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CAPÍTULO II O lugar do desastre e da incidência das políticas públicas

2.3. Os diagnósticos sobre o lugar da tragédia

2.3.3. Diagnóstico realizado pelo Grupo de Trabalho de Segurança Ambiental da

Em junho de 2011, a pedido do Ministério Público Estadual, foi produzido um estudo sobre as razões ambientais que provocaram o desastre de janeiro de 2011, por vários profissionais especialistas na área: engenheiros agrônomos, geógrafos e biólogos. Não consta no documento como foram escolhidos, ao que parece, pelo conhecimento na região serrana. O

trabalho teve o apoio institucional da Repsol S.A, TV Globo, Prefeitura Municipal de Petrópolis, MMA-ICMBio, CONCER, Mosaico Ambiental Ltda., Embraero e Predicópias.

Para a compreensão dos eventos foi definida como metodologia:

“ 1) Realização de vistorias diretamente nas áreas afetadas e nas supostas áreas-fonte dos movimentos de massa deflagrados em alta encosta; 2) Obtenção e exame de dados cartográficos relacionados à bacia hidrográfica e Região Serrana, na qual se encontrava inserida a localidade do Vale do Cuiabá. Num movimento praticamente simultâneo, passou-se a integrar os dados que chegavam do campo àqueles disponíveis nas bases cartográficas, com objetivo de gerar reflexão, com a máxima lógica possível.” (AMPERJ, 2011, p. 12)

O relatório com cerca de 60 páginas, descreve os movimentos de massa ocorridos no dia 11 de janeiro de 2011 e inicia tentando explicar o fenômeno meteorológico, depois a relação entre florestas e solos, e então fala sobre as dimensões humanas dos acontecimentos, seguindo as conclusões com 10 sugestões ao Ministério Público Estadual.

Vale destacar as considerações apontadas a respeito da Mata Atlântica e de seu solo frágil, pobres em nutrientes, sem enraizamento profundo, que dificultam a estrutura dos solos. Segundo os estudiosos, embora a maioria dos escorregamentos tenham ocorrido em áreas naturais, mesmo estes foram provocados pela ação humana, vez que a história de Petrópolis conta que aquela região fora devastada desde o século XVIII para a criação de pastagens (p. 22). Assim puderam concluir:

“Por fim, para concluir os esclarecimentos sobre o papel da vegetação, em consórcio com os solos, na proteção das encostas, deve-se ter em mente que, havendo condições mecânicas para que uma encosta entre em colapso, em face de solifluxão, nenhuma vegetação será capaz de impedir que isso ocorra. Seu enraizamento superficial, com baixos índices de biomassa subterrânea, além da impossibilidade de resistência contra o peso imposto pelas imensas massas de solo, pela força da gravidade, torna impossível semelhante tarefa. O grande equívoco interpretativo, quanto à capacidade da floresta de evitar fenômenos desta natureza, reside em crer que os efeitos da vegetação sejam de resistência mecânica.” (AMPERJ, 2011, p. 26)

Após identificar as dificuldades de convivência do homem com a Mata Atlântica, os especialistas tentam relacionar a atuação do homem na natureza e as consequências nefastas nas vidas das pessoas. A relação de devastação está clara e condenada pela legislação ambiental. Bem no início do subtítulo, os autores são claros ao afirmar:

“A destruição, evidentemente, não se limitou às áreas legalmente protegidas, mas concentrou nelas seus maiores efeitos: 72,4 % dos movimentos de massa ocorreram em APPs, a maioria APPs de margem de rio (39%) e declividade superior aos 45°(13%). Ou seja, a maioria das vítimas foi feita em áreas que a Legislação reconhecia como sendo NÃO EDIFICÁVEIS e vedadas à ocupação.” (AMPERJ, p. 40)

Justificando a ação humana como uma ilegalidade, imprudência e imperícia, os autores avançam da necessidade de mudanças de paradigmas de compreensão dos fenômenos naturais, devendo modificar até mesmo leis, para que a segurança ambiental seja preservada e pessoas sejam protegidas. Sem mencionar quem atuou com negligência, imprudência ou imperícia, propõem o rigor das leis e do cumprimento das mesmas pelo Poder Público a fim de que se estabeleça a Segurança Ambiental:

“Esse diagnóstico reforça o conceito, cada vez mais aceito, de que as áreas de preservação permanente (APPs) ou faixas marginais de proteção (FMPs) transcendem sua função de proteção da natureza, para se constituírem em áreas de segurança para o próprio ser humano, razão maior da conservação do ambiente (SEGURANÇA AMBIENTAL). Deveriam, portanto, ser demarcadas a partir de estudos geomorfológicos e hidrológicos, onde fossem analisados os processos, prioritariamente a meros limites artificiais usualmente definidos, em tabelas arbitrárias e desconectadas da realidade.” (AMPERJ, 2011, p. 46)

O conceito de Segurança Ambiental, embora apresentado desde início quando definiram o nome do Grupo de Trabalho, não foi explicitado a nenhum momento. Para os autores, ao que parece, tal segurança é definida por áreas que não impõem risco de escorregamentos, alagamentos, etc. Está diretamente relacionada às áreas de proteção ambiental e à necessidade de esvaziamento humano. A consequência desse raciocínio é a indicação de que todas as áreas atingidas pelo desastre sejam consideradas como áreas de risco e imediatamente esvaziadas para se evitar novas tragédias.

Ainda, o estudo detalhado de todas as possíveis áreas de risco, com cartas geotécnicas, estudos minuciosos, a fim de que de que todas essas áreas sejam esvaziadas, proibindo novas construções em áreas já apontadas como de risco, mas que ainda não atuou o Poder Público e que todas as regiões de risco sejam transformadas em Unidades de Conservação para preservação ambiental.

O relatório é bem ilustrativo quanto à “ambientalização” do conflito entre meio ambiente e direito à moradia na região serrana, principalmente por trazer uma linha

interpretativa da vulnerabilidade da mata atlântica diante da ação do homem e da fragilidade dos argumentos de reflorestamento e de proteção das matas nativas.

Deixa de apresentar uma visão de meio ambiente mais multidisciplinar da área histórica e social, desconsiderando as questões da construção social do espaço urbano. A Mata Atlântica tem sido habitada e urbanizada desde o descobrimento do Brasil e é dessa relação entre o homem e o meio ambiente que se poderá encontrar algumas soluções para a redução das consequências dos eventos extremos. O meio ambiente não é mais a floresta de modo isolado, mas sua interação do homem em suas diversidades de classe. (GUERRA e CUNHA, 2005)

Ocorre que o entendimento apresentado pela AMPERJ convence operadores do Direito: membros do Ministério Público, Juízes, advogados, em razão das limitações na formação socioambiental destes profissionais. A consequência é uma visão mistificada do discurso técnico e uma falta de sensibilidade de perceber as mazelas das famílias que residem nestes territórios, que agora são apontados como de risco. A tendência é a criminalização e culpabilização dos afetados, como se a eles restasse outra ocupação urbana que não a irregular e insegura.85

2.3.4 Relatório de visita técnica no Vale do Cuiabá, Petrópolis-RJ, realizada pela APEA