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CAPÍTULO II O lugar do desastre e da incidência das políticas públicas

3.1 Políticas Públicas e Participação Popular

3.1.3 A participação na construção das políticas públicas

A democracia pressupõe a participação popular nos rumos da governança, ou seja, nas definições das políticas públicas que visem o bem estar de todos.

É comum falar de participação popular em todos os seguimentos da sociedade no Brasil: burocratas, políticos, movimentos sociais. Mas qual o significado da participação para atores tão distintos? DAGNINO (2005) apud CORNWALL, ROMANO, SHANKLDAND (2007) trazem a reflexão de que afirma existir uma “confluência perversa” em torno do conceito de participação, duas versões que se tornaram parte do discurso contemporâneo no Brasil:

“Segundo a primeira versão, participação é “um projeto construído em torno da ampliação da cidadania e do aprofundamento da democracia”; de acordo com a segunda, está “relacionada ao encolhimento das responsabilidades do Estado e a progressiva retirada do Estado do seu papel garantidor de direitos” (DAGNINO, 2005, p. 158)

Assim, a participação está sempre em disputa nos espaços públicos, onde são apresentadas lógicas distintas a partir dos interesses dos atores envolvidos. Cornwall et al. (2007) relatam que em seus estudos de casos percebem as tensões dessa “confluência perversa”, assim como as múltiplas possibilidades de participação no Brasil.

“Cada um desses significados da participação dissemina-se no como e resulta em, diferentes significados e práticas de cidadania, direitos e democracia. O rótulo que se dá à “participação” – e quem dá – é uma questão profundamente política. E os significados que diferentes atores trazem para um mesmo espaço podem descrever expectativas e envolvimentos completamente diferentes.” (CORNWAL et al., 2007, p. 259)

Os autores em seu trabalho trazem outro elemento da participação para além da participação “convidada”, qual seja, a contribuição em espaços consolidados, mas também os mutirões, empates e greves, como modo de engajamento público. Se a participação implica em uma disputa política a respeito da formulação das políticas, os métodos, instrumentos de luta e resistência dos movimentos sociais devem ser potencializados a fim de que as pautas e ideias sejam consideradas na efetivação das mesmas. Segundo os autores:

“Se ampliarmos nossa noção de participação para abranger o envolvimento da população marginalizada na construção da cidadania, também podemos identificar os métodos e práticas relacionados ao processo de reivindicação de cidadania enquanto formas de participação. Ao fazer isso, voltamos a colocar a pobreza, a marginalização e a desigualdade como questões políticas, e não apenas assuntos técnicos ou burocráticos. (DAGNINO, 2005 CORNWAL et al., 2007, p. 260)

A ideia de que a participação está para além dos espaços formais é importante quando falamos de políticas públicas para atender a população afetada por eventos naturais, pois a maioria da atuação do poder público se dá em regime de emergência. Como não existem espaços formais de participação120, é preciso considerar novas formas de expressão política de interesses, no intuito de garantir que a população afetada contribua com a construção e implementação das políticas de assistência e reconstrução dos territórios afetados pelos desastres.

Além disso, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil é uma política nova em que os espaços de conferência nacional, estadual e municipais estão ocorrendo como primeiras experiências. O desafio de consolidação da participação popular em espaços formais e informais se impõe à sociedade para que se promova a democracia e o acesso a direitos.

Sobre a participação formal, vale ainda destacar o resultado de uma pesquisa solicitada pelo IPEA sobre “Governança Democrática no Brasil Contemporâneo: Estado e Sociedade na

Construção de Políticas Públicas”121 realizada pelo Instituto Pólis e INESC. A pesquisa analisou 178 deliberações de treze conferências nacionais para refletir sobre a efetividade da participação no Brasil.

As conferências nacionais são consideradas arenas público-estatais orientadas para a formulação de políticas públicas e são um espaço de influencia de diversos atores e operam em nível de articulação desde a esfera municipal. (IPEA, 2012 p. 06/07)

O modelo institucional que hoje se apresenta, Conselhos e Conferências, teve questionada a sua efetividade, vez que muitas das deliberações não são executadas pelo poder público. O debate sobre a ampliação da participação, a visibilidade das políticas e dos direitos também são uma constante nos debates das Conferências. O controle orçamentário e a eficácia da atuação dos conselheiros se colocam como desafio: é preciso avançar na participação no sentido de definir prioridades e gastos públicos. É preciso intervir na gestão do Estado de forma que a participação se apresente em todos os níveis. (IPEA, 2012, p. 31)

A pouca eficácia desse modelo participativo tem impulsionado a sociedade civil a considerar novas formas de participação como articulação de movimentos, fóruns temáticos, em que a sociedade civil possa intervir nos espaços formais articulada em propostas e força política.

A construção de políticas públicas sem a participação popular é uma afronta à democracia e ao Estado Democrático de Direito e deve ser evitada, mesmo em casos de desastres e de riscos socioambientais, em que o discurso da emergência e da especialidade se sobrepõe aos avanços democráticos deste país, desconsiderando o acúmulo social e político para garantir a participação dos afetados nos processos decisórios.

A participação no contexto de desastres deve iniciar desde a gestão das emergências até a execução das obras, para redução das vulnerabilidades que colocam um território em risco por eventos extremos. É possível realizar um planejamento de intervenção estatal em que as prioridades de obras e dos recursos a serem aplicados sejam definidas e geridas pela população.

A contratação de mão de obra local pode não só fortalecer a fixação do território como reduzir os custos das intervenções, fortalecendo a autoestima do afetado que sairia da condição de vítima para sujeito político construtor dos rumos de sua própria história.

121 O documento pode ser encontrado em

3.2 A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e sua relação com as