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A Percepção dos direitos negados e os direitos reivindicados

DEMANDAS COLETIVAS

CONDIÇÕES DAS INSTITUIÇÕES PARA TRATAMENTO EM SAÚDE MENTAL

8.3.2 A Percepção dos direitos negados e os direitos reivindicados

A diversidade de temas mencionados aborda direitos relativos à liberdade de escolha, de trabalho, de renda e de moradia, acrescida da menção aos direitos à saúde, à informação, ao acesso às políticas públicas de saúde, de assistência social e de segurança que compõem, em sua essência, o respeito ao exercício de cidadania desses indivíduos.

Direito de escolha, de trabalho, de renda e de moradia:

“Acho que o acesso ao trabalho é um direito muito negado e é difícil, também, garantir esse direito. Depois eu acho que tem, porque isso envolve direito a ter um acesso à renda, sobrevivência e tudo mais. E moradia, também, acho que é uma questão que não se resolve. É muito difícil, pessoas com transtorno mental alguns também não conseguem viver sem um acompanhamento próximo, então, a família também não quer, e aí a rede de saúde não tem residência terapêutica pra todo mundo, alguns casos nem é caso de residência. Eu acho que isso é um nó, garantir essa questão mais estrutural, sabe? Do trabalho, renda e moradia. Eu acho mais difícil” (ADP 02).

“Pessoas sem acesso a condições mínimas, até financeiras pra qualquer coisa, pra comprar qualquer coisa que eles queiram, pra escolher comprar o que eles queiram, pra ter essa independência; muitos deles têm um benefício que fica administrado por outra pessoa, em caso de interdição. Isso é gritante e a pessoa não tem nenhuma participação naquilo. Muitas vezes não pode escolher o que fazer, que atividades frequentar porque tem que ficar em casa porque muitas vezes a família acha que não vai dar conta. Então, acho que é isso, essas escolhas de o que fazer da vida mesmo, desde atividade, desde com quem se relacionar, por exemplo. Lembrei-me de uma pessoa que estava grávida, pessoa com transtorno mental, e aí a família procurou a gente que queria uma interdição dela. Aí conhecendo a história, enfim, ela ia ter o filho e queria que o pai da criança visse, ficasse com ela na maternidade e a família não queria. E aí, com a justificativa de que ela tem transtorno mental, a família queria que esse pedido dela não fosse respeitado. Não! Ela é louca, não tem que ouvir isso, a gente sabe o que é melhor pra ela! Desde isso até outras coisas mesmo, né, o que fazer, do que participar, até onde ir. Esse direito de escolher, de participar, de integrar na sociedade. Acho que tem uma tendência, ainda, de ficar isolado em casa, de ficar restrito no universo familiar e não poder se desenvolver em outras atividades” (ADP 04).

Direito à saúde:

“Só o fato daqui não ter um CAPS de saúde mental já é o maior direito negado, o direito à saúde deles, ao tratamento, isso é básico [...]. Existe muito a cultura da

internação aqui. A pessoa que tem um problema psiquiátrico precisa ser internada. E se tivesse outros mecanismos, outros órgãos, outras possibilidades, talvez aquilo não fosse necessário [...]. O Hospital Dia aqui é muito bom. A pessoa vai, faz o tratamento e vai embora. Só que são poucas vagas [...]. Então, se tivessem mais serviços como o Hospital Dia, por exemplo, talvez diminuísse o número de internação; se tivesse um CAPS estruturado com todo o equipamento de saúde mental que na lei fala que tinha que ter, as internações diminuiriam bastante, ia desafogar essa fila de internações. Mas não é só aqui, todas essas cidades aí, é muito pequeno o número de cidades que têm todos os equipamentos da rede de saúde mental. Então, complica. Se tivesse, talvez melhorasse a situação” (ADP 01).

“Quando a família procura a gente, eu tenho a impressão de que o direito mais negligenciado é do tratamento, do acompanhamento, e aí a família chega, por exemplo, a família ou pra um do uso abusivo de drogas ou pro transtorno mental a família chega com o pedido de internação. Porque culturalmente ainda é muito forte na mídia, pra questão de drogas então, tem um estigma de vamos internar essas pessoas, internação é a solução e pro transtorno mental ainda tem forte. Então, a pessoa chega com essa demanda, mas a família, eu tenho a impressão que a maioria dos casos que a gente orienta na perspectiva da política antimanicomial, a possibilidade dos CAPS e tal, a gente vê que a demanda deles é, realmente, o acompanhamento, né, não é uma internação necessariamente, é realmente de ter algum suporte” (ADP 04).

Acesso às políticas públicas de saúde, de assistência social e de segurança:

“No primeiro atendimento, a pessoa que vem muitas vezes é assim não aguento mais. Ele quer ter direito a sossego. Em segundo lugar, é que o familiar seja curado da doença dele. Depois que você identifica, conscientiza, conversa e explica, eles querem ter. Normalmente vem o familiar que tem uma convivência mais saudável e pacífica. Porque são casos de convivência difícil por histórico de violência, por causa do uso abusivo, ou até por acometimento de infração penal ali dentro de casa pra conseguir sustentar o vício [...]. Buscar que sejam atendidos os direitos básicos nas redes de atendimento, que ele esteja num centro de saúde mais adequado, que ele tenha um serviço social que dê um melhor encaminhamento, um programa habitacional que atenda a necessidade da população e um programa de segurança pública que seja mais consciente das dificuldades, das necessidades, das mazelas e não simplesmente que trate das questões com violência. Porque a gente vê assim oh! O meu familiar, ele tem problema, ele furta, mas ele sai na rua e eu quero acorrentar ele. Porque quando ele sai na rua, ele apanha da polícia. Porque ele é pego comprando droga e ele não vai ser preso apesar da previsão, dão um cacete e vão embora. Então, proteção!” (DP 01).

Direito à informação:

“O que eu sinto que falta mesmo é a orientação, o esclarecimento. Muitas vezes a família vai a qualquer lugar, vai à Defensoria Pública. Então a pessoa chega aqui com certo esgotamento, mas eu já fui lá, eu já fui aqui, ninguém resolve, vocês também não querem resolver. Não, não é que a gente não quer resolver, a gente precisa orientar e ver o que é que pode ser feito, então, daí, fazer os contatos, se for necessário, com os locais pra eu tá devolvendo, mandando pro lugar certo” (ADAS 01).

Direito de ser repeitado, de ser cidadão:

“Eu quero consumir de um modo controlado que não me prejudique, mas ainda que eu use, que seja recreativamente, que seja. Eu sou uma pessoa honesta, eu posso trabalhar, eu tenho amor à minha família, não é a droga que me faz ser diferente. Aparece esse sofrimento, é nítido isso. Eu não sou um vegetal incapaz por causa disso. Eu posso ter alguns extremos que sejam problemáticos, mas eu quero ter meus direitos, também. Eu quero ter meu direito de escolha, não é você que pode escolher por mim se eu vou ser internado ou não, quanto tempo que eu vou ficar porque eu quero ter acesso. Eu sou pessoa, eu sou cidadão e tenho direito a tudo e não é esse uso problemático que me faz menos gente que os outros” (DP 01).

Em resposta à questão inicial proposta para a presente etapa do estudo, identifica- se que ao dar a palavra aos profissionais para que diante de todo o público atendido pela DPESP procurassem descrever quem são as pessoas que apresentam demandas pertinentes à saúde mental, o leque de sofrimento vivenciado por essas pessoas se abre para um conjunto amplo de dificuldades e de violências. Foram dois caminhos explorados, um deles em que a busca pelo serviço é individual e nesse eixo foram enfatizadas as temáticas familiares e relativas à infância, à violência doméstica, divórcio e disputa pela guarda de filho e, ainda, disputa por bens, interdição e internação de familiares. Merece destaque a ênfase apresentada reiteradamente sobre o uso abusivo de drogas (principalmente, o crack) e à violência doméstica. A busca individual registrou, também, os casos em que a capacidade de pensamento do usuário do serviço encontra-se alterada, com delírios persecutórios descritos com diferentes temáticas e que motivam a procura pela instituição com a expectativa de efetivação de defesa diante das ameaças sofridas.

Em um segundo eixo temático, identificou-se situações em que as formas de sofrimento atingem uma coletividade: as dificuldades para transporte de deficientes; violência contra moradores de rua provocadas pela guarda municipal; inexistência de medicamentos e de tratamento adequado; violência vivida em Comunidades Terapêuticas, em instituições totais e asilares; não cumprimento da legislação para a implementação de CAPS; não cumprimento (ou parcial) da política de desinstitucionalização dos tratamentos de saúde mental.

Especificamente, em relação à percepção dos profissionais sobre os direitos que consideram negados (e/ou reivindicados) às pessoas com demandas de saúde mental, a ênfase recaiu sobre o direito à liberdade de escolha; ao trabalho; à renda; à moradia; ao acesso às políticas públicas de saúde, de assistência social e de segurança; à informação; ao respeito e à cidadania.

direção da investigação do entendimento das estratégias para o seu atendimento e sobre a proposta de uma política institucional de ampliação do acesso à justiça.