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TRAJETOS PERCORRIDOS NO SISTEMA DE JUSTIÇA

Diante da perspectiva de violação de direitos ou receio de que possam vir a ser, os participantes apresentam os caminhos que encontram para buscar garantias relacionadas a situações de violência, de disputa por guarda de filhos, de interdição e de benefícios.

Trajetos de violência e a relação com a polícia

A percepção das relações com a polícia surge ora como a instituição que acolhe a denúncia de violência para que possa ser feita a defesa da vítima, e ora como composta por profissionais de quem é preciso procurar se defender.

“A vez que o pai dos meus filhos apertou o meu pescoço e me machucou lá na casa dos pais dele, eu fiz o boletim de ocorrência. E teve uma vez que o meu irmão me bateu, deu bastante pancada na minha cabeça, eu também fiz um boletim de ocorrência” (Maria da Penha).

“Ficou violento, aí veio um pessoal e... eu não sei se era policial da guarda civil municipal, lá no centrão de São Paulo, e daí eu tive que interferir se não o pessoal ia bater nele, queriam levar ele... e eu não, é meu irmão, é meu irmão... ele está assim porque eu deixei ele nervoso... tive que contornar a situação, entendeu? Com medo que levassem ele, que batessem nele, que fizessem alguma coisa, né?” (Irma-Getúlio).

Trajetória de disputa jurídica pela guarda dos filhos

As diferentes situações em que a família apresenta a questão da disputa da guarda dos filhos, quando está em pauta a temática da saúde mental e a justiça é acionada para definir

a responsabilidade dos familiares diante de demandas de saúde mental:

“Ficaram um ano no orfanato. O juiz, acho que tentando ver que rumo ela tomava, porque até então não dava pra você diagnosticar. A droga acho que mascarava. Até que viu que não tinha como, eles ficaram à disposição pra adoção e aí eu entrei com o processo” (Socorro-Linda).

“Aí uma prima da mãe dele pegou a criança, só que também mesmo assim não comunicou nóis. Ela pegou em dezembro. O juiz deu a guarda provisória pra ela de 180 dias. Fui no fórum. Esse aí é o registro do nascimento, guarda provisória por 180 dias” (Cleonice-Elisa).

“Já tem umas sete semanas, por aí, que a minha mãe pegou e entregou os meus filhos pro pai, que ela não ia cuidar mais porque tava trabalhando e comigo ela não ia deixar mais, e entregou pro pai. E nesse tempo eles não estão me deixando ver as crianças. Eu nem sei onde que ele mora. Aí eu fui lá no Conselho Tutelar falar com o conselheiro e ele me mandou ir lá no fórum falar com o promotor no Ministério Público” (Maria da Penha).

Trajetórias de busca por interdição e por benefícios

A busca por direitos aos benefícios previdenciários e os impasses diante da possibilidade de interdição encontram-se presentes dentre as diferentes temáticas de direitos negados aos usuários do serviço com demandas de saúde mental. Tais conteúdos surgem com alusões aos processos movidos contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); aos processos em andamento na Vara da Família concernentes a possíveis usos impróprios de recursos por parentes e curadores; e aos de busca por profissionais da saúde que possam declarar a incapacidade das pessoas em processo de interdição.

“Fomos atrás de documentação, procurar no estado, porque ele foi professor durante quinze anos e não tinha uma aposentadoria. Aí, como fazia muito tempo que ele tava nessa situação, ele perdeu todos os direitos dele no estado, a gente não acredita nisso até hoje, entendeu? Eu não sei o que o estado tem lá, eu não sei te explicar aqui agora, eu sei que tem uma história lá que perde o vínculo lá de professor, foi considerado abandono de emprego, entendeu? E foi um longo processo. Processamos o INSS, arrumamos um advogado, sindicato dos professores. Eu só interditei ele porque foi a única maneira, deixo isso bem claro e conto pra todo mundo, porque foi a única maneira de conseguir o LOAS34 pra ele, que é o dinheiro que ele come, o dinheiro que ele se veste, que é a única maneira que eu tive pra conseguir o tal do LOAS, porque ele ficou Totalmente desamparado” (Irma-Getúlio).

“Dia 16 ela tem uma consulta com o psiquiatra. Eu vou falar com o Dr. Paulo, se tem como ele me dá um papel pra gente aposentá, não o benefício, aposentá ela. Por quê? Hoje ela pode trabalha, amanhã ninguém sabe como ela vai acordar (Cleonice-Elisa).

Eu pagava a pensão e fazia assim, 50 reais pra você passar a semana; na outra semana eu dou R$ 20,00; na outra semana eu te dou R$ 30,00. Ele não foi aqui na Vara da Família me denunciar?! Ele foi falar que eu estava pegando o dinheiro dele. Eu tive que escrever, mostrar todos os gastos. Aí, depois, até sair a interdição dele eu dava o dinheirinho e ele assinava o recibo” (Irma-Getúlio).

“Daí, como eu sou a curadora, eles acham que eu tenho que cuidar de tudo. Não! Então, da última vez eu falei pra juíza, então, a partir de hoje vocês tomam conta dele, o Estado toma conta dele. Taí! Arruma um advogado pra administrar os bens dele, uma aposentadoria de 700, 800 reais e vocês vão tomar conta dele. Taí! Aí contornaram, porque não, não é assim, a senhora está muito nervosa, está muito estressada... Conversaram muito com ele. Falou que ele não pode ir lá reclamar de tudo de mim, né?! Que tem casos bem mais tristes” (Irma-Getúlio).

A análise das iniciativas dos participantes na busca por acesso aos serviços públicos do Sistema de Saúde evidenciou os impactos e sofrimentos vivenciados diante das situações de internação. Trajetórias descritas como de impotência e de indignação. As referências aos serviços extra-hospitalares mostraram-se menos aversivas e com maior possibilidade de diálogo com os profissionais. Entretanto, a dificuldade de aderirem ao tratamento medicamentoso e de dar continuidade ao acompanhamento esteve presente. Especificamente, em relação ao CAPS, embora a proposta tenha sido enfatizada de maneira favorável, surge como idealizada, distante da realidade. As críticas à gestão da saúde mental se fizeram presentes com ênfase na necessidade de fiscalização por parte do Estado das clínicas conveniadas com o SUS.

Os participantes mencionaram, também, outros percursos percorridos em busca da garantia de seus direitos. O Sistema de Justiça aparece como tendo sido acionado para requerer a guarda de crianças de mães com transtorno mental e/ou uso de drogas, reivindicação de benefícios para pessoas portadoras de transtornos e busca em situações de solicitação de interdição de familiares com transtornos mentais. Também é mencionado nos trabalhos da polícia, que tanto é vista como aquela que poderá proteger e é buscada para a realização de boletins de ocorrência, quanto é lembrada como representada por profissionais que podem bater, agredir, e de quem é preciso se defender.

7.5 A busca por acesso à Justiça na DPESP