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Objetivos Específicos

3. CAPÍTULO 1 SAÚDE NA AGENDA INTERNACIONAL E

3.3 A proteção e a promoção da saúde no Brasil

3.3.1 O Sistema Único de Saúde (SUS)

O SUS foi estruturado a partir de princípios universalistas e igualitários, fundamentado na concepção de saúde enquanto direito de todos e dever do Estado.

O nosso sistema público de saúde tem uma dimensão verdadeiramente universal quando cobre indistintamente todos os brasileiros com serviços de vigilância sanitária de alimentos e de medicamentos, de vigilância epidemiológica, de sangue, de transplante de órgãos e outros. No campo restrito da assistência à saúde ele é responsável exclusivo por 140 milhões de pessoas, já que 48 milhões de brasileiros recorrem ao sistema de saúde suplementar, muitos deles acessando concomitantemente o SUS em circunstâncias em que o sistema privado apresenta limites de cobertura. O SUS constitui a maior política de inclusão social da história de nosso país [...]. A instituição da cidadania sanitária pelo SUS incorporou, imediatamente, mais de cinquenta milhões de brasileiros como portadores de direitos à saúde e fez desaparecer, definitivamente, a figura odiosa do indigente sanitário (MENDES, E., 2013, p. 28).

O SUS foi estabelecido na Constituição de 1988 como uma reivindicação central do Movimento da Reforma Sanitária. Nesse sentido, Sarlet e Figueiredo (2014) enfatizam que eventuais ações tendentes a aboli-lo ou esvaziá-lo deverão ser avaliadas em sua constitucionalidade. Ressaltam que a constitucionalidade do SUS como garantia institucional fundamental significa que a efetivação do direito à saúde deve conformar-se aos princípios e diretrizes pelos quais foi estabelecido nos artigos 198 a 200 da CF: unidade, descentralização, regionalização e hierarquização, integralidade e participação da comunidade (SARLET; FIGUEIREDO, 2014).

Estabelecido e regulamentado pela própria Constituição de 1988, o SUS teve seus objetivos especificados na Lei 8.080/1990: (i) a identificação e divulgação dos fatores

17 Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da

condicionantes e determinantes da saúde; (ii) a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do dever do Estado de garantir a saúde; (iii) a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (BRASIL, 1990a).

Dentre os princípios e diretrizes estabelecidos na constituição para a garantia do direito à saúde, o princípio da unidade é entendido como sendo o SUS o único sistema de saúde que, embora com descentralização de ações, se submete a uma única direção em cada nível do governo. Isso implica que todos os serviços públicos de saúde, incluindo os de saúde complementar, são pautados por políticas e comando únicos.

Em respeito às necessidades de adaptação da assistência à saúde ao perfil epidemiológico local, o SUS deve operar segundo o princípio da descentralização, constituindo-se enquanto uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e de serviços de saúde.

A descentralização da assistência à saúde dá-se primordialmente pela municipalização, com a prestação dos cuidados de saúde primordialmente pelos Municípios, em detrimento do estado e, supletiva e subsidiariamente, pela União. Isso não exclui a atuação direta do ente central em certas situações, quer para a garantia da necessária harmonização prática entre os princípios constitucionais da eficiência, da subsidiariedade e da integralidade do atendimento, pois a assistência à saúde deve ser executada por quem possua condições para efetivá-la da melhor forma (isto é, com melhor qualidade e condições de acesso), quer em decorrência de uma obrigação de permanente aperfeiçoamento do sistema, notadamente para assegurar equilíbrio à distribuição de recursos (financeiros e sanitários) e equidade no acesso à assistência (SARLET; FIGUEIREDO, 2014, p. 123).

Os serviços de saúde deverão ser organizados hierarquicamente. Isso significa dizer que a assistência à saúde se desenvolve dos cuidados mais simples aos níveis mais altos de complexidade: de serviços comuns a todos os municípios ou ações de atenção básica, passando por assistência de média e de alta complexidade, centralizadas em municípios maiores, para serviços especializados disponíveis em grandes centros do país.

Outro importante princípio é o da integralidade, segundo o qual o dever do Estado não pode ser limitado, mitigado ou dividido, tendo em vista que a saúde como bem individual, coletivo, e de desenvolvimento, pressupõe uma abordagem assistencial completa ou integral (DALLARI; NUNES JUNIOR, 2010). Esse princípio determina que a cobertura oferecida pelo SUS seja a mais ampla possível. Atribui-se prioridade às atividades preventivas, às ações de vigilância sanitária, saneamento básico e à garantia de um ambiente sadio. É pautado, também, nos princípios da razoabilidade e da eficiência. O princípio da integralidade reflete a ideia de que os serviços devem ser tomados como um todo, harmônico e contínuo, de modo

que sejam articulados e integrados em todos os aspectos (individual e coletivo; preventivo, curativo e promocional; local, regional e nacional) e níveis de complexidade do SUS (SARLET; FIGUEIREDO, 2014). A Constituição dispõe que o SUS deve oferecer “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo das assistenciais”. Nesse sentido, a diretriz de integralidade das ações e serviços de saúde

representa um importante instrumento de defesa do cidadão contra eventuais omissões do Estado, pois este é obrigado a oferecer o atendimento integral, ou seja, os cuidados de saúde cabíveis para cada tipo de doença, dentro do estágio de avanço do conhecimento científico existente (AITH, 2006; VENTURA, 2011).

O SUS também se caracteriza pela participação da comunidade, tanto na definição, quanto no controle social das políticas de saúde. A participação da comunidade é diretriz constitucional básica que deve ordenar as ações e serviços públicos de saúde. A gestão governamental das ações e serviços públicos de saúde deve ocorrer no âmbito da democracia sanitária, uma forma de gestão da saúde pública em que o poder político é exercido pelo povo. A Lei 8.142/1990 (BRASIL, 1990b) criou duas instituições jurídicas importantes que institucionalizam a participação da comunidade no SUS: as Conferências, em que representantes de vários segmentos sociais fazem proposições para as políticas públicas; e os Conselhos de Saúde, órgãos permanentes e deliberativos, que atuam no planejamento e controle. Trata-se de mecanismos previstos para a participação da comunidade na formulação, gestão e execução das ações e serviços públicos de saúde, incluindo a normatização. Importante ressaltar que em razão da participação da sociedade ter que ocorrer por exigência legal, não há recursos se não houver Conselhos (DALLLARI, NUNES JUNIOR, 2010; MENICUCCI, 2014; SARLET; FIGUEIREDO, 2014; VENTURA, 2011; VIEIRA, 1999).

Ao realizarem estudo comparativo sobre o sistema de participação do Brasil com os sistemas da Inglaterra e da Itália, Serapioni e Romaní (2006) ressaltam a peculiaridade do caráter deliberativo dos Conselhos de Saúde do Brasil, devido à participação social diretamente no processo de decisão. Entretanto, os autores identificam que a experiência brasileira não tem demonstrado que existam significativas vantagens pelo fato de os conselheiros usuários participarem do fórum com caráter deliberativo. Segundo os autores, os porta-vozes dos cidadãos nos Conselhos se encontram em posição de desvantagem em relação aos outros segmentos, o que acaba por se tornar um fator de desmotivação e de afastamento dos usuários dos serviços de saúde. Nesse sentido, recomendam aos órgãos de representação dos cidadãos:

presente tanto nas instituições sanitárias como na comunidade; escutar a voz dos pacientes; levantar as necessidades dos usuários e as falhas do sistema dos serviços. Dessa forma, os fóruns poderiam reforçar sua representatividade e conseguir exercer uma maior influência. Deveria, em outras palavras, desenvolver um modelo de participação que trouxesse sua legitimação, ação e força contratual da relação intensa com os cidadãos (SERAPIONI; ROMANÍ, 2006, p. 2419).

Quanto ao primeiro grande princípio do SUS, está definido no artigo 196 da Constituição: o Estado deve garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços públicos de saúde. Esse princípio implica que as ações e serviços públicos de saúde oferecidos devem estar acessíveis a todos os que deles necessitem e devem ser fornecidos de forma igualitária e equitativa (AITH, 2006; ROCHA, 1999; VENTURA, 2011). Sarlet e Figueiredo (2014), ao se referirem à titularidade universal do direito à saúde prevista na Constituição como um direito a ser assegurado a todas as pessoas, ponderam que isso não impede diferenciações na aplicação prática da norma, notadamente quando sopesada com o princípio da igualdade, uma vez que tais princípios, embora correlacionados, não se confundem.

A titularidade universal não se confunde com a universalidade de acesso ao SUS, que poderá eventualmente sofrer restrições diante das circunstâncias do caso concreto, sobretudo se tiverem por desiderato a garantia de equidade do sistema como um todo – dando-se prevalência ao princípio da igualdade (substancial), que pode justificar discriminações positivas em prol da diminuição das desigualdades regionais e sociais, ou da justiça social, por exemplo (SARLET; FIGUEIREDO, 2014, p. 119).

Para que se possa ter dimensão do alcance do SUS, Mendes, E. (2013) ressalta dados do Sistema: quase seis mil hospitais e mais sessenta mil ambulatórios contratados, mais de dois bilhões de procedimentos ambulatoriais por ano, mais de onze milhões de internações hospitalares por ano, aproximadamente dez milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia por ano, mais de duzentas mil cirurgias cardíacas por ano e mais de 150 mil vacinas por ano. Carvalho (2013), ao se referir aos dados de 2012, com ênfase no total de procedimentos das três esferas de governo, destaca que “o total de procedimentos chegou a 3,9 bi. Só de internações, 11 mi, sendo 3,3 mi de cirurgias, 2 mi de obstetrícia e 6 mi de internações clínicas. Exames, 887 mi, incluindo os bioquímicos e os de imagem. Ações de prevenção, 587 mi” (CARVALHO, 2013, p. 25).

Mendes, E. (2013) amplia a análise afirmando que além dos números impressionantes do SUS, há o desenvolvimento de programas que são referências internacionais como o Sistema Nacional de Imunizações, o Programa de Controle de HIV/AIDS, o Sistema Nacional de Transplante de Órgãos e o Programa Brasileiro de Atenção Primária à Saúde. Entretanto, ao mencionar a concepção constitucional de um sistema de

saúde com cobertura universal, discorre que o sonho da universalização vem se transformando no pesadelo da segmentação, uma vez que o SUS vem se consolidando como um subsistema público de saúde que convive com um subsistema privado de saúde suplementar e com outro subsistema privado de desembolso direto. Para o autor, a generosidade do mandamento jurídico da saúde como direito de todos e dever do Estado não foi sustentada por uma base material que garantisse um financiamento compatível com a universalidade (MENDES, E., 2013).

Inovações institucionais, descentralização, participação social, consciência do direito à saúde, formação de trabalhadores e tecnologias convivem, contraditoriamente, com o crescimento do setor privado, segmentação do mercado e comprometimento da equidade nos serviços e nas condições de saúde. Entre os obstáculos destacam-se a diminuição do financiamento federal, as restrições de investimento em infraestrutura e a gestão do trabalho. Há uma dívida histórica com os trabalhadores que construíram o SUS, submetidos à precarização do trabalho e a terceirizações, sendo adiada a efetivação de planos de carreiras, cargos e salários. Portanto, ainda há muito que fazer para tornar o SUS universal e público, bem como para assegurar padrões elevados de qualidade. Seus maiores desafios são políticos, pois supõem a garantia do financiamento do subsistema público, a redefinição da articulação público-privada e a redução das desigualdades de renda, poder e saúde (PAIM, 2013, p. 1933).

Especificamente em relação ao financiamento, importante ressaltar que as três esferas do governo devem ser lembradas tanto para se falar de sucessos como de fracassos do Sistema. A participação federal veio caindo e aumentando a participação de estados e municípios. Em 1980, a participação federal era de 75%, a estadual de 18%, e a municipal de 7%. Em 1991, 73% da União, 15 % dos estados e 12% dos municípios. Em 2001, 56% da União, 21% dos estados, e os municípios 23%. Já em 2011, a União contribuiu com 47%, os Estados, com 26%, e os municípios, 28% (CARVALHO, 2013). “Os gastos federais em saúde vêm numa tendência decrescente, e os estados e municípios vêm aumentando seus gastos e chegaram ao limite definido pela Emenda Constitucional 29” (MENDES, E., 2013, p. 32).

As evidências internacionais mostram que todos os países que estruturaram sistemas universais de saúde, beveridgeanos ou bismarckianos, apresentam uma estrutura de financiamento em que os gastos públicos em saúde são, no mínimo, 70% dos gastos totais em saúde. Por exemplo: Alemanha, 76,8%; Canadá, 71,1%; Itália, 77,6%; Holanda, 84,8%; Noruega, 85,5%; Reino Unido, 83,2%. No Brasil, o gasto público como percentual do gasto total em saúde é de, apenas, 47%, inferior aos 53% que constituem o porcentual de gastos privados em saúde [...]. Com a estrutura vigente de gastos públicos em saúde não se pode pretender consolidar o SUS como direito de todos e dever do Estado. Essa é a razão fundante da segmentação do sistema de saúde brasileiro que poderá fazer de nosso sistema público de saúde, em longo prazo, um sistema de assistência à saúde para as classes mais baixas e um resseguro para procedimentos de alto custo para as classes médias e para os ricos. Os gastos públicos em nosso país são muito baixos quando comparados com outros países em dólares americanos com paridade de poder de compra. O gasto total em saúde é de US$1.009,00, mas o gasto público per capita em saúde é de apenas US$ 474,00.

Esse valor é muito inferior aos valores praticados em países desenvolvidos, mas é inferior a países da América Latina como Argentina, US$ 851,00; Chile, US$ 562,00; Costa Rica, US$ 825,00; Panamá US$ 853,00; e Uruguai, US$ 740,00. A razão para esse baixo gasto público em saúde no Brasil está no fato de que os gastos em saúde correspondem a 10,7% do gasto do orçamento total dos governos, um valor muito abaixo do praticado em âmbito internacional, em países desenvolvidos e em desenvolvimento (MENDES, E., 2013, p. 31).