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CAPÍTULO II O lugar do desastre e da incidência das políticas públicas

2.2. A questão da moradia em Petrópolis

Quando falamos do direito à moradia na cidade de Petrópolis dizemos que é um direito a ser conquistado pelos trabalhadores. A maioria da população pobre reside em assentamentos precários, sem segurança na posse e convivendo com chuvas e tragédias que acontecem ano a ano. As políticas públicas de acesso à moradia nunca foram implementadas de fato, ensejando num déficit habitacional popular que aumenta a cada ano após as chuvas.

O Plano Municipal de Habitação por Interesse Social (PLHIS/2012) realizado pela Prefeitura Municipal de Petrópolis75, em novembro de 2012, demonstra uma fragilidade legal para a aquisição de terrenos e destinação à habitação popular. O Plano Diretor, em vigor na época, não trazia os instrumentos garantidos pelo Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001, bem como as garantias constitucionais referentes ao direito à moradia. Com isso, faltou planejamento e execução de políticas para efetivação do direito à moradia para a população mais carente, até a data de realização do estudo.

O novo Plano Diretor76 da Cidade, promulgado em 28 março de 2014, visou trazer os instrumentos da política urbana previstos no Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, bem como incorporar as determinações da Lei de Proteção e Defesa Civil, Lei 12.608/2012.

O Plano Diretor ao tratar sobre a política habitacional, em seu artigo 32, estabelece como os principais objetivos da política: a garantia da moradia digna, a recuperação dos assentamentos precários, dotando-os de infraestrutura e segurança ambiental, a regularização fundiária e a realocação de famílias residentes em áreas de risco. Destaque-se:

“Art. 32. São objetivos da política habitacional: (...)

III - Garantir a realocação habitacional de famílias com residências em áreas de risco, conforme levantamentos realizados para elaboração do Plano Local de Habitações de Interesse Social - PLHIS;

(...)” (Lei Municipal de Petrópolis 7.167 de 28.03.2014)

Pela primeira vez, a realocação de famílias cujos lugares de moradia foram considerados área de risco pela precariedade social vivenciada são tomados como alvo da política habitacional do município, afirmando que essa demanda de realocação fora apontada em um estudo específico, o PLHIS, todavia, não definindo a forma, os critérios, o planejamento de como essa realocação deverá acontecer.

Em seguida, o artigo 33 estabelece as diretrizes para a implementação da política habitacional no município, ou seja, as prioridades de como se pretende alcançar os objetivos mencionados no artigo 32. Para tanto, propõe o incentivo à criação de novos assentamentos habitacionais, estruturados, que permitam o acesso a equipamentos públicos e infraestrutura urbana, reforçando os planos de habitação popular e a inclusão desses novos assentamentos à cidade.

Se um dos objetivos é realocar populações de áreas de risco e a forma é com a criação de novos assentamentos, parece-nos que a indicação de áreas de risco com a consequente realocação compulsória de famílias residentes nestas áreas será um grande debate para os próximos anos no município.

76 A determinação de que todas as cidades com mais de 20.000 habitantes devem fazer o Plano Diretor está na Constituição Federal, artigo 182, sendo um instrumento básico para a política de desenvolvimento urbano. Em uma cartilha de formação do Instituto Polis, o conceito de Plano Diretor é: “é uma lei municipal que deve ser elaborada com a participação de toda a sociedade. Ela organiza o crescimento e o funcionamento do município.” Disponível em http://www.polis.org.br/uploads/959/959.pdf

Considerando as questões ambientais, a precariedade das moradias de baixa renda, a falta de acesso a políticas sociais e de inclusão na cidade, a tendência é que quase todos os bairros pobres de Petrópolis sejam considerados como áreas de risco. A definição de priorizar a construção de novos assentamentos pressupõe a violação de direitos importantes à população como a sua territorialidade, relações sociais, acesso a trabalho, transporte público, saúde educação.77

A questão das áreas de riscos e da prevenção dos desastres aparece no novo ordenamento municipal como um ponto importante, tendo em vista a necessidade dos municípios se adequarem à legislação federal e passarem a considerar a prevenção de desastres como o principal instrumento de planejamento urbano.

Dentro da Política Ambiental (Art. 18, II), está expressa a atribuição de redução dos desastres e o Art. 19 criou um Plano Municipal de Mitigação de Riscos em Encostas e Margens dos Rios, que deveria ser entregue em 270 dias, a partir de 02 de abril de 2014, data da publicação do Plano Diretor, a ser realizado pela Defesa Civil Municipal em colaboração com a Secretaria de Habitação, utilizando os documentos elaborados no âmbito do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), relativos às margens de rios.

A estrutura do documento também foi definida em Plano Diretor. Segundo o artigo 20 deverá conter:

“Art. 20. O escopo de tal documento deverá seguir o seguinte roteiro:

I - Identificar evidências de risco em encostas e em margens de rios, analisando os condicionantes geológico-geotécnicos e ocupacionais que as determinam;

II - Avaliar a probabilidade de ocorrência de processos associados a escorregamentos de encostas e cheias, bem como processos correlatos que possam afetar a segurança de moradias, infraestrutura viária e equipamentos públicos;

III - Delimitar os setores de encostas e margens de rios que possam ser afetados por cada um dos processos destrutivos potenciais identificados, e definir as obras de contenção ou hidrológicas adequadas à eliminação ou mitigação dos riscos decorrentes, bem como as ações de recomposição de cobertura vegetação recomendáveis em cada caso;

IV - Levantar o número de moradias de cada setor de risco e avaliar o custo-benefício de realização das obras mencionadas no inciso anterior em relação a processos de realocação habitacional;

V - Apoiar e capacitar os Núcleos Comunitários da Defesa Civil - NUDEC’s para reconhecimento e observação de situações de risco na

77 Há que se considerar que Petrópolis conta com uma péssima estrutura de mobilidade urbana e acesso à saúde. Atualmente, emergências médicas são atendidas por UPAS no centro da cidade ou no Bairro de Cascatinha. Algumas localidades têm que viajar de ônibus até 3 horas para acessar a uma emergência, como nos distritos de Secretário, Posse, Itaipava, etc.

comunidade, para atuação em campanhas comunitárias de Redução de Riscos de Desastres, e para multiplicação de conhecimento dos requisitos mínimos para os setores de abastecimento de água, saneamento e promoção de higiene; segurança alimentar e nutrição; abrigo, restabelecimento e ação local para a saúde;” (Lei Municipal de Petrópolis 7.167 de 28.03.2014)

Quando o Plano Diretor do Município de Petrópolis estabelece a priorização e a metodologia da definição das áreas de risco sem, no entanto, fortalecer a política habitacional de construção de unidades habitacionais, corre-se um sério perigo de apontar as áreas de risco sem oferecer soluções que garantam o direito à moradia digna aos moradores, numa tendência à criminalização dos assentamentos irregulares, responsabilizando a população por seus infortúnios, como se fossem uma questão pessoal e não uma questão política.

A metodologia apresentada pelo Plano Diretor não valoriza a participação e o conhecimento popular na construção do diagnóstico e de soluções eficientes para a redução dos riscos. O discurso “técnico” mais uma vez utilizado em detrimento do saber local aponta a realocação, o que para nós sempre se apresenta como remoção, porque arbitrária, como solução para a redução dos riscos.

Percebe-se um grande interesse do poder público e do legislativo municipal em definir critérios sobre as realocações das áreas de riscos. Após o desastre de 2011, o Plano Diretor é a lei municipal que mais trata do tema e que ainda está em fase de implementação.

Mesmo com um Plano Diretor atualizado, a Lei de Uso e Parcelamento do Solo do município, lei 5.393 de 25 de maio de 1998, encontra-se defasada e vem sofrendo alterações por todo esse tempo numa tentativa de adequar a lei ao Ordenamento Jurídico Nacional em vigor, como Estatuto da Cidade. A avaliação do estudo realizado pelo PLHIS/2012 sugere que a lei seja revista no intuito de utilizar os instrumentos normativos previstos no Estatuto da Cidade, e agora no Plano Diretor, a fim de que se consiga liberar áreas urbanas consolidadas e estimular a construção de unidades habitacionais, aumentando o padrão construtivo do município. (PLHIS, 2013p. 87)

No próprio documento, os pesquisadores apontam que, diante da Lei municipal restritiva, a gestão pública tem usado como metodologia a criação de exceções com a elaboração de novas leis. Chama-nos a atenção suas inúmeras alterações para criação de áreas de interesse social, principalmente para a construção de programas como Minha Casa Minha Vida. Entre 2011 e 2014, foram criadas nove áreas de interesse social, entre elas uma no Vale do Cuiabá.

A falta de uma política nacional de habitação eficiente e a transferência de recursos para o programa MCMV (Minha Casa Minha Vida)78, faz com que o município tente ao máximo se adequar a esses padrões de acesso a recurso público, pois esta requer o interesse da iniciativa privada, o construtor. Em 20 de dezembro de 2013, o município aprovou a Lei 7.140 com incentivos fiscais para as empreiteiras que queiram realizar o MCMV. A Prefeitura tem anunciado a construção de 2000 unidades habitacionais até o final do seu governo para atender a demanda de vítimas das tragédias no município sem, no entanto, terem anunciado o início das obras.

Todavia, é preciso ressaltar que mesmo antes dos estudos de áreas de risco, a serem feitos pela Defesa Civil, o PLHIS/2012 prevê um déficit habitacional entre 2010 e 2023 de 17.106 unidades habitacionais. Um problema que requer uma solução rápida, bem planejada, com recursos públicos, participação popular e muita vontade política.

O debate do risco social se aproxima da questão habitacional numa perspectiva de que moradia é um direito. Todavia, o entendimento do que seja morar com dignidade não é apresentado sob nenhuma hipótese.

No caso do Vale do Cuiabá, percebemos que a intervenção estatal após a tragédia serviu para se definir conceitualmente e metodologicamente a necessidade de se tratar a “natureza” em detrimento do “social”, como se estas opções fossem isentas de sentido. Um pensamento enviesado em que: se o homem sofre com a natureza porque está em local indevido, logo devemos tirá-lo e preservar a natureza desse grande impacto. Por outro lado, a solução mais viável economicamente também é tirar o homem desse lugar de atrito entre natureza e social, gerando uma necessidade de movimentação de pessoas, de construção de casas, de relação entre Estado e construtoras e mobilização de recursos financeiros.

Nossa pretensão, a seguir, é demonstrar a partir de distintos estudos realizados na região do Vale do Cuiabá, após as chuvas de 2011, como se constrói o discurso técnico da remoção e da preservação da natureza.

78 O Minha Casa Minha Vida (MCMV) é uma política federal que transfere recursos públicos para a iniciativa privada construir unidades habitacionais. O valor é transferido por unidade habitacional e depende do interesse da construtora.