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CAPÍTULO II O lugar do desastre e da incidência das políticas públicas

2.1. Petrópolis e vulnerabilidades socioambientais

O município de Petrópolis está localizado na Região Serrana64 do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Estão nesta região, os municípios de Areal, Bom Jardim, Cantagalo, Carmo, Cordeiro, Duas Barras, Macuco, Nova Friburgo, Santa Maria Madalena, São José do Vale do Rio Preto, São Sebastião do Alto, Sumidouro, Teresópolis e Trajano de Morais.

O município tem uma área total de 797,1 quilômetros quadrados, correspondentes a 11,5% da área da Região Serrana. Os limites municipais, no sentido horário, são: Paty do Alferes, Paraíba do Sul, Areal, São José do Vale do Rio Preto, Teresópolis, Guapimirim, Magé, Duque de Caxias e Miguel Pereira.65

64 Região Serrana em razão da Serra dos Órgãos.

Mapa 1 – “ Região Serrana.

Fonte: DER 2006 apud SOCIOECONOMICO.TCE 2010.

De acordo com o Censo do IBGE realizado em 2010, Petrópolis tem uma população de 296.044 habitantes66.

O município está localizado em parte dentro da APA67 de Petrópolis, ocupando cerca de 68,32% do seu território. A APA foi criada pelo Decreto Federal n.o. 87.561 de 13 de setembro de 1982. A Área de Proteção Ambiental da Região Serrana de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, foi delimitada em 1992, através da Lei 6.902/1981. Esta unidade de conservação, com área de 59.618 hectares, abrange parte dos municípios de Petrópolis, Guapimirim, Duque de Caxias e Magé, sendo que Petrópolis contribui com 68,32% do seu

66 Site do IBGE acessado em 05 de julho de 2011: http://www.ibge.gov.br/cidades.

67 O Art. 15 da Lei 9.985/2000, que trata do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, define a Área de Proteção Ambiental: Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

território, Magé com 16,75%, Duque de Caxias, 4,54% e Guapimirim com 10,39%. (PAIVA, 2010). Segundo Paiva:

“A APA Petrópolis engloba, parcial ou integralmente, treze áreas protegidas: Reserva Biológica do Tinguá; Reserva Biológica Estadual de Araras; Área de Preservação Permanente do Alcobaça; Parque Municipal do Taquara; Parque Municipal da Serra da Estrela; Zona de Vida Silvestre de Araras; Zona de Vida Silvestre da Maria Comprida; Estação Ecológica Paraíso; Reserva Particular do Patrimônio Natural El Nagual; Reserva Particular do Patrimônio Natural Fazenda Querência; Reserva Particular do Patrimônio Natural Graziela Maciel Barroso; Reserva Particular do Patrimônio Natural Fazenda Limeira e Reserva Particular do Patrimônio Natural Pedra dos Amarílis. Faz limite com o Parque Nacional da Serra dos Órgãos.” (PAIVA, 2010, p. 34)

Uma característica importante da APA de Petrópolis deve-se ao fato de ser densamente povoada e com características de relevo bastante acidentadas, solo muito arenoso, provocando deslizamentos naturais e com índices pluviométricos altos.68

A existência de inúmeras áreas de proteção ambiental potencializou o conflito entre ocupação humana e preservação da natureza. Embora a APA seja um modelo de proteção ambiental que suporte a intervenção humana, as Reservas de Proteção Integral existentes no município reforçam um ideário preservacionista em detrimento da ocupação humana. Segundo o Plano de Manejo produzido pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente), a APA:

“Possui em seu território uma sede municipal e sede de dois outros distritos, totalizando uma população de aproximadamente 300 mil habitantes. Sua principal tendência de uso da terra está voltada para a ocupação e expansão urbana. São poucas as áreas com tendência de uso menos intensivo, voltado, por exemplo, para a agropecuária.” (Plano de Manejo do MMA – Resumo Executivo, p. 03)69

Esta região tem sido historicamente ocupada de forma desordenada, não existindo políticas públicas efetivas para se pensar a ocupação do solo e a preservação de áreas ambientais. A convivência entre a urbanização desordenada e a preservação ambiental tem sido uma constante daquela região em razão da APA ter uma vocação urbana, como dito pelo próprio estudo do MMA, devendo ser pensada a sua gestão em consonância com os limites e problemas da cidade.

68 A geomorfologia e movimentos de massa também são bastante discutidos. Sua ocupação nas encostas, aliada a uma natureza bastante íngreme, fizeram de Petrópolis a campeã em desastres decorrentes de movimento de massa. Para ver mais: GUERRA ET TAL (2007)

Essa situação é agravada quando falamos de uma região de índice pluviométrico alto e de relevo bastante acidentado, que é acometida, reiteradamente, por fortes chuvas seguidas por desastres socioambientais que vitimam inúmeras pessoas anualmente.

Em Petrópolis, podemos identificar na fala das pessoas o registro de algumas tragédias: em fevereiro de 1988, 134 pessoas morreram soterradas por deslizamentos, desabamentos ou levadas pelas águas. Foram atingidas, igualmente, desde casas muito simples até mansões. Em dezembro de 2001, a cidade chegou a ter 1.500 pessoas vivendo em abrigos.70 Com as chuvas de 2011, contabilizou-se 6.223 desalojados, 191 desabrigados e 71 mortos71.

O Atlas de Desastres Naturais do Estado do Rio de Janeiro72 identificou o número de acidentes declarados pelas autoridades municipais na região serrana do Rio de Janeiro. Segundo o Atlas, em Petrópolis, os desastres acontecem principalmente por meio de movimentos de massa, decorrentes de sua geomorfologia e aliada a uma grande ocupação urbana nos períodos entre novembro e fevereiro, período de chuvas fortes.

“Os movimentos de massa compõem o grupo de desastres naturais relacionados com a geomorfologia, o intemperismo, a erosão e a acomodação do solo. Na classificação adotada no Atlas foram agrupados os seguintes eventos naturais no grupo: escorregamentos ou deslizamentos; corridas de massa; rastejos e quedas, tombamentos e/ou rolamentos de matacões e/ou rochas.” (ATLAS, p. 47)

O estudo demonstra que Petrópolis foi atingida por movimentos de massas 17 vezes entre os anos de 1991 e 2010, sendo o município mais afetado por este tipo de evento no Estado do Rio de Janeiro.73

É interessante perceber que os movimentos de massa acontecem naturalmente na região, mas apenas causam desastres onde existe ocupação humana. Desta forma, o documento relaciona os desastres com o uso e ocupação do solo, apresentando uma introdução sobre a questão habitacional do país. (ATLAS, p. 47)

No que diz respeito às ocorrências de desastres naturais por movimentos de massa e os respectivos danos humanos, o que chamamos de desastres, o estudo constatou que entre 1991 e 2010 foram afetadas 855.987 pessoas no Estado do Rio de Janeiro . Além disso, 48.995

70 Informações obtidas no CDDH de Petrópolis. 71 Informações obtidas na imprensa de Petrópolis.

72 Publicação do Ministério da Integração Nacional, disponível em http://150.162.127.14:8080/atlas/Atlas%20Rio%20de%20Janeiro.pdf. 73 Idem, p. 47.

pessoas foram desalojadas; 23.839 desabrigadas; 5.639 deslocadas; 41 continuam desaparecidas; 1.174 ficaram levemente feridas; 86 gravemente feridas; 645 enfermos e ocorreram 1.287. (ATLAS, p. 48)

O município de Petrópolis teve 354.807 pessoas afetadas, 41,45% do total do Estado. Considerando que o número de habitantes do município são 295.917 (IBGE, 2010), os dados comprovam que muitos deles foram afetados mais de uma vez pelos movimentos de massa, entre os anos de 1991 e 2010. (ATLAS, p. 48).

Embora exista essa vulnerabilidade ambiental e amplo conhecimento a respeito dos movimentos de massa no município, bem como da necessidade de construção de processos de adaptação e resiliência aos eventos extremos potencializados pelas mudanças no clima, as leis municipais ou as políticas públicas, principalmente a habitacional, não demonstram preocupação com essas tragédias. São anos de silenciamento diante dos grandes problemas enfrentados pela população, em razão da ausência de políticas públicas que reduzam os riscos.

O Atlas apresenta o quadro de injustiça ambiental da região quando relaciona os afetados pelos desastres ao déficit habitacional identificado pelo IBGE nos municípios. Pelas informações colhidas pelo Ministério da Integração Nacional, a afetação pelos eventos naturais está diretamente relacionada à vulnerabilidade social existente no município.

A relação entre vulnerabilidade e direito à moradia tem sido pouco considerada pelos gestores públicos. Embora a vulnerabilidade socioambiental tenha sido apresentada como uma das causas dos desastres socioambientais e violadora do direito à moradia, a redução das mesmas ainda não é prioritária para investimentos.

Nestes casos, consideramos como violação ao direito à moradia a definição de um território como área de risco passível de remoção, sem alternativas que garantam a dignidade da vida humana e a participação popular.74

De acordo com as novas legislações de Proteção e Defesa Civil, o município deverá mapear todas as suas áreas de risco e promover realocações de moradores que estão nestas áreas. Todavia, esse trabalho não tem sido feito, embora se esteja desenhando os mapeamentos de riscos na cidade. Há um silenciamento sobre a questão: as comunidades que

74 O informe da 16ª Reunião da ONU da Relatoria de Direito à Moradia, apresentado em 20 de dezembro de 2010, aponta que a garantia da efetivação da política de reconstrução das moradias afetadas por desastres naturais é a participação popular e o reconhecimento das múltiplas formas jurídicas de organização social, devendo ser garantido, na medida do possível e com o consentimento dos interessados, o território e a qualidade dos serviços públicos.

sofrerão intervenção municipal para o deslocamento compulsório sequer conhecem o fato de terem seu território mapeado.

Para falar sobre a questão da moradia nos referenciamos no Plano Municipal de Habitação por Interesse Social, elaborado e apresentado à sociedade ainda em 2012. Este estudo conseguiu relacionar as áreas de assentamentos precários às áreas de risco, permitindo pensar uma proposta de intervenção mais objetiva para a redução das vulnerabilidades socioambientais. A redução das vulnerabilidades de assentamentos precários pode ser uma porta de entrada para a construção de políticas públicas efetivas que devem ser consideradas ao longo deste estudo.

Conforme veremos neste capítulo, a desigualdade urbana, a injustiça ambiental, a falta de políticas públicas, principalmente de direito à cidade, não são apontadas como causas dos eventos extremos e, consequentemente, a implementação de tais direitos tampouco são apontados como necessários à redução de vulnerabilidades e riscos.