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CAPÍTULO 4 PARENTALIDADE E A PRAXIOLOGIA DA DISCIPLINA

4.1 A PARENTALIDADE DEMOCRÁTICA

Partindo do princípio de que a família não é algo natural, biológico, mas uma instituição criada pelos homens em relação a uma determinada época, local e circunstâncias a responder às necessidades sociais, e assim, sendo “uma instituição social, possui também para os homens uma representação que é socialmente elaborada e que orienta a conduta de seus membros.” (REIS, 2012, p. 102).

Do tempo dos reis e servos, passando pela Magna Carta, as revoluções americana e francesa e a Guerra Civil, até nossos tempos atuais, a humanidade veio percebendo, pouco a pouco, que o homem é feito igual, não apenas perante a lei, mas igual, também, à vista de seu semelhante. A implicação deste crescimento é que a democracia não é apenas um ideal político, mas um modo de vida. Mudanças rápidas acontecem, porém poucos têm consciência da natureza dessas mudanças. Foi, em grande parte, o impacto da democracia que transformou a nossa esfera social e fez com que os métodos tradicionais de educação de nossas crianças se tornassem obsoletos. (DREIKURS; STOLZ, 1964, p. 15)

Singly (2011) assevera que a família moderna é relacional e individualista; nesta concepção, a maternagem37 também configura uma condicionalidade surgida mediante as necessidades evolutivas sociais. Observando-se o comportamento relacional dos pais, percebe-se que o interesse e a dedicação à criança se manifestam ou não.

Torna-se indispensável a reflexão sobre o papel dos pais na sociedade atual, buscando-se questionar a diferença entre maternidade/paternidade com a maternagem, num contexto que se impõe, de cunho ainda bastante teórico, do respeito aos melhores interesses da criança e ao princípio da afetividade.

No âmbito de uma família democrática, o autoritarismo deve ceder espaço à solidariedade e o relacionamento entre genitor e filho passa a ter como objetivo primordial o desenvolvimento saudável da personalidade do filho, e, portanto, o exercício de seus direitos fundamentais, com vistas a edificação de sua dignidade como pessoa humana autônoma. A autoridade parental, neste aspecto, em muito se distancia da perspectiva tanto de poder como de dever, para exercer uma função de instrumento afetivo facilitador da construção da autonomia responsável do filho. Nisto consiste atualmente o ato de educar uma pessoa em fase de desenvolvimento, conforme demandam o princípio da paternidade responsável e a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. (MORAES; TEIXEIRA, 2013, p. 2142)

37 Termo usado para explicar o conjunto de atributos necessários a qualquer pessoa (independente do gênero: mãe, pai, avós, tios, cuidadores, entre outros) que tenha predisposição de acolhimento (afeto, cuidado, proteção, doação, ensino, conexão, etc.) das necessidades e capacidades da criança em cada fase de seu desenvolvimento. (OLIVEIRA, 2012)

A socialização presente nas relações entre pais e filhos é uma preocupação emergente, levando-se em conta as influências do capitalismo e da opressão sofridas pelas crianças no sentido de serem enquadradas no que é estipulado pela sociedade. A relação pais e filhos ainda, em muitas situações, “é o condutor do comportamento autoritário dos responsáveis pelas crianças.” (GUERRA, 2001, p. 153).

A falta de sensibilização dos sofrimentos suportados pela criança no interior de suas casas, promovida pela ausência da maternagem, a prática da insignificância existencial da criança continuará sendo “tomado como irrelevante e totalmente trivializado, por tratar-se “apenas de crianças”. Em 20 anos, essas crianças tornar-se-ão adultos que farão seus filhos pagar a conta.” (MILLER, 1997, p. 75). Assim, “Não esqueçamos que os pais estão sempre tão emaranhados na trama de seus métodos antigos e tradicionais, que não conseguem se libertar rapidamente.” (ADLER, 2003, p. 153).

A educação patrocinada pelos pais difere da escolarização e pode coexistir em diversos ambientes sociais. De acordo com Giddens (2012, p. 590), “a educação pode ser definida como uma instituição social, que possibilita e promove a aquisição de habilidades e conhecimento e a ampliação dos horizontes pessoais”. Adler, há quase 100 anos, iniciava o capítulo VIII de seu livro A ciência de Viver com a seguinte indagação: Como devemos educar os nossos filhos? E na sequência, afirmava que “Isso representa, talvez, a questão mais importante da vida social de hoje.” (ADLER, 1956, p. 201). Essa fala demonstra que as incertezas sobre a melhor forma de educar é uma constante na vida em sociedade, impossibilitando identificar uma única maneira de conduzir a criança para o mundo social adulto com perfeição. Para ele, a educação das crianças, tanto informal como a formal, representa uma “tentativa para exteriorizar e dirigir personalidades” para se adaptarem “à condição de membros da sociedade.” (ADLER, 1956, p. 201).

A maioria dos pais deseja mesmo um filho perfeito, que tenha sucesso na escola, nos esportes, que ganhe medalhas nas competições e tire somente notas exemplares. Querem mostrar os filhos para os outros, sentir orgulho e até mesmo esperam que os filhos realizem coisa que não conseguiram realizar. Nós também queremos que eles nos obedeçam incondicionalmente. Será que isso é bom? Um filho que, no futuro, não consiga distinguir entre um bom e um mau comando e obedeça sempre, não importa o que aconteça? É claro que não, não é? Às vezes os pais repetem sem pensar “que sorte que seu filho é assim, tão estudioso ou obediente”. Veja bem, ter um filho feliz, bem educado é fruto de estratégias educativas e não um golpe de sorte! (WEBER, 2017, p. 15)

Singly (2011) divide a história da família moderna em dois momentos, a da primeira modernidade, compreendida do fim do século XIX até o ano de 1960, tendo como características incontestes a força do casamento, a divisão do trabalho entre homem e mulher, e a atenção à criança quanto à saúde e educação. A segunda modernidade é marcada pela intensificação da individualidade e da transformação dos laços familiares, oportunizando uma maior valoração do membro da família (figura própria) do que necessariamente a soma do círculo doméstico. Com esta perspectiva de individualidade é que a criança vem conquistando uma nova natureza social, como ser humano, sobrepondo a díade filho e/ou aluno.

De acordo com Giddens (1999), as relações familiares, „tecido mais amplo da vida social‟, estão se modificando na mesma intensidade que a família tradicional está ficando restrita ao imaginário conservador. As mudanças apontam para a democratização da família em uma combinação das escolhas individuais e da solidariedade social. Held (1990) ressalta que a liberdade e a igualdade representam a linha condutora de todos os modelos de Democracia.

No entanto, há uma confusão altamente difundida sobre a aplicação dos princípios democráticos. Em consequência, temos frequentemente confundido permissividade com liberdade e anarquia com democracia. Para muitos, democracia significa liberdade de fazer o que bem se entende. Nossos filhos chegaram ao ponto de desafiarem as restrições, porque acham que têm o direito de fazer o que bem entendem. Isto é permissividade, não liberdade. (DREIKURS; STOLZ, 1964, p. 17)

A família, frente à inclusão da liberdade e individualidade em seu meio, está paulatinamente se democratizando, tendo como parâmetro o processo da democratização pública. Em especial, aos valores transfigurados em direitos, a exemplo do respeito, da igualdade, da liberdade de expressão, da convivência familiar, da autonomia, da proteção de todos os tipos de violência e da responsabilidade mútua entre os seus membros. Ainda é um ideal a ser perseguido, no entanto, é perceptível a mudança, de maior ou menor escala, nas famílias da atualidade. (GIDDENS, 1999)

Na proposição democrática do compartilhamento entre o „casal‟ pelos cuidados das crianças, a relação pais e filhos segue para o ideal da substituição da autoridade/subordinação pela negociação/cooperação. Considerando que os alicerces da Democracia, como a dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, são imprescindíveis à cidadania, a educação dos filhos é movida pela participação nas decisões familiares, respeitadas as limitações da idade. Na transmutação da categoria instituição para instrumento de desenvolvimento individual, a

autoridade não deixa de existir, mas fica diluída pela liderança e senso de pertencimento (SIERRA, 2011).

Para Freire (1996) a prática da autoridade democrática tem como ponto central a segurança em si mesma, afastando o discurso impositivo de mandonismo e a auto-imposição de legitimidade. Nesta condição, a arte de ensinar traz em seu bojo inúmeros requisitos que convalidam a liderança e a capacidade de rever-se. A educação não é uma trilha para a obediência, ao contrário, representa o caminho para a condução do educando para intervir no mundo.

A assunção de responsabilidades pelas ações praticadas esta diretamente vinculada ao posicionamento ético frente à liberdade, da qual não se omite ou suprime, num processo contínuo de transição (aprendizado) entre a dependência e a autonomia. Ensinar exige comprometimento e exemplo, procurando sempre diminuir a distância do que se fala com aquilo que se faz; do que se parece com aquilo que de fato é. “A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado.” (FREIRE, 1996, p. 106)

O pertencimento se perfaz com a sensação de inclusão em um grupo, não com a simples presença física, mas como parte interativa do todo (respeitadas às contradições), considerando sua real importância para o funcionamento do conjunto interpessoal. A criança pertence e corresponde quando tem nítida a sensação de que sua participação é importante, necessária e valorada pelos adultos (NELSEN, 2015).

Dreikurs ressalta que a igualdade não se confunde com uniformidade, mas no imperativo de semelhança quanto às idênticas necessidades de respeito e dignidade. O senso de superioridade dos pais em relação aos filhos é resultado da imposição cultural marcadamente conduzida pela “origem de nascimento, fortuna, sexo, cor, idade ou sabedoria. Nenhuma capacidade, ou traço individual, pode ser garantia de superioridade ou de direito de dominação.” (DREIKURS; STOLZ, 1964, p. 16).

As relações interpessoais sempre foram permeadas por muitos modelos de submissão.

Naquela época havia muitos modelos de submissão. O pai obedecia ao chefe (que não estava interessado em suas opiniões) para não perder o emprego. Minorias aceitavam funções submissas que geravam grande perda de sua dignidade pessoal. Atualmente, todos os grupos minoritários exigem seus direitos de igualdade e dignidade de forma absoluta. É raro encontrar alguém que esteja disposto a aceitar um papel inferior e submisso na vida. As crianças estão simplesmente seguindo os exemplos que observam ao seu redor. Elas também querem ser tratadas com dignidade e respeito. (NELSEN, 2015, p.2)

A parentalidade autoritativa é a que mais se identifica com o sistema democrático, em razão de apresentar um alto grau de responsividade e de exigência, com a interação de regramentos, controle afetivo, protetivo e, ao mesmo tempo, concebendo a autonomia e o encorajamento para a liberdade. Valoriza prioritariamente o diálogo, e reconhece, de fato, a criança como um indivíduo, com características, capacidades e qualidades próprias. Entretanto, todos os demais estilos parentais podem ser sintonizados nos ditames democráticos, desde que oportunizada uma modificação cognitiva sobre os efetivos direitos do ser humano em fase de desenvolvimento, que, por ainda estar em formação, carece do benefício de direitos específicos e de proteção especial. O poder dos pais continua a ser exercido, porém, harmonizado com os direitos da criança (SINGLY, 2011).

Temos grande admiração e simpatia pelos pais que desejam cumprir seu papel com responsabilidade, mas, frequentemente, se deparam com uma tarefa para a qual não estão preparados. Assim como as crianças, os pais também necessitam de treinamento. Um treinamento que desenvolva respostas novas para a provocação da criança pode levar a novas atitudes e abrir novos caminhos para as relações mais harmoniosas. (DREIKURS; STOLZ, 1964, p. 10)

Segundo Nelsen (2015), a relação pais e filhos é repleta de episódios preenchidos pelo confronto e disputa pelo poder, e que dessas experiências resultam intermináveis provações de autoridade e obediência ou a sua fuga, seja pelo conformismo ou afastamento. “Os adultos realmente têm dificuldades em desistir da punição.” (NELSEN, 2015, p. xxiii).