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AS FORMAS DE APROFUNDAMENTO DA “ESCUTA” NA INSTITUIÇÃO

Ao reconhecer que a criação da DPESP surge após serem ouvidas diferentes vozes que se manifestavam na sociedade civil; ao se admitir que a lei de implantação da instituição ecoa reivindicações e manifestações dos mais diferentes movimentos; ao serem enfatizados os diferentes canais de oitiva da população que foram abertos (Ouvidoria externa, Conferências Públicas, o Momento Aberto na reunião do Conselho Superior da DPESP); entende-se que fica ilustrado o quadro de uma instituição que se propõe democrática e inovadora no sistema de justiça pelo aprofundamento da escuta.

Isso posto, se estabelece o fio condutor a ser utilizado para a busca de compreensão das estratégias que estão sendo desenvolvidas pela DPESP, para a análise de como a proposta de ampliação de escuta, na prática, vem caracterizando a construção do acesso à justiça para a população considerada de maior vulnerabilidade social (“ausente”; “não existente”).

O aprofundamento da escuta da demanda

O aprofundamento da escuta nos processos de busca de acordos extrajudiciais: Conciliação, Mediação ou Composição Extrajudicial.

A relevância e a implantação:

“A minha visão é que a conciliação é potencialmente revolucionária dentro do sistema de justiça, na medida em que devolve a autonomia para as partes. As partes produzem a solução junto com o sistema de justiça. Isso pra mim é muito revolucionário e isso faz todo sentido com a ética de psicologia, de autonomia” (ADP 02).

“A gente começou a estruturar um trabalho de mediação, de conciliação. Desde a faculdade nós éramos muito estimulados a ter uma visão multidisciplinar do Direito. E o que eu fiquei contente é que aqui, começando com esse trabalho de mediação, de escuta, muitas das demandas a gente começou a descobrir que não era simplesmente judicializar. A gente começou a perceber que essas demandas, se a gente conseguisse além do olhar jurídico aglutinar outros olhares de outras ciências, a gente poderia dar uma resposta muito mais efetiva para os usuários. Porque muitas vezes eles não queriam um papel da justiça, eles queriam a efetividade dos acordos” (DP 02).

A busca de uma caracterização:

“Tem gente que fala de resolução extrajudicial de conflito, tem gente que não gosta de resolução. Então uma composição, se compõe com as partes. Composição extrajudicial de conflito. Pra não dizer que é mediação, que é conciliação, até porque a gente vai dizer que a gente é mediador, a gente não tem formação pra isso [...]. A gente faz um relatório de atendimento. Porque a gente fazia um termo de acordo extrajudicial. A gente tem esse entendimento de que a gente não tem que fazer esse termo, que é um termo jurídico. Existem locais em que alguns profissionais ainda fazem, existem locais em que chegou a um combinado, olha um faz uma parte o outro faz outra, mas o termo mesmo quem redige é o defensor, e outros lugares não” (ADP 03).

“A gente faz uma mediação de conflitos, mas também não é mediação de conflitos porque a gente tem um período muito curto pra fazer isso. Um encontro, dois encontros, três encontros, estourando. Porque a gente tem um volume de casos muito grande pra atender e o processo mediativo, por excelência, é um processo pensado pra ser mais longo e tudo mais. Mas por outro lado não é só uma conciliação, uma conciliação no sentido mais objetivo desse termo em que um vai fazer uma sugestão, outro vai fazer outra, o conciliador vai fazer uma terceira e acaba por aí” (ADP 02).

Uma proposta de política institucional:

“No começo a gente tinha a crítica de que a instituição delegava ao CAM a responsabilidade pela política de mediação e conciliação. O CAM é que fazia. E hoje a gente tá num processo pra tentar reformular isso, pra que a política de conciliação seja uma política da instituição, e não do CAM. O ideal é que o Direito possa compor junto com o saber da psicologia e do serviço social a prática mediativa em si, no momento. Muitas vezes, a conciliação e a mediação são entendidas só como uma maneira de diminuir o número de processos judiciais. E aí eu acho que isso até pode ser uma consequência positiva da prática, mas não deve ser a causa pela qual a gente implementa uma política de mediação. Eu acho que em relação à Defensoria, o CAM era, muitas vezes, visto como o pessoal que ia desentulhar a nossa mesa de processos. Então vamos botar eles pra fazer conciliação, pra isso que eles vieram e isso ajuda” (ADP 02).

Os diferentes saberes (e não saberes), possibilidades e limitações:

“Às vezes a gente atua em situações cíveis que envolvem, por exemplo, direito de herança, que é supercomplicado, e aí não dá pra fazer sem o trabalho do Direito, sem a atuação do Direito (…). O psicólogo tem a possibilidade de olhar pra aquela situação a partir do conflito. Só que ao longo do conflito, aparecem as dúvidas que são jurídicas. É muito interessante quando a gente trabalha junto. O defensor, o estagiário de Direito, ele costuma ter uma visão muito mais objetiva. Ah, você tá falando isso, isso não pode porque a lei não permite. E aí a tendência é encerrar a discussão e ele sugerir muito mais do que o psicólogo sugere. Então as duas coisas são muito interessantes, mas às vezes o psicólogo quer fechar um acordo que é juridicamente impossível. Então a gente tem que trabalhar junto, não tem outra saída” (ADP 02).

Embora procedam de objetivos comuns, as atribuições dos agentes da Defensoria diferem de acordo com as demandas regionais e com o sistema de gestão implantado pelos

responsáveis em cada localidade. Tal caracterização é abordada em um próximo capítulo, em que são analisadas as questões do acesso à justiça na DPESP nas diferentes regionais distribuídas pelo território do estado. Especificamente em relação ao tema de Conciliação, ressalta-se que em algumas regionais tais atribuições ficam sob a responsabilidade de convênio estabelecido com o Centro Judiciário de Solução de Conciliação e Cidadania (CEJUSC).

Convênio com o CEJUSC:

“A conciliação aqui pra gente hoje não é o carro chefe. Já foi! Principalmente no início lá na outra Unidade. A gente tinha o período da tarde lá destinado só pra conciliações e a maioria casos de família, de divórcio, que envolvem guarda, questão da visita das crianças, justamente pra gente fazer orientações técnicas pro casal, principalmente se tinha caso de infância no meio, de criança. Mas depois, com a vinda do CEJUSC, essa demanda acabou sendo deslocada pra lá. A gente conversou e a gente achou por bem que casos que fossem um pouco mais delicados, que envolveram cuidados com idosos, coisas que de repente demandassem uma atenção maior, que fossem encaminhados pra gente e não pra lá” (ADAS 01).

“Em uma das regionais eu sei que eles têm uma parceria com o CEJUSC e os casos mais simples eles encaminham para o CEJUSC. Algumas defensoras perceberam que muitos casos que eles encaminhavam, voltavam. Então elas acharam que não era muito legal e preferiam encaminhar para o CAM. Eu sei que no fórum central, existe. Na minha regional não tinha CEJUSC, então tudo eles encaminhavam para o CAM” (ADP 03).

O aprofundamento da escuta para a construção da argumentação da defesa

Elaboração de laudos: atribuições, expectativas e ajustes entre saberes:

“É uma atribuição do agente de Defensoria, todos os agentes devem ou podem produzir esses documentos a pedido de um defensor público. No começo, muitos defensores achavam, e é compreensível que eles achassem isso, que o nosso laudo iria oferecer uma defesa, só que técnica, psicológica ou social. Então eles chegavam pra gente, por exemplo, numa disputa de guarda, eles estavam defendendo a mãe que queria ficar com a criança e falavam olha, você produz pra mim um laudo em que você fala que a mãe é que tem que ficar com a criança. E a gente falava opa! Eu não posso produzir um laudo assim, isso é antiético dentro dos princípios da minha profissão. Eu vou olhar a situação e vou emitir um juízo técnico a respeito de como é que eu acho que essa situação poderia ser mais bem resolvida. Pode ser que isso te ajude na defesa que você está construindo e pode ser que não. Pode ser que eu conclua que não. Olha, de fato a mãe, agora, nessa situação não tem capacidade nenhuma de ficar com essa criança. E aí começou a gerar essa tensão [...]. O advogado trabalha pela lógica da parte, ele é parcial no processo, ele está lá para ser parcial. Inclusive, se ele não for parcial, ele pode ser substituído. Ele está sendo antiético se não for parcial. E nós, se formos parciais, é que estaríamos sendo antiéticos” (ADP 02).

“Outra área que a gente atuava muito era na área da Infância. Casos de crianças que foram acolhidas em abrigos. Só que era uma demanda da área da infância, mas que era atendimento familiar, muitas vezes porque a gente ia defender essas famílias. O Conselho Tutelar foi lá e retirou a criança, levou para um abrigo com uma denúncia de negligência, enfim. O defensor, geralmente, ia defender essa família, pra ela restituir esse poder familiar, retomar a guarda da criança. E aí a gente atuava bastante como assistente técnico, que é fazer uma entrevista ou como assistente técnico, como por exemplo, os peritos dos juízes fizeram um relatório dizendo que aquela família não tinha condições e se esse relatório tinha alguma questão tecnicamente frágil, a gente podia entrar pra dizer não, espera aí, isso é muito moral, não é um conhecimento técnico e a gente está aqui para contrapor isso. Mas, não era só a atuação processual a gente também trabalhava com a família pra ver também alguma dificuldade, ajudar essa família a se reorganizar, que políticas públicas a gente pode pensar que vão ajudar nessa reorganização dessa família. Então tinha tanto essa atuação junto com a família mesmo, quanto no processo” (ADP 03).

A contestação de laudos:

“Essa parte técnica dos fóruns e outros lugares deixam a desejar em vários aspectos. A gente já teve vários problemas. Conselho Tutelar, quantos problemas a gente já não teve com Conselho Tutelar nesse sentido! Eles faziam muitos relatórios com base em sei lá o quê e já tivemos que contestar, mas a gente não fazia isso no processo, fazia isso ao vivo. Tinha que falar, olha, e isso aqui? O que é eu vou fazer com esse relatório que vocês fizeram? O defensor tinha que tomar providência e não podia tomar por causa do relatório do Conselho Tutelar, por exemplo. E aí? Na prática, no dia a dia, essa parte de contestar laudo, contestar relatório a gente faz na raça. Já fui solicitado, mas não a produzir documento, não formular quesitos, quando você vê um laudo de um psicólogo que você quer contestar algumas coisas, você faz uma formulação de quesitos, e faz um monte de perguntas em cima do laudo anterior. Isso eu nunca fiz formalmente, mas eu fiz informalmente pegando os processos dos defensores, lendo tudo e falando pra eles. Tem muita coisa não fundamentada; muitas inferências por parte do psicólogo; preconceitos, muitos. Assim, de onde ela tirou isso aqui? De onde ela tirou essa informação? Basicamente isso” (ADP 01).

A partir do aprofundamento da escuta dos usuários do serviço; o estabelecimento da “escuta” e o diálogo com profissionais da rede.

Explorando informações em atendimentos e entrevistas:

“A pessoa pode chegar aqui com o discurso mais absurdo possível, com demandas imaginárias. Mas se a pessoa veio na Defensoria, no horário certo, porque não é toda hora que você pode vir aqui, tem horário restrito pra pegar senha; tem que ter uma documentação específica; tem que saber aonde ir. Se a pessoa sabe tudo isso, quer dizer que não tá tão grave assim. A pessoa teve essa noção de que precisava ir à Defensoria, de que precisava desses documentos, ela passou com essa documentação, fez avaliação. Então, quer dizer, ela não é uma pessoa que você vai desconsiderar tudo o que ela vai falar, né? A grande parte das pessoas que vêm aqui que têm questões da saúde mental, elas têm alguma fixação, mas em outras áreas ela não tem limitação. Com raras exceções assim” (ADP 01).

como elas eram mediadas pelos serviços de justiça, era com relações de violência, de segregação. E a Defensoria traz uma perspectiva de trabalho de fazer isso de uma maneira diferente. Primeiro de dar espaço, de dar escuta e de dar outras soluções pra essas problemáticas que aparecem e isso muito com a rede. Então se for pensar nessa área da saúde mental, tem a ver muito com abrir esse espaço” (ADP 04).

“Normalmente, é a primeira providência tentar conversar com alguém pra ver, alguém da residência próxima ali pra ver. Elas sabem e aceitam, na grande maioria. Então, se ela vem se queixar do familiar, vamos supor, do pai. Aí você não pode chamar o pai aqui. Mas, a gente fala, e a mãe? E o irmão? E mais alguém? Aí acaba chamando outra pessoa. Ela aceita” (ADP 01).

Acolhendo a demanda:

“O defensor, antes do CAM, não entendia, ele respondia, mas isso é juridicamente impossível, eu não posso entrar com uma ação contra o Silvio Santos, você não é filha dele, você tem provas? Se você apresentar provas, eu entro com uma ação contra o Silvio Santos. Quando a gente entrou a gente falava: peraí, isso é extremamente perigoso, se você começar a pedir provas, o sujeito pode começar a ir atrás dessas provas. Então, começa a quebrar a casa atrás de câmeras, eu não sei o que o sujeito pode fazer. O defensor, ele tinha essa lógica, que é a lógica do Direito, olha, se você me apresentar provas de que têm câmeras na sua casa a gente vai entrar com a ação, mas enquanto você não fizer isso eu não tenho nada o que fazer por você. E a gente fazia um procedimento que não era esse, era de compreender por que ele chegou até mim e o que a minha instituição representa dentro do delírio ou sintoma que ele apresenta, e aos poucos, tentar fazer essa passagem pra uma outra instituição que pode, de fato, cuidar” (ADP 02).

“Então, acho que foi uma demanda que fomos convidados pra pensar o que podemos fazer. Pra começar, ouvindo essas pessoas, não afastando, não eliminando o que elas trazem na demanda inicial, geralmente vem vinculado a uma situação aparentemente persecutória ou que não faz sentido pra um processo judicial, mas que podem ter outras coisas. Então pra começar a gente foi ouvindo o que mais poderia ter ali, aí a gente foi pensando em outras articulações possíveis, aí eu acho que até por conta da experiência de trabalhar com políticas públicas dos outros profissionais, pela perspectiva, por exemplo, da reforma. Então a gente foi começando a buscar contato com os serviços de saúde pra tentar se articular” (ADP 04).

“Outro elemento é conseguir distinguir no meio daquela produção, muitas vezes delirante, uma fala muitas vezes confusa, se existe ou não uma demanda jurídica. Então tem esse ponto de encaminhamento mais humanizado pra rede, não é simplesmente falar, olha, não é essa instituição, você tá maluco, então não é aqui que você vai resolver esse teu problema, é aqui, mas olha, vamos fazer um caminho. E tem outra vertente do atendimento, é que muitas vezes chega assim o encaminhamento do defensor, eu não consigo entender o que o sujeito tá falando ou verificar se tem alguma demanda jurídica. Porque muitas das vezes, o que a gente percebe é isso, existe uma construção delirante muito grande, mas existe um núcleo que, de fato, aconteceram violações de direito graves muitas vezes, outras menos, e que de fato talvez tenha uma demanda jurídica ali, e que vale a pena investigar” (ADP 02).

necessidades e da realidade dos usuários do serviço - apresentada em discursos com características próprias, que exigiram dos profissionais reconhecer que o conhecimento engloba diferentes formas de saber, de dizer e de não dizer, inicia-se o trajeto dos agentes em busca da aproximação dos serviços e das políticas públicas, disponibilizando nessa etapa uma escuta aprofundada para outros atores sociais, os profissionais dos serviços da rede.