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A percepção e a qualidade afetiva embutida

No documento O Poder das Emoções (páginas 98-101)

Como foi dito, a percepção da qualidade afetiva do estímulo é, em parte, independente da percepção de um estímulo físico (tempestade, tomada do café). Também, ela não é tão consciente como o julgamento de um fato ou evento externo, como a queda de um objeto ou a

chuva caindo. Pode-se fugir de uma aranha, de uma cobra ou de uma barata, percebendo cada um desses animais como desagradáveis, mesmo quando sabemos ou fomos informados que não são perigosos. Entretanto, jamais se pode fugir de uma representação mental de uma “aranha”, “barata” ou “cobra” e mesmo do “fantasma”, pois essa só existe na mente do indivíduo, uma situação comum nos “delírios” ou alucinações dos alcoólatras e outros pacientes.

A percepção da qualidade afetiva não é uma avaliação realizada através do raciocínio, isto é, da cognição: ela é mais simples. Por exemplo: você pode avaliar através do raciocínio, usando a lógica e a comparação, que o medicamento X melhora sua depressão, pois, depois de algum tempo de uso, você ficou mais animado e alegre. Não obstante, a percepção da qualidade afetiva ao tomá-lo pode levar você a rotulá-lo como desagradável, pois ele é amargo de doer e, além disso, tem um cheiro detestável. Assim, o conhecimento dos efeitos é um; o conhecimento do remédio em si, ao ser tomado, é outro.

O importante para o conhecimento é distinguir a percepção, de um lado, e a qualidade afetiva do centro emocional, de outro. Ao ver um jardim encantador ou ao ouvir uma alegre e doce melodia geralmente há um crescimento do nosso prazer: isso é um indicador da mudança no centro emocional. Mas a percepção pura, algumas vezes, pode ocorrer sem nenhuma mudança no centro emocional (sem produção de afeto algum). O paciente deprimido sabe, por conhecer em outros tempos, do prazer que a visão do mar ou da chuva geralmente promove. Não obstante, uma vez deprimido, ele relata não sentir qualquer efeito no seu atual centro afetivo, isto é, ele não é estimulado pelo que chamamos de estímulo.

Este estado de anedonia – incapacidade de obter prazer ou se divertir – geralmente regride após o tratamento efetivo através de drogas

antidepressivas ou da psicoterapia cognitiva; um e outro tratamento modificam o centro emotivo; as drogas atuam diretamente nos centros neuronais e neurotransmissores; a psicoterapia modifica a maneira de pensar que, consequentemente, produz mudanças nos centros.

A percepção da qualidade afetiva pode surgir (ser fabricada) em nossa mente, isto é, pode ser percebida pela imaginação, fantasia ou sonho. Imagino uma viagem que irei fazer. Durante essa possibilidade vou navegando à procura de horizontes já percorridos ou apenas imaginados. Minha mente vai exibindo, para mim mesmo, situações boas e agradáveis ou ruins e desagradáveis.

A intuição que desponta em minha mente acerca da consequência do ato imaginado (de algo bom ou ruim que acontecerá) provocará, sem nada ter acontecido, uma percepção da qualidade afetiva. Explicando melhor: forma-se em nossa mente um “espectro” da consequência imaginada a respeito de algo. Se imaginar visitar um jardim que foi fantasiado por mim como “tendo uma qualidade que o torna bonito”, eu, sem esforço e naturalmente (intuitivamente), o represento em minha mente como “bonito”. Nesse caso, instantaneamente, construo, conforme minha planta fantasma, um jardim bonito que visitarei; ele naturalmente me despertará uma emoção agradável.

Nesse caso, a qualidade afetiva gerada ou disparada indica uma

antecipação de algo mais que a experiência sensorial percebida ou real; ocorre uma mudança do centro emocional ou a produção da qualidade afetiva. A percepção da qualidade afetiva é um fato que ocorre numa região cerebral diferente da região relacionada à primeira experiência, isto é, a percepção pura do jardim X ou Y. Portanto, a qualidade afetiva é uma segunda experiência; ela ocorre depois de surgir a primeira, a do jardim, seja ele real e visível ou imaginário. Primeiro vejo um jardim imaginário construído conforme meu gosto, depois sinto prazer por sua beleza. Como é uma fantasia, posso remodelá-lo conforme meu gosto

caso ele não me agrade.

Gosto de escrever contos, romances e outras ficções. Muitas cenas escritas por mim se iniciam por um fato concreto, como, por exemplo, um homem andando pelas ruas da cidade numa madrugada fria. A partir desse palco armado, deixo minha mente livre para o que der e vier. O homem começa a andar e encontra X ou Y, etc.etc. Minha cognição, a que escreve o relato, apenas observa e vai anotando o produzido livremente sem o menor esforço meu e sem uma meta determinada. De outro modo, o autor do conto (que sou eu) não sabe o que vai acontecer com o personagem. Conforme o acontecido, eu me sinto alegre, acho graça ou encho os olhos de lágrimas. As emoções vão sendo sentidas conforme o desenrolar dos acontecimentos. Uma vez alegre ou triste, continuo a cena que vai sendo modificada conforme o que estou sentindo. É quase uma revelação.

Em resumo: há uma estimulação da imagem formada (um jardim de certo tipo), uma estimulação do centro emocional, isto é, um estado emocional agradável ou desagradável formado e, por fim, a percepção do que sentimos (a qualidade afetiva percebida), que, caso fosse traduzido para palavras, poderia ser: “Estou me sentindo bem, feliz”, um estado decorrente da emoção desencadeada pela imagem do bonito jardim, da música maravilhosa ou, ainda, do cão perigoso, mas, nesse caso, o percebido como sentido será de mal-estar. As pessoas, quase sempre, não estão conscientes de estarem fazendo o julgamento; a beleza do jardim está no “olho” do observador ativado positivamente. O centro afetivo e a percepção da qualidade afetiva estão, portanto, correlacionados.

Quando se tem um objeto percebido há o aparecimento do prazer ou do desprazer diante dele: gostamos do alimento agradável que acabamos de comer. Mas, no caso de perda, da saudade e do desejo, isto é, quando não se tem o objeto próximo de si, geralmente há uma relação oposta. Quanto mais for o objeto agradável mais desagradável a pessoa se sentirá por não tê-lo junto de si; quanto mais agradável

julgarmos a comida, mais infelizes ficaremos ao ficarmos privados dela. Tudo faz crer que os indivíduos diagnosticados como portadores dos Transtornos da Personalidade Anti-Social nada sentem acerca das perdas.

Ocorre o oposto no caso do centro emocional ser desagradável: uma pessoa chata, aborrecida, perigosa, um trabalho ruim, a declaração do imposto de renda, o exame laboratorial doloroso, a prova oral ou escrita difícil, em todos esses casos, quanto mais longe estiver melhor e quanto mais junto pior, maior sofrimento.

Também a leitura, mesmo rápida, de uma lista de eventos, como, por exemplo, pôr do Sol, batida de carro, comida deliciosa, alguém torturando o filho, etc., diante de cada cena lida (e logicamente representada em nossa mente) vai surgindo, perante cada um desses eventos descritos, uma qualidade afetiva diferente à medida que se focaliza cada frase. Imagine agora, caro leitor, uma conversa com alguém. Sem parar as palavras vão sendo expressas e, continuamente, surgem emoções diante de uma e outra palavra ouvida ou mesmo falada por você.

Caso especial vivenciado por mim: um

No documento O Poder das Emoções (páginas 98-101)