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CAPÍTULO II O lugar do desastre e da incidência das políticas públicas

2.3. Os diagnósticos sobre o lugar da tragédia

2.3.4. Relatório de visita técnica no Vale do Cuiabá – Petrópolis /RJ realizada pela

O presente relatório foi realizado em 05 de abril de 2012 pela APEA (Associação Petropolitana de Engenheiros e Arquitetos), por solicitação da Frente Pró Petrópolis (FPP), para ser entregue ao Ministério Público Estadual, tendo em vista que mais um ano tinha se passado da tragédia e existiam muitas denúncias a respeito da omissão e má gestão do dinheiro público contra o Poder Público Estadual, a partir do INEA.

Os profissionais que participaram do estudo definiram como intencionalidade da atuação “contribuir para que as ações de Governos possam ter critérios técnicos bem definidos em projetos com a finalidade de minimizar os danos causados pelas chuvas na região e apresentar sugestões para as ações necessárias a serem implementadas pelos diversos Poderes Públicos do Estado do Rio de Janeiro e Governo Federal.” (APEA, 2012, p. 02).

85 Aqui não é diferente do debate de criminalização da pobreza, em que os pobres são potenciais contraventores, ilegais e para evitar tamanhas violações, mais leis, mais fiscalização e mais punição.

O Relatório é formatado com uma descrição geral do evento, ressaltando os deslizamentos e consequências; diagnóstico da causa dos eventos, apontando, além das chuvas, o desmatamento de mais de 1.500 ha de mata e reforçando a necessidade de reflorestamento para estabilização da bacia hidrográfica; conclusões e considerações.

Este relatório nos chama a atenção porque, embora reconheça o desmatamento, a atuação do ser humano na natureza de forma predatória e a ocupação indevida de áreas protegidas por lei, sugere algumas recomendações que superam a simples remoção, sinalizando a possibilidade de redução dos riscos e construção de políticas públicas de intervenção de engenharia.

Conclusões estas que foram ignoradas pelos gestores do INEA e que continuam presentes no debate “técnico”, vez que os autores do laudo participam de várias frentes de fiscalização do poder público, inclusive assessorando o Ministério Público Estadual.

Os estudos são construídos a partir de uma visão da Bacia do Cuiabá como uma grande concha assim visualizada:

Figura 3- Bacia Hidrográfica do Vale do Cuiabá.

Vista geral da última bacia hidrográfica drenante do afluente localizado à esquerda, no final do Vale do Cuiabá. (APEA, 2012, p. 03)

Por verem a bacia como uma concha, os desmatamentos provocados pelos grandes proprietários de terra têm mais impacto na drenagem do rio do que a ocupação em si da margem e devastação da mata ciliar, porque, sem floresta, a bacia enche muito rápido. Assim,

os fundamentos técnicos apontados por este estudo poderiam ter alterado até o número de casas consideradas em área de risco pelo INEA e a consequente regularização fundiária em favor das famílias, vez que o atual Código Florestal autoriza a ocupação, desde que fora de área de risco.

As considerações apontadas foram:

1. Indícios de Negligência- apresentam que viram indícios de abandono do Poder Público Municipal e Estadual. O rio assoreado, casas com focos de mosquitos de dengue, ruas sem asfalto.

2. Indícios de Má Execução – a dragagem e bota fora dos rios foi feita de forma equivocada e sem proteção. O rio era desassoreado e imediatamente a areia voltava para dentro. A equipe reforçou o que estava sendo denunciado há um ano pelos moradores.

3. Ações nas Encostas e Fundos de Vale – a equipe propõe o reflorestamento de toda área, obrigando os proprietários a fazerem com o apoio do poder público. Adicionalmente, deve haver obras nas encostas dos morros para promover a recarga dos lençóis freáticos. Estas obras podem ser: as soleiras de encostas, as valas de terraceamento e as bacias de recarga. Também sugerem a construção de bacias de retenção de água nas encostas para amortecer os picos de cheias.

Figura 4 – Esquema de obras apresentado pela APEA.

Croquis esquemático de algumas obras e atuações de encostas usuais indicadas para a regularização espacial de vazões fluviais visando a atenuação às secas e enchentes em bacias hidrográficas. (Fonte: APEA, 2012, p. 24)

4. A priorização da construção de pequenas e médias barragens formando reservatórios de cheias para controlar as trombas d’água que podem vir a descer dos rios afluentes ao Vale do Cuiabá nas épocas de chuvas intensas. Sobre o assunto vale destacar a seguinte opinião dos autores: “Os reservatórios de cheia são uma obra de engenharia fundamental para evitar ou reduzir bastante as tragédias de inundações de áreas ocupadas pelo ser humano, como a ocorrida no Vale do Cuiabá.” (APEA, 2012, p. 26)

5. Estímulo ao Turismo e ao Abastecimento de Água Sustentável. Usar a preservação e a potencialidade ambiental da região para gerar renda aos moradores da região.

7. Medidas de Educação Ambiental e Sobre Riscos e Segurança. A proposta é de conscientização dos riscos e aprender a se relacionar com a natureza. Aqui os autores destacam a necessidade de retirada da população que se encontra em alto risco, demonstrando que as medidas sugeridas tendem a reduzir os riscos existentes.

O presente estudo não foi incorporado em nenhuma ação promovida pelo INEA na região do Vale do Cuiabá. Optou-se por reformar a calha do rio, retirar as famílias, numa obra que os engenheiros da APEA, neste momento, chamam de irresponsável e imperita.

As obras sugeridas reduziriam os impactos de chuvas em grande escala, tão rotineiras na região, mas também reduziriam a área de risco e distribuiriam responsabilidades ambientais para além dos impactados pelo evento natural. Grandes proprietários de terra na região teriam que aceitar a intervenção governamental para garantir a segurança na posse dos pobres que foram diretamente atingidos pelas chuvas.

Atualmente, existe um debate na região, recebido pelo MPE, da necessidade de se rever as obras do INEA tendo em vista que elas não são suficientes para conter as chuvas, caso ocorra outro evento das mesmas proporções. Segundo os autores deste relatório, como o INEA não reflorestou nem os topos de morro e nem as áreas de preservação permanente, muito menos fez as contenções e barragens, limitando-se apenas em plantar grama no local e retirar famílias, se chover e acontecer os escorregamentos de massa previstos como possíveis, nem as casas das pessoas estarão lá para segurar a enchente. Portanto, ela descerá rio abaixo provocando novas vítimas que ainda não tinham sido atingidas, englobando toda Itaipava. Segundo os técnicos, com a atuação do INEA, a próxima tragédia terá muito mais afetados.

2.4 Vale do Cuiabá, Itaipava, Petrópolis. Conhecendo seu território para além da