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“A Psicologia e o Direito, mesmo constituindo-se disciplinas distintas, possuem como ponto de intersecção o interesse pelo comportamento humano” (ROVINSKI, 2007, p. 13). Dentro da estreita relação existente entre esses dois campos de saberes é que surge a Psicologia no âmbito jurídico.

Como dito acima, a Psicologia e o Direito são áreas do conhecimento científico voltadas para a compreensão da conduta humana. No entanto, conforme elucida Riveros (1995), diferem quanto ao seu objeto formal: a Psicologia volta-se ao mundo do ser, e tem como ponto de análise os processos psíquicos conscientes e inconscientes, individuais e sociais que governam a natureza humana; o Direito, por sua vez, volta-se ao mundo do dever ser, e supõe a regularização e legislação dos comportamentos humanos (conforme a natureza humana, estudada pela Psicologia), em função do que considera certo ou errado para a convivência humana em sociedade.

Ao longo da história das ciências, percebe-se uma preocupação com a avaliação do criminoso, principalmente quando se trata de um doente mental delinquente. Durante a Antiguidade e a Idade Média a loucura era um fenômeno bastante privado. Ao "louco" era permitido circular com certa liberdade, e os atendimentos médicos restringiam-se a uns poucos abastados (LAGO; AMATO; TEIXEIRA; ROVINSKI; BANDEIRA, 2009). Em torno do século XVII, a loucura passou a ser caracterizada por uma necessidade de exclusão dos doentes mentais. Foram criados locais para internação em toda a Europa, onde eram encerrados indivíduos que ameaçassem a ordem da razão e da moral da sociedade. A partir do século XVIII, na França, Pinel realizou a revolução institucional, liberando os doentes de suas cadeias e dando assistência médica a esses seres segregados da vida em sociedade (PAVON, 1997).

O olhar positivista e determinista presente nos séculos XVIII e XIX atribuíam que os desvios das normas da sociedade estavam relacionados ao fator genético dos que cometiam os crimes. Deste modo, o indivíduo que infringia as regras, era tido como doente e incapaz. Nessa época, a psiquiatria era vista como ciência apta a opinar sobre a criminalidade e sua possível prevenção. No entanto, como destaca Carvalho (2007), a psiquiatria, neste período, não possuía meios suficientes para uma investigação mais específica e delineada das características psíquicas.

A Psicologia forense, ou jurídica, como afirma Rovinski (2000), surgiu da necessidade de assessorar magistrados em suas tarefas de julgamento. Inicialmente, esteve relacionada com a psiquiatria forense, onde se encontram seus primeiros campos de investigação voltados para a área criminal, tendo como enfoque de estudo os adultos criminosos e os adolescentes infratores da lei. A partir do século XX, outros focos de investigação foram emergindo, relacionados tanto com avaliações clínicas ligadas às questões do direito cível quanto aos procedimentos jurídicos inerentes ao processo judicial, a exemplo da avaliação de testemunhos ou procedimentos dos jurados. Estudos acerca dos sistemas de interrogatório, os fatos delitivos, a detecção de falsos testemunhos, as amnésias simuladas e os testemunhos de crianças impulsionaram a ascensão da então denominada Psicologia do Testemunho (GARRIDO, 1994).

De forma gradual e lenta as práticas psicológicas ganham forma e na década de 60, a Psicologia é reconhecida como profissão no Brasil (Lei Federal no 4.119, de 27 de agosto de 1962). Assim, surge um discurso científico socialmente autorizado a enunciar “verdades” sobre o sujeito: a Psicologia. Marcada pelo ideal Positivista e Experimental, portando instrumentos técnicos de análise, ela avizinha-se da psiquiatria na determinação das características psíquicas do criminoso e oferece seu arsenal de avaliação para o campo das perícias (OLIVEIRA, 2009). “Parece que a psiquiatria precisa de novas formas de apoio concreto, visível, mensurável, para além da antropometria, em sua determinação da periculosidade e da inimputabilidade de réus e condenados” (JACÓ-VILELA, 2005). Desse modo, os testes psicológicos trazem um apoio mensurável e visível para a avaliação dos criminosos e dos motivos dos crimes, dentro da visão biologizante da época.

Os testes psicológicos muito rapidamente vão se tornando o meio adequado para a determinação da imputabilidade e da periculosidade do réu ou do condenado. É nessa perspectiva de exame, de descoberta da Verdade interior, íntima, de cada um, que a Psicologia se aproximará do Direito (JACÓ-VILELA, 2005).

O marco histórico de estudos que delineou a intersecção entre a Psicologia e o Direito foi trazido por Myra y Lopes, em o Manual de Psicologia Jurídica no ano de 1932, fundamentando a existência da Psicologia jurídica na necessidade de apoio ao melhor exercício do Direito, considerando que a finalidade deste é a profilaxia delitiva (JACÓ- VILELA, 2005). Neste momento, a Psicologia encontrava-se atrelada ao Direito Penal, tendo sido derivada da Medicina Legal. “Este é o ponto inicial do percurso da Psicologia Judiciária

que, a partir de então, foi ampliando seus horizontes na Justiça” (SHINE, 2005, p. 20) e aos poucos, ganhando outros enfoques no âmbito jurídico, como Direito da Criança e do Adolescente, o trabalho nas Varas de Família, de Adoção, dentre outros. De acordo com Fávero; Melão; Jorge (2011), a partir de 1934, a Psicologia começou a ser disciplina obrigatória nos cursos de Filosofia, Ciências Sociais e Pedagogia, desse modo, houve o início de aplicação dos conhecimentos psicológicos em várias áreas, como no processo de ensino- aprendizagem, no trato das relações humanas.

Cabe destacar que, de acordo com o Shine (2005), o uso preferível do termo “Psicologia Jurídica” é usado para designar a imbricação do campo da Psicologia com o Direito, o qual abarca o trabalho da Psicologia no âmbito do Poder Executivo, tais como Ministérios Públicos, prisões, manicômios, delegacias, etc. Ao passo em que, a Psicologia Forense, aplica-se exclusivamente ao judiciário. Assim, a palavra “jurídica” torna-se mais abrangente por referir-se aos procedimentos ocorridos nos tribunais, bem como àqueles que são fruto da decisão judicial ou ainda àqueles que são de interesse do jurídico ou do Direito (FRANÇA, 2004). Neste trabalho, apesar do estudo estar voltado para a compreensão da atuação dos psicólogos nas Centrais de Apoio às Medidas e Penas Alternativas, será adotada a denominação “Psicologia Jurídica” tendo em vista a maior ampliação deste termo.

Popolo (1996) entende que a Psicologia Jurídica tem como um de seus objetivos contribuir para o melhor exercício do Direito, tendo sempre o cuidado para que não haja a estagnação nessa relação. Deste modo, “a Psicologia Jurídica deve transcender as solicitações do mundo jurídico” (FRANÇA, 2004, p. 77) e, como uma ciência autônoma, produzir conhecimento que se relacione com os produzidos pelo Direito, incorrendo numa intersecção e promovendo um diálogo de saberes.

El estudio desde la perspectiva psicológica de conductas complejas y significativas em forma actual o potencial para o jurídico, a los efectos de su descripción, análisis, comprensión, crítica y eventual actuación sobre ellas, em función de lo jurídico (Popolo, 1996, p.21).

Deste modo, a Psicologia Jurídica é fundamentada como uma especialidade que desenvolve um grande e específico campo de relações entre os mundos do Direito e da Psicologia, nos aspectos teóricos, explicativos e de pesquisa, como também na aplicação, na avaliação e no tratamento (COLÉGIO OFICIAL DE PSICÓLOGOS, 1997).

A Psicologia tem seu surgimento, no Brasil, com o seu reconhecimento enquanto profissão, pela Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. No entanto, bem antes deste reconhecimento, a Psicologia já se encontrava com o Direito desde a década de 50, quando os psicólogos eram convocados a fornecer pareceres sobre determinados perfis psicológicos, encaminhados pelo judiciário. Assim, como instrumento de avaliação e emissão de possíveis diagnósticos, não escapava à demanda que foi a ela atribuída: fazer intervenção e solucionar problemas de desajustamento em casos “considerados problemáticos”. Bernardi (2002) indaga que a Psicologia, em seu modelo inicial, pode ser considerada a partir de um enfoque pericial estrito, entendido como aquele que visa a oferecer ao juiz subsídios para uma decisão considerada justa, dentro do que a lei impõe.

Apesar do reconhecimento da Psicologia enquanto profissão ter ocorrido na década de 60, a sua regularização surgiu com a Resolução 014/2000, do Conselho Federal de Psicologia, instituindo-se a partir de então a titulação de especialista em Psicologia Jurídica, com delimitações de atividades relativas ao Sistema de Justiça, incluindo os poderes “Judiciário, Executivo, bem como o Ministério Público” (COSTA; CRUZ, 2005, p. 32). Entretanto, “a Resolução CFP nº 013/2007 revoga a resolução anterior, trazendo maiores especificações das funções de tal especialidade com previsibilidade de atuação no âmbito da Justiça” (ZOLET, 2009). Deste modo, tem-se a atuação da Psicologia Jurídica no âmbito do Direito Coletivo, Direito de Família, Direito da Infância e da Juventude, Direito Penal e Execução Penal, dentre outros.

A atuação do psicólogo na área jurídica teve seu início marcado pelo enfoque tradicional, na aplicação da Psicologia Científica aplicada ao Direito Positivo. Pressupostos positivistas que estruturaram as ciências humanas e sociais nos moldes das ciências naturais alicerçaram uma prática psicológica voltada para o exame e diagnóstico, ou seja, para processos de investigação (BERNARDI, 2002). Assim, inicialmente, o enfoque da Psicologia Jurídica diz respeito ao enfoque pericial, no sentido de oferecer subsídios ao juiz para a tomada de decisão, onde se encontra respaldo na chamada “Psicologia do Testemunho”, que trabalhava com a detecção dos falsos testemunhos, das técnicas de interrogatórios, etc.

Os métodos de obtenção de confissões foram sendo substituídos e aperfeiçoados por métodos de exploração psicológica, que visavam reconhecer a “verdade” nos processos criminais, através dos exames psicológicos (BERNARDI, 2002).

Os testes psicológicos, então em seu apogeu no Brasil, surgem como o dispositivo indicador de anomalias e desvios [...] Os testes psicológicos muito rapidamente vão se tornando o meio adequado para a determinação da imputabilidade e da periculosidade do réu ou do condenado. É nessa perspectiva de exame, de descoberta da Verdade interior, íntima, de cada um, que a Psicologia se aproximará do Direito (JACÓ-VILELA, 2005).

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tem- se uma modificação radical de entendimento, notadamente nos direitos fundamentais, previstos em seu art. 5º. Com essas modificações, passam a ocorrer, paulatinamente, maiores demandas e necessidades de uma adequação do judiciário, com decisões fundamentadas em análises mais aprofundadas da individualização, fato que provoca nos dias atuais uma corrida no sentido de maior preparo dos profissionais da Psicologia para atender a tal realidade, e crescente interlocução entre as duas áreas (ZOLET, 2009). Assim, outros enfoques vão surgindo e a Psicologia Jurídica, aos poucos, deixa de lado a questão do aprimoramento de técnicas psicológicas e focaliza seu trabalho no sujeito enquanto sua singularidade que pode ser trabalhada com diferentes tipos de práticas psicológicas.

Assim, concorda-se com o posicionamento de Brito (2002) de que o ponto chave da articulação entre a Psicologia e o Direito é a contínua reflexão crítica, o sentido entrelaçado entre estas duas ciências, e do que se pretende e entende por Psicologia Jurídica, no intuito de evitar que a interferência dos psicólogos se caracterize por legitimadora de controles sociais, segregações ou exclusões.

2.1 A Psicologia no Campo Penal

Os testes psicológicos, sendo de uso exclusivo dos psicólogos, possibilitaram a entrada da Psicologia nos tribunais, buscando a compreensão das atitudes delituosas e contribuindo com seus instrumentos técnicos para predizer os comportamentos. Através desses instrumentos de mensuração, as práticas psicológicas ofereceram suporte científico ao Direito, com a possibilidade de “predizer” a possibilidade do indivíduo vir a cometer outros delitos. “É, portanto, a faceta experimental dos estudos de processos psicológicos que fará a aproximação entre a Psicologia e o Direito” (OLIVEIRA, 2009, p. 31).

Atualmente, o questionamento acerca do papel do psicólogo no sentido de prever as possíveis atitudes delituosas do indivíduo está amparada pela Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP), n° 012/2011. O documento destaca no seu Art. 4°, § 1° que:

Na perícia psicológica realizada no contexto da execução penal ficam vedadas a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito-delinquente.

Em contrapartida, Bodstein (2007) afirma que os primeiros estudos acerca da aplicação da Psicologia no campo jurídico relacionam-se ao Direito Penal, tendo em vista que essa área encontrava-se em falta no que se refere aos estudos que versavam sobre o comportamento humano. Deste modo, a Psicologia emerge como uma disciplina que assessora o suporte científico ao tratar das condutas criminosas, aumentando as chances de conhecimento no que se refere a criminosos e a relação entre o crime e a loucura. “Enquadrar o indivíduo criminoso, fazer medições, realizar diagnósticos, atestar e comparar, passam a ser tarefas da psicologia enquanto ciência objetiva, normativa e auxiliar do Direito Penal em sua tarefa punitiva, retributiva e corretiva (OLIVEIRA, 2009, p. 36).

De acordo com Fonseca (2002), a busca por delimitar as capacidades do sujeito de direito é que esta sensibilidade médico-jurídica da loucura preparará o surgimento de uma psicologia. O autor inscreve a Psicologia e a Psiquiatria como saberes da Época Moderna, baseados em critérios de segregação dos indivíduos pertencentes ao domínio do normal ou do patológico. Conforme afirma Oliveira (2009), a Psicologia, ciência de moldes positivistas, capaz de aferir sensivelmente os dados que permitem a verdade sobre o sujeito, mensurar seus comportamentos, averiguar problemas de ajustamento, concluir pela sua normalidade ou diagnosticá-lo como louco é bem-vinda ao tribunal. Enquadrando-se, de acordo com a autora, nos mecanismos da disciplina.

A prática psi no âmbito jurídico, mais especificamente no campo penal, faz surgir questionamentos acerca do compromisso ético e social presentes nessa atuação. Foucault (2005) destaca que para que haja uma operacionalização eficaz do controle penal, este precisou de poderes paralelos à justiça, tais como a polícia para vigiar e as instituições psicológicas, psiquiátricas, médicas e pedagógicas para corrigir, seguindo a lógica neoliberal, onde um grande número de pessoas assume a função policialesca. Conforme BOCCO (2009),

Preocupados com a velha questão da hierarquia dos saberes e com o reconhecimento da profissão enquanto ciência, procuramos ocupar lugares de poder socialmente reconhecidos, é, pois, a parceria com o direito uma associação que se torna cada vez mais estreita, à medida que cresce o campo – e a autoridade – da chamada psicologia jurídica. Em tempo de suspeição generalizada, a elaboração de laudos, avaliações e relatórios psicológicos tornou-se uma das atividades mais requisitadas à psicologia e também um dos dispositivos mais empregados para estudo, registro e vigilância de comportamentos e de sujeitos (p. 117-118).

A Psicologia é formatada na medida em que a sociedade cria o status de sujeito, de individualidade, de identidade e da imagem e de bens capitalistas que viabilizam a categorização, separação e marcação das pessoas, a chamada disciplinarização. É a ciência que passa a ter o reconhecimento social de operar sobre os sujeitos. O que passou a interessar às autoridades foram os aspectos históricos e circunstanciais do criminoso, o que possibilitava ao sistema jurídico-penal julgar não só o crime, mas também o comportamento e as condições de subjetividade do delinquente, respaldado pelo conhecimento proveniente da Psicologia.

Durante muito tempo, os saberes e os fazeres da psicologia nas prisões estavam atrelados às teorias mais conservadoras sobre o crime, o criminoso e as prisões, cabendo aos profissionais da área o papel de operador do poder disciplinar. Pois, o ingresso da Psicologia nos sistemas prisionais foi marcado por uma atuação que visava corrigir os desvios, atestar irregulares e, como citado anteriormente, predizer comportamentos, tendo o poder de “enunciar a subjetividade” (PRADO FILHO; TRISOTTO, 2007, p. 12). Com as contribuições dos estudos foucaultianos sobre a prisão, com as contribuições do movimento da reforma penal internacional e com o desenvolvimento da cultura de direitos humanos, foram ampliadas as contribuições sobre o tema e criadas condições para a formação de um novo fazer psicológico (KOLKER, 2005).

O trabalho do psicólogo no campo penal, só foi delimitado de fato com a criação da Lei de Execução Penal (LEP), em 1984, quando uma nova política criminal e penitenciária começa a ser desenhada. Com a referida Lei, foram estabelecidas as novas condições que devem ser garantidas aos presos e internados para cumprimento de suas sanções, passando estes, a ter direito à assistência material, à saúde, à jurídica, à educacional, à social e à religiosa. A Lei de Execução Penal estendeu para as penitenciárias o campo de atuação do psicólogo e instituiu o exame criminológico e a Comissão Técnica de Classificação (CTC), dispositivos utilizados para fazer o acompanhamento individualizado da pena. Esta comissão

é composta por um psicólogo, um assistente social, um psiquiatra, dois chefes de serviço e presidida pelo diretor da unidade prisional (CRP-RJ, 2005).

O princípio da individualização, um dos princípios norteadores da LEP, ajusta a execução da pena ao preso condenado, com “o objetivo de adequar o tratamento penitenciário às características e necessidades de cada preso” (RAUTER, 1989, p. 9). A LEP também instituiu o sistema progressivo de cumprimento de pena (regime fechado, semi–aberto e aberto), que objetiva reintegrar gradativamente o condenado ao convívio social. Assim, a pena deverá ser cumprida gradativamente em regime cada vez menos rigoroso, até que o apenado receba a liberdade condicional e finalmente a liberação plena. Durante esse tempo, ele deve ser acompanhado por equipe multidisciplinar, cabendo ao psicólogo, em conjunto com outros profissionais que compõem a CTC, avaliar suas condições. Com o texto da Lei de Execução Penal o legislador contempla a atuação do psicólogo no sistema prisional, com uma convocatória de características laudatória, avaliativa, normalizadora e corretiva (NASCIMENTO, 2009). Desse modo, o saber da psicologia enquadra-se num saber de vigilância e de correção.

Em 2003, a nova lei 10.792 alterou os artigos 6° e 112 da LEP e, assim, suprimiu o acompanhamento da execução da pena pela CTC e o exame criminológico para os benefícios legais do livramento condicional e da progressão de regime, respectivamente, passando a ser exigida, tão somente, a declaração de comportamento carcerário do preso emitida pelo diretor do estabelecimento prisional (CRP-RJ, 2005). A partir daí, emerge uma nova possibilidade de reposicionamento para a psicologia no que se refere ao sistema prisional: a função pericial perde espaço para a construção de políticas públicas, pautadas na ética e na compreensão da psicologia como compromisso social que se constitui enquanto ciência e profissão.

É importante destacar a concepção trazida pelo Conselho Federal de Psicologia acerca da atuação do psicólogo no âmbito prisional. A Resolução do n° 012 de 2011, do referido Conselho, em seu Art. 4°, alínea b, traz que

a partir da decisão judicial fundamentada que determina a elaboração do exame criminológico ou outros documentos escritos com a finalidade de instruir processo de execução penal, (...), caberá à(ao) psicóloga(o) somente realizar a perícia psicológica, a partir dos quesitos elaborados pelo demandante e dentro dos parâmetros técnico-científicos e éticos da profissão.

Como citado anteriormente, ao psicólogo, é proibida a elaboração de qualquer documento que indique a probabilidade de alguém praticar ou tornar a praticar um crime. Propõe-se a intervenção pautada na promoção da autonomia, na desconstrução de estigmas, atuação em processos interdisciplinares, promoção de intersetorialidade de projetos de saúde com os de integração social (NASCIMENTO, 2009).

Ao psicólogo, cabe o questionamento sobre suas práticas e sobre os efeitos que estas podem produzir, sendo aposta para a Psicologia a produção coletiva de análises e estratégias, para o enfrentamento dos tensionamentos, colocados na atualidade mediante pequenas ações cotidianas, micropolíticas, etc. Desse modo, produzir, de fato, uma prática voltada para a integração social, almejando prosseguir na construção de uma forma de lidar com a criminalidade pautada pela prevenção, educação, justiça e responsabilização dos sujeitos e da sociedade, define a atuação do psicólogo na esfera penal.

2.2 O Psicólogo e a PSC

O contexto de aplicação, execução e monitoramento das penas restritivas de direito é de natureza jurídica, psicossocial e pedagógica. De acordo com Alencar (2009) a intervenção da equipe técnica, em articulação com o Juízo da Execução e dos Juizados Especiais Criminais, insere-se em um contexto de política criminal e penitenciária, direcionada para a prevenção criminal e seu resultado dirigido para a fiel aplicação de uma pena ou medida alternativa em execução. A autora discorre que a demanda do trabalho é jurídica, com natureza penal e seguindo o tratamento legal em todos os procedimentos e consequências.

Sobre a atuação dos psicólogos na esfera das alternativas penais, Roehring (2007) argumenta que o amplo acesso à justiça pela sociedade, mencionando Roehrig e Siqueira (2007, p.187), depende do reconhecimento mútuo das diferentes ciências, pois é na articulação de diversos saberes que se torna viável alcançar práticas institucionais mais