposta educativa, de aprendizado. Então assim: cometeu uma infração, tá pagando uma pena e aí ele tá sendo educado, orientado a não repetir ou entender que aquilo tava errado, que não era daquela forma, sabe... nesse sentido. Eu vejo Pena Alternativa como um processo educativo” (Sujeito 8).

“Mas, é... aquilo que eu digo, eu ainda acho que a prestação de serviços tem um cunho mais social, mais educativo. Eu já tive aqui discussões sérias com advogados dizendo “ah, isso aqui é uma doação”. Você não tá fazendo uma doação, não tá fazendo caridade, você tá pagando uma pena, mas as pessoas ainda têm essa ideia. Então, para mim a prestação de serviços atinge esse tom mais educativo, apesar de que para algumas pessoas o bolso também pesa. Mas ainda acho que com essa visão mais educativa, do outro tá ali, da gente poder proporcionar ao cumpridor outras oportunidades... a prestação de serviços tem um peso bem maior” (Sujeito 9).

“O real significado pra é mim é você tá dando o direito a uma pessoa de tá fazendo, de tá mostrando para a sociedade um outro olhar, não como aquele que cometeu um delito apenas, mas como um ser que tem suas habilidades, que tem suas potencialidades e que pode mostrar isso. Ele pode se mostrar diferente de um erro que ele cometeu (Sujeito 7).

“Acredito que seja repensar as questões, tudo o que foi vivido, o que foi praticado, e poder tá ali sendo útil de alguma maneira a ele mesmo enquanto indivíduo, enquanto sujeito, e colaborando de alguma maneira né, com a sociedade, com a comunidade [...]” (Sujeito 6).

“Pra mim, a PSC tem como propósito ressocializar e conscientizar aquele cumpridor que cometeu o delito de menor potencial ofensivo, que precisa pagar por esse pequeno delito e ali ele tem uma oportunidade de tanto pagar essa dívida com a justiça como de ajudar uma entidade porque ele sai muito com esse sentimento de que não tão ali pagando, começam muitas vezes revoltados, mas quando acaba a medida, eles saem gratificados, engrandecidos e enriquecidos com a experiência porque se sentem úteis às entidades, consideram que estão fazendo um trabalho importante. Então eles não se sentem menores. Na verdade, eles saem, quando acaba o processo, a grande maioria, sai enriquecido né... da PSC por esse fato, porque se sentem úteis em ver que o trabalho que tá sendo feito ali não é só de caráter punitivo, eles começam a ver uma outra forma e aí é a grande ressocialização né...” (Sujeito 10).

“Eu me questiono particularmente. E a PSC eu acho que traz essa reflexão pro seu dia a dia porque ele de alguma forma se insere de fato na instituição. Então ele contribui mais efetivamente, ele se relaciona mais com a instituição, com o público que ela atende né.. então eu acho que possibilita mais essa reflexão. Essa a impressão que eu tenho. Por exemplo, eu fiz uma visita numa instituição e por coincidência eu tinha uma cumpridora lá que tava cumprindo a PSC e tava fazendo a limpeza e eu tive a oportunidade de conversar com ela e foi uma experiência muito rica pra mim porque eu nunca tinha tido. E ela fala o quanto ela tava realizada com aquele trabalho, poder ajudar, foi num abrigo de idosos, e que mesmo depois de cumprir ela vai continuar esse trabalho. Então eu acho que né... a pessoa se acha num espaço” (Sujeito 3).

Em seu discurso o entrevistado 1 apresenta o suposto caráter educativo da PSC como um ideal (“ela deve ter esse viés mais educativo”), não como um fato. A pena é retratada

como algo que deve produzir uma mudança subjetiva, uma mudança de “atitudes”. O entrevistado 2 também ressalta o caráter educacional da PSC, em seu discurso ela é um “ato educativo”. Aqui, como no discurso anterior, a pena é retratada como um processo de subjetivação, como um processo que possibilitará uma nova compreensão dos seus atos por parte dos sujeitos, um “aprendizado” que implicará em mudança de conduta.

Na fala do sujeito 9, aponta-se a promoção de novas oportunidades que o cumprimento da pena/medida pode proporcionar ao cumpridor. Aqui também se apresenta, embora de maneira mais implícita, a ideia de transformação do sujeito, uma mudança subjetiva, por meio dessas “outras oportunidades”.

A fala do entrevistado 7, apresenta a mudança subjetiva, implicitamente, como o resultado de um “outro olhar” da sociedade para o sujeito, à medida que ele realiza ações que o distanciam da identidade de criminoso. Ao realizar essas ações, a sociedade não o veria somente como um criminoso, mas como alguém que tem outras “habilidades” e “potencialidades”.

O entrevistado 6 apresenta a PSC como uma oportunidade para “repensar” o que foi “vivido” e praticado”. A possibilidade de ser “útil” à sociedade aparece em seu argumento como um processo que impulsiona o apenado a voltar-se sobre o seu percurso, a fazer uma reflexão sobre sua vida, que possibilitará a mudança subjetiva socialmente desejável. Esse tipo de compreensão é encontrada na literatura sobre as penas alternativas. De acordo com Bittencourt, citado por Luz (2000, p.79), “[...] o condenado ao realizar essa atividade comunitária, sente-se útil ao perceber que está emprestando uma parcela de contribuição e recebe, muitas vezes, o reconhecimento da comunidade, pelo trabalho realizado”.

O entrevistado 10 faz um relato detalhado do processo de mudança subjetiva decorrente da PSC. Essa modalidade de pena teria por objetivo “conscientizar” e “ressocializar” o apenado. Esse, de início, é um ressentido, um revoltado, mas “quando acaba a medida eles saem gratificados, engrandecidos e enriquecidos com a experiência porque se sentem úteis às entidades”. A conscientização e a ressocialização seria, então, o resultado desse sentimento de utilidade, de estar fazendo um “trabalho importante”.

O argumento do entrevistado 3 é semelhante ao do entrevistado 10, mas ele se utiliza de um recurso narrativo para torná-lo mais convincente. Conta a história de uma cumpridora, com a qual ela própria conversou, que terá dito o quanto estaria “realizada com aquele trabalho”, com o fato de “poder ajudar”. O recurso à narrativa para tornar verossímil a afirmação segundo a qual a inserção numa instituição e o fato de sentir-se importante para ela produz uma “reflexão” no sujeito, uma mudança subjetiva, é um tipo de ação realizada pelo

discurso que Potter (1998) denomina de orientação epistemológica do discurso. Um tipo de ação cujo objetivo é tornar aquilo que se afirma um fato, uma versão verdadeira sobre algum aspecto do mundo.

Em todas as falas supracitadas observa-se a mobilização de um amplo repertório composto por termos que descrevem processos subjetivos/psicológicos mobilizados para descrever as mudanças subjetivas supostamente operadas pela PSC. Verbos como “estimular”, “repensar”, “ponderar”, “conscientizar”, substantivos como “atitudes”, “reflexão”, e formas nominais no particípio como “gratificados”, “engrandecidos” e “enriquecidos” tem um poderoso efeito retórico na defesa do caráter humanizador da PSC, na defesa do argumento de que essa pena, ao contrário das penas tradicionais, de fato ressocializa os sujeitos fazendo com que eles enveredem por outros caminhos diferentes do caminho da criminalidade.