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Ansiedade e Informações Duplas: Linguagem verbal e

No documento O Poder das Emoções (páginas 140-146)

não verbal

Uma mãe e um pai amorosos e cuidadosos podem levar os filhos ao sofrimento caso não saibam fazer um bom uso da linguagem verbal e dos gestos. Este último inclui demonstrações físicas de contato, como os tipos especiais de olhares, a altura e a tonalidade da voz, os abraços de certo modo, os toques, a postura da cabeça e a velocidade dos movimentos corporais. Tudo isso e muito mais tem sido chamado de “expressão corporal” ou, mais modernamente, “Teoria da mente”. Boa parte de nossas respostas emocionais, tanto as positivas

(segurança, calma), como as negativas (medo, raiva, ansiedade), são geradas, em grande parte, devido aos estímulos oriundos dos gestos expressos pelo emissor, isto é, pela sua conduta não-verbal. Essas respostas são ações automáticas, inconscientes, muito rápidas, que não precisam da colaboração da cognição (pensamento, conteúdo da fala). O pensamento com palavras, como “estou raivoso” ou “estou com medo”, poderá surgir ou não na consciência da pessoa, e, mesmo no caso de aparecer, essa manifestação surgirá algum tempo após a resposta emocional do emissor.

Ao entrarmos em contato com uma pessoa, muitas vezes, a nossa conversa neutra, sem discussão de temas que emocionam, flui relativamente fácil. Entretanto, pode acontecer que nosso organismo mostra-se tenso, pessimista e confuso ou, ao contrário, relaxado, entusiasmado, cheio de planos. Se usarmos apenas nossa cognição (conhecimento com palavras, comparações) para decifrar a origem de nossas emoções durante a conversa, não iremos obter respostas satisfatórias. Nesse caso, somente poderemos explicar nossas

amigo ou inimigo e que tipo de emoção foi produzida.

O tipo de comunicação verbal, como, por exemplo, “vá dormir criança, você está cansada”, pode significar uma mãe cuidadosa e amorosa preocupada com o sono do filho, mas pode não ser isso. A mãe pode estar aborrecida, interessada no seu descanso. Nesse caso ela usou a frase para afastar o filho de sua presença, mas usou as palavras para camuflar sua verdadeira intenção. Nesse caso, o menino, que é sutilmente afastado da mãe, rejeitado naquele instante, acaba recebendo duas mensagens de sua mãe ao mesmo tempo: uma verbal (“Estou preocupada com você”) e outra gestual ou expressiva que, inadequadamente, traduzi por “Não estou aguentado mais sua presença”.

É difícil para um ser humano, a não ser que seja treinado para ser um grande ator, ter como intenção afastar o filho dele e, ao mesmo tempo, representar que está preocupado com o descanso dele. Nesse caso, a mãe tenta aparentar ser uma boa mãe, que ama seu filho, mas, de fato, no momento, está mandando-o para cama para se livrar dele. Ao receber as duas mensagens, o menino poderá ficar confuso e desorientado, sem saber se se aproxima ou se afasta dela.

De um lado, a criança é estimulada pela fala da mãe denotando

preocupação com seu cansaço; essa atitude irá estimular positivamente a criança. Por outro lado, a mesma mãe – a que quer ficar livre da presença da criança – expressa tons de voz, gestos, contração muscular da face e mais uma série de detalhes demonstrativos de mal-estar, impaciência e aversão; sinais exibidores da atitude subjacente às palavras e sentida. Essas posturas são comuns.

Possivelmente essas informações corporais (informação sem palavras e implícitas) são detectadas e decifradas pela mente da criança. A “leitura” da expressão facial faz parte do nosso conhecimento inato, bem como de alguns outros animais, um processo que recebeu o nome de “teoria da mente”. Essa informação facial, ao contrário da

mensagem com palavras, expressa uma postura emocional, nesse exemplo, negativa e ruim, que leva a criança a se afastar da mãe. Talvez o leitor esteja achando tudo isso estranho. Mas se você pedir ajuda à sua memória, irá se lembrar de algumas vezes que recebeu um convite verbal para ir a uma festa de família ou outra, mas a expressão vocal e gestual em geral era o oposto: “Não gostaria de sua presença”. Outras vezes há um agradecimento de algo (“Obrigado pelo seu presente”), mas a face ou o tom de voz do interlocutor indica tensão. A voz sai cavernosa, entrecortada; nota-se que a boca do falante está seca. Um outro exemplo: o namorado foi pego com outra. A namorada o perdoa com palavras carregadas de ódio, desconfiança, desilusão, etc.

Algumas pessoas, por sorte ou treino, são peritas em decodificar essas informações. Rapidamente, no instante, elas notam, pela voz no telefone, a intenção da mensagem apesar da frase ser o oposto. Vivemos numa sociedade hipócrita, um termo definido segundo o Houaiss como: “que ou aquele que demonstra uma coisa, quando sente ou pensa outra, que dissimula sua verdadeira personalidade e afeta, quase sempre por motivos interesseiros ou por medo de assumir sua verdadeira natureza, qualidades ou sentimentos que não possui; fingido, falso, simulado”. Desse modo, precisamos, para nos informarmos de modo mais exato, saber decifrar as outras informações fornecidas, as segundas, mais espontâneas, mas não mostradas através de palavras.

Essas informações enviadas pela face, tom de voz, etc., muitas vezes, são claramente exibidas. Entretanto, existem pessoas que não conseguem captar essas informações, por mais que as mensagens sejam evidentes ou visíveis. O mesmo acontece com os animais que não o homem. Se o animal não decifrar as mensagens dos outros – eles não usam palavras para informar – ele provavelmente morrerá cedo. No caso do homem, o desconhecimento dessa preciosa informação

fatalmente irá causar um sério prejuízo ao homem de “boa-fé”. Cada vez mais temos sido treinados para acreditar nos sons e não nos fatos exibidos; muitos falam que “usamos as palavras para esconder o que de fato estamos pensando” ou, de outra forma, “usamos as palavras para incutir uma intenção diferente da que realmente temos”. Muitas declarações de amor se encaixam nesse modelo.

Este tipo de relacionamento, estudado por muitos pesquisadores, tem sido chamado por alguns de “duplo-vínculo”. Sempre numa conversa misturamos dados sensoriais existentes no momento e os conhecimentos estocados que, de repente, pela estimulação da memória, se tornam disponíveis. O duplo-vínculo implica numa comunicação paradoxal; assim, o filho corre para abraçar a mãe, mas pára ao sentir, automaticamente e sem consciência, que ela está tensa. Diante do estado de sua mãe, o menino evita aproximar-se para abraçá-la como era sua intenção. Nesse instante, a mãe – que sentira o afastamento do filho – pergunta queixosa: “Não gosta mais de mim meu queridinho?”.

A criança fica em dúvida e, talvez, imagina, se tiver condições para isso: “Se quero conservar minha relação com minha mãe, não devo demonstrar que a amo, mas, se não o faço, corro o risco de perdê- la”. Esse tipo de relacionamento é altamente ruim para as partes envolvidas. Assim, uma vez criada a comunicação tipo duplo-vínculo com os filhos, cria-se um dilema: o atingido não sabe se deve afastar-se ou aproximar-se.

Um exemplo clássico é o da mãe que deu duas camisas ao filho: uma amarela e outra verde. Ele, feliz, veste a amarela e vem mostrá-la para a mãe. Esta, demonstrando desgosto e surpresa, pergunta: “Não gostou da verde?”.

Pouco adianta a mãe ou pai dizer “eu te amo” usando o mesmo olhar e tom de voz dirigido ao filho no dia em que ele quebrou a vidraça. A criança decodificará, provavelmente, o olhar de raiva ou de carinho do

pai, pois, como disse, ele, como todos nós, tem sua “teoria da mente”. Preste atenção na quantidade de vezes que você enfrentou situações semelhantes. A relação tipo “duplo-vínculo” é muito mais frequente do que se possa imaginar. Está presente nas relações familiares, no trabalho, na política e em todas as relações interpessoais.

Ocorre o duplo-vínculo nas relações paciente e equipe de saúde, como nos hospitais. Os médicos, enfermeiros e demais membros da equipe afirmam para o paciente que todos ali estão trabalhando exclusivamente para o seu bem, mas, na verdade, estão também trabalhando em benefício próprio – e isso é expresso de várias formas não-verbais ou mesmo verbais – pois recebem salário, se distraem e aprendem. O paciente, na maioria das vezes, aceita o duplo-vínculo sem questioná-lo, pois se o fizesse poderia receber o certificado de “paciente rebelde” e, em casos extremos, ser expulso do hospital, como já presenciei no Hospital das Clínicas.

O duplo-vínculo é criado também por mensagens contraditórias dadas por ambos os pais. A mãe diz: “não faça isso, senão te castigo”, ao mesmo tempo em que o pai consente. Os castigos físicos e psicológicos são fontes de confusão na mente da vítima: “Estou batendo em você para o seu próprio bem”; “Você vai ficar preso ali até emendar-se para se tornar um bom menino para a mamãe”.

Há muito tempo havia uma propaganda na TV que mostrava um homem sendo entrevistado na rua. Ele afirmava não mais acreditar nas propagandas. Em seguida, este mesmo homem fazia a propaganda de um remédio que ele havia tomado e com o qual resolvera todos os seus problemas intestinais. O que fazer? Uma de suas verdades é a de não acreditar nas propagandas; a segunda é a de acreditar, pois faz a propaganda de um medicamento.

Ocorre também o duplo vínculo na relação analista x paciente. O paciente encontra-se preso ao ritual do divã, das associações livres e

lado, o analista diz ao paciente que ele “deve ser livre”. De um lado, o terapeuta exige que o paciente seja o responsável pelo curso do tratamento; ao mesmo tempo, exige-lhe espontaneidade, determina a técnica a ser seguida, a forma de pagamento, uma cadeira diferente para se sentar e outros meios que, analogicamente, indicam quem está e quem não está de posse do poder. Para terminar, narro aqui uma frase lida em algum lugar acerca da relação analista-cliente: “O importante não é tanto a conduta, na qual podemos praticar loucuras, mas a adesão ao dogma, onde nenhuma loucura é permitida”.

No documento O Poder das Emoções (páginas 140-146)