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A Qualidade Afetiva e Julgamento Dual

No documento O Poder das Emoções (páginas 105-108)

O julgamento da qualidade afetiva necessariamente focaliza um acontecimento simples, o qual trás à lembrança um padrão para comparação de eventos semelhantes; um pedaço de pão pode ser julgado excelente, quando comparado favoravelmente com todos os pães conhecidos; um filme assistido é julgado comparado com outros já vistos.

Acredita-se que o ser humano tem seu centro emocional modificado a cada instante. Dois tipos opostos de sentimentos parecem poder estar ao mesmo tempo no centro emocional; podem também mudar a cada instante, de modo muito rápido: ora uma, ora outra emoção. Isto é, a pessoa pode, simultaneamente, prestar atenção e perceber qualidades afetivas de estímulos diferentes: encontrar o aborrecido amigo,

assentado no jardim relaxante, ouvindo uma música estimulante. Nesse caso, a cena pode focalizar três aspectos, cada um dos estímulos presentes na mente (conforme a coisa focalizada) provocará mudanças diferentes do centro emocional.

Mas tem mais: um mesmo objeto pode ter diferentes qualidades afetivas porque ele tem diferentes propriedades e aspectos: “A comida está ótima; ela me agrada. Entretanto, como ela está gostosa, tendo a comer muito e, assim, fico chateado com a comida, pois não quero engordar”. Em cada momento terei emoções agradáveis ou desagradáveis conforme o que focalizo, isto é, represento em minha mente.

Um segundo exemplo: afirmo que “O estuprador merece ser morto, mas ele me parece merecedor de nossa piedade, pois foi também abusado quando criança”; “A namorada é adorável, entretanto, como gosto muito dela, minha paixão poderá levar-me a abandonar outras

coisas importantes da minha vida e das quais eu gosto muito e, por isso, não gosto dela”.

Os autores que defendem a entrada de mais de uma emoção ou idéia ao mesmo tempo na consciência falam que há indicações que as qualidades afetivas são bipolares, ou seja, elas produzem emoções boas e ruins ao mesmo tempo, pois sempre lembramos do oposto. Assim, a palavra “feliz” pode ser definida como ausência de “tristeza”; a palavra “Deus” significa o oposto da palavra “Demônio”.

Como frequentemente percebemos sentimentos opostos ao mesmo tempo para uma pessoa ou objeto, ou seja, uma “mistura de

sentimentos”, essa atitude nos leva a focalizar ora um ora outro afeto. Como consequência da focalização de um e de outro, ora imaginamos uma solução (abandonar o emprego ou a amizade) e ora fantasiamos a solução oposta: “O patricida deve sofrer prisão perpétua”; “O patricida deve ser perdoado, pois já está punido sob os olhos da sociedade”. Para os defensores dessa idéia a ambivalência existe. As reações contraditórias ocorrem porque os objetos e eventos têm aspectos, propriedades e estágios diversos, percebidos de modo muito diferente conforme os princípios subjacentes que usamos para compor o

raciocínio ou julgamento: “É um crime fazer aborto, pois, através dele, se mata um ser vivo”; “Defendo a liberdade de escolha, logo a mulher tem o direito de praticar o aborto”; “A vida humana começa com o nascimento e não na concepção, logo não é crime fazer o aborto”; “Se praticar o aborto é crime, ao matar um ser vivo, doar sangue ou tirá-lo para exames e extirpar o útero ou a próstata também são crimes, pois eliminam células ou tecidos vivos”.

Os milhares de outros exemplos, você leitor, caso não tenha preguiça, os tem de sobra; entretanto, me veio à mente um último: “Como cruzeirense acho que foi ótimo o Cruzeiro ter massacrado o Atlético”; “Como cruzeirense vejo com preocupação a derrota do Atlético; ela pode prejudicar tanto a vida do clube inimigo que, em consequência,

acaba atrapalhando a rivalidade e, portanto, destruindo também o Cruzeiro”. Por tudo isso torço também para o Atlético.

Para alguns, a ambivalência (alguns chamam esse processo de

“julgamento dual”) não ocorre em virtude da simples estimulação do centro emocional, mas sim devido à percepção de duas qualidades afetivas de uma cena ou de um objeto complexo: “ficar com o amigo chato e ouvir sua música alegre”; “ficar com a amiga interessante ou completar meu trabalho que preciso entregar”. Fazendo assim, não obstante, cria-se, ora uma estimulação emocional, derivada da percepção, ora outra. Possivelmente, nesses casos, a pessoa, rapidamente, muda de foco; ora presta atenção a um aspecto, ora a outro, conforme focaliza um ou outro aspecto das qualidades afetivas de um objeto complexo e, assim, ficamos alegres e tristes.

Para complicar um pouco mais, podemos dizer que eventos

desdobrados, com o tempo e em diferentes estágios, podem ter, cada um deles, determinada qualidade afetiva: “O que me fez ficar alegre no passado, examinando com os olhos do presente, me entristece”; “Tive raiva de Pedro quando briguei com ele, mas, hoje, examinando nossa briga, acho-a cômica”; “Com alegria encontrei e namorei Miriam. Entretanto, agora, noto como fui idiota, pois não enxerguei sua

maldade e desonestidade”.

Os seres humanos têm a capacidade para representar o acontecido e, também, representar o que vai acontecer. De outro modo,

podemos antecipar, antes de realizá-los, os eventos e as emoções que possivelmente acontecerão no nosso centro emocional.

Nós podemos também representar e pensar acerca do nosso próprio processo de memória, isto é, a meta-memória, que nada mais é que examinar o examinado e, também, examinar as emoções sentidas no momento da criação da memória: “o dia que passei no vestibular e minhas emoções”; “o dia da morte de um amigo e as emoções daquele dia”. Assim, podemos representar as qualidades afetivas de um evento

sem ter de suportar a presença do acontecimento concreto existente. Melhor explicando: em lugar de pensarmos no fato desagradável, pensamos acerca das várias possibilidades, conexões daquele evento. Assim, ao examinarmos o fato, criamos um meta-fato (meta- conhecimento). Nesse caso o foco do pensamento passa a ser, não a emoção criada pelo acontecimento que nos estava aborrecendo, mas sim as idéias acerca desse fato. Para clarear com um exemplo: em lugar de nos concentrarmos na perda do amigo querido, pensamos acerca do que é a morte para todos nós, de todos os animais; a religião e a outra vida; a vida interessante que a pessoa viveu. Desse modo, focalizamos um raciocínio que investiga morte em geral, em lugar de focalizarmos a morte concreta de meu ex-amigo.

No documento O Poder das Emoções (páginas 105-108)