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O organismo diante de um evento desejado

No documento O Poder das Emoções (páginas 176-179)

Este é um ditado antigo, ainda não ultrapassado. Quase sempre existe alguma sabedoria e verdade nessas afirmações práticas e simples do povo. Para que um ditado seja construído e, principalmente, resista ao tempo e continue a ser usado, é preciso que ele funcione, ou seja, dê ao seu possuidor alguma orientação prática para observar e agir diante de certos acontecimentos. Em resumo: as frases populares, como qualquer idéia, só se mantêm se forem úteis na comunicação e para a vida.

Há uma frase do sociólogo francês Gabriel Tarde que diz: “O povo passa a metade do ano comentando a festa ocorrida e a outra metade falando acerca da que virá”. Não sei se o sociólogo exagerou, entretanto, isso parece ter algo de verdade. Sabemos que é agradável esperar pela festa que virá, esperar pela amiga que está pra chegar, esperar os dias disponíveis do carnaval, a Semana Santa, as tão esperadas férias. Do mesmo modo, gostamos de comentar a espetacular festa, o grande jogo que foi ganho pelo nosso time e o próximo jogo que vai acontecer e, também, o grande encontro do fim de semana.

Todas as esperas, como a boa lembrança, nos fornecem um prazer. A expectativa de que ocorra algo que desejo gera no nosso organismo um prazer antecipado. Dias, semanas ou meses antes do fato acontecer já estamos imaginando com satisfação o dia chegar. Como explicar isso?

A dopamina deve ter sido o primeiro neurotransmissor a aparecer nos organismos. Sem a ação da dopamina não haveria movimento (ou

conduta) em direção a uma meta. Portanto, é através dessa substância química que o organismo movimenta-se e entra em ação para alcançar o desejado e, também, escapar do indesejado.

A dopamina (DA) e a noradrenalina (NA) são substâncias químicas produzidas e liberadas nos organismos dos homens e de outros seres vivos quando planejamos, agimos e ou alcançamos as metas desejadas: ir ao cinema, olhar o pôr do Sol, deliciar-se com uma bela tempestade, tomar um copo de água quando temos sede, deitar-se quando se está “doido por uma cama”.

Assim, ao esperarmos ou nos prepararmos para uma festa, nosso organismo produz e libera dopamina e noradrenalina para que possamos agir executando uma série de atos para adaptar-nos e alcançar o pretendido: preparar o tempo livre para poder arrumar a roupa apropriada, guardar o convite se esse for exigido e tudo mais necessário.

Assim como ocorre a tolerância no cão que recebeu choques elétricos repetidos ou um naco de carne, durante algum tempo, o ser humano, também, com o passar dos dias, meses ou anos, apresenta tolerância diante do sofrimento ou do prazer causado por fontes continuadas do mesmo estímulo: a mesma praça, a mesma casa, a mesma rua, a mesma cama, o mesmo portão e televisão, a mesma secretária ou vizinha, o mesmo marido ou mulher, a mesma iguaria: todos produzem a maldita e terrível tolerância. O estímulo provocador de imenso prazer passa a não provocar mais emoções agradáveis como antes. Produz, às vezes, indiferença, e, muitas vezes, pior ainda, o sofrimento e aversão: “Que chatura! Não aguento nem ouvir a voz de meu marido!”; “Tenho vontade de sumir ao ver minha mulher se aproximar de mim com sua tosse antipática!”; “Não suporto mais essa comida”.

Estudos mostram que a droga que excitou muito o usuário, a companhia antes agradável, o filme, o autor ou o programa de TV predileto, todos eles, após algum tempo, não mais agradam como

antes; foi-se a novidade excitante, acabou-se a emoção agradável. O que um dia nos atraiu, fornecendo-nos inclusive um significado para viver, com o passar do tempo, perde seu encanto, vigor e importância; torna-se um “nada”, um zero à esquerda, ou, algumas vezes, uma fonte de sofrimento e irritação da qual procuramos fugir: “Que burrada! Porque tanto tempo preso a isso?”.

Como é estranha a vida! Diante disso, pergunto-me: O que fazer? De forma automática o organismo pode aumentar a quantidade da fonte produtora do prazer ou, também, procurar estímulos novos, isto é, de qualidade diferente. Dessa forma, a pessoa poderá comer, comer e comer ou, também, usar o alimento altamente temperado; se a bebida estiver fazendo pouco efeito, a solução é beber e beber, mais e mais, na busca do prazer anterior perdido; poderá também misturar diversas bebidas, tomá-las num novo cálice, num bar recém inaugurado ou junto a uma nova companhia. Se o problema for o dinheiro, que na quantidade atual não mais produz emoções positivas, seu possuidor poderá armazenar mais e mais e fazer diversas aplicações, de

preferência as ousadas, pois essas provocam mais emoções.

Em qualquer área: fama, crença religiosa, sexo, onde a fonte de prazer estiver enfraquecida, a técnica será a mesma: aumentar ou diversificar os estímulos. Assim, para aumentar o prazer enfraquecido diante das orações, o remédio é orar mais e mais, trocar, de tempos em tempos, de religião ou de igreja, ou, ainda, se autoflagelar. Se a relação sexual não mais causar prazer, o amante poderá tentar transar mais e mais ou variar as técnicas, criar fantasias imagináveis e inimagináveis, usar

drogas que aumentam o prazer ou, ainda, se tudo isso der errado, trocar, de tempos em tempos, de parceiro.

Lamentavelmente, – eu não queria relatar o que se segue para não tirar a alegria do leitor – qualquer remédio usado para aumentar o prazer anterior, com o tempo, cedo ou tarde, também, como tudo o mais, irá diminuir, pois a tolerância aparecerá novamente atrapalhando

o novo prazer obtido através das novas técnicas empregadas. Não há prazer ou sofrimento que resista ao tempo. O homem, bem como alguns animais, acostuma-se a tudo: seja bom, seja ruim. A dopamina, uma substância química produzida por algumas células nervosas, mecanismo envolvido na produção das ações e relacionada ao prazer, se esgota quando os estímulos são exibidos e continuados por muito tempo. Somos fascinados pela novidade; é ela que nos excita. A

nascente dopaminérgica, diante de estímulos continuados, esgota-se e, nesse caso, a pessoa não sente desejo de agir.

No documento O Poder das Emoções (páginas 176-179)