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2. Estudo histórico teológico

2.1 A personagem Abrão

A narrativa bíblica apresentada coloca o leitor diante de pontos nodais, sobre os quais é chamado a confrontar-se, sendo assim é necessário estabelecer uma ordem, para tanto foi eleita a personagem, Abrão, situando-lhe no tempo e no espaço.

O ciclo Abrão é situado, pela maioria dos estudiosos, no século XIX a.C.. Segundo a hipótese documental45, esta narrativa pertence à chamada fonte Javista (J), datada do século IX a.C, por isso há autores que ressaltam a importância das tradições pré-literais. Esta hipótese procura esclarecer, que o documento Javista não é uma invenção do autor do século IX a.C., mas foi escrita no século IX a.C.. Deste modo, restam dez séculos de distância entre a tradição oral e o documento escrito, o que justificará certos anacronismos46 identificado na narrativa.

44 O núcleo histórico das tradições de Abrão é objeto de debates à luz das repercussões arqueológicas. Os

documentos de Nuzi, os nomes de pessoa semítico-ocidental de Mari, as relações e os movimentos amoritas entre Canaã e a Mesopotâmia foram utilizados para reconstruir o ambiente histórico cultural de Abraão de Ur da primeira metade do II milênio. Alguns pesquisadores hipotizam para a época patriarcal duas ondas migratórias, uma amorita e outra aramaica, correspondente ao quadro da expansão amorita por volta de 2000a.C. O fato de Abraão ser chamado de Hebreu (cf. Gn 14,12) é considerado como índice de sua participação aos Hapiru. Não obstante tentativas de situar o patriarca em 2000a.C., a Bíblia relaciona os patriarcas entre os arameus “Meu pai era um arameu errante” (cf. Dt 26,5; Gn 25,20; 28,5; 31,20.24), as referências a estes povos se dá num documento assírio datado de cerca de 1110 a.C. Sugere-se que existe uma continuidade racial entre os amoritas da época patriarcal e os arameus dos séculos XI e Xa.C. Cf. VOGELS, Walter. Abraão e a sua lenda, 2000, p. 27-28; CLEMENTS, R.E. ~r"b.a. In: GLAT. Vol. I di IX.

ba-hlg. Brescia: Paideia, 1988, p. 112-113.

45 Embora a referência as fontes, aos documentos ou as tradições não sejam mais relevantes dentro da pesquisa

exegética da teologia atual, a maioria dos manuais ainda apresentam essa discussão. Penso ser importante não ignorá-la. Conforme a mesma, o Pentateuco corresponde a compilação de quatro documentos, diversos em idade e de ambiente posterior ao de Moisés. Existiam inicialmente duas obras narrativas: O Javista (J), que usa, desde a narrativa da criação, o nome YHWH (o qual Deus revelou a Moisés), e o Eloísta (E) que se dirige a Deus com nome de Elohim. O J teria sido escrito no século IX a.C., em Judá (Sul), o Eloísta no século VIII a.C., em Israel (Norte). Após a queda do Reino do Norte (722 a.C) os documentos teriam sido fundidos (JE). Na época do rei Josias (622 a.C) teria sido adjunto o Deuteronômio (D) formando um possível documento (JED), e depois do exílio, o Código Sacerdotal (P), o qual serviu na armadura e quadro (JEDP) para o Pentateuco. Cf. SKA, Jean Louis. Introdução à leitura do Pentateuco: chaves para a interpretação dos cinco primeiros livros da Bíblia. São Paulo: Loyola, 2003, p. 111-177; VOGELS, Walter. Abraão e a sua lenda, 2000, p. 21-35; ZENGER, Enrich – BRAULIK, Georg. Os livros da Torá/ do Pentateuco. In: ZENGER, Enrich – BRAULIK, Georg – NIEHR, Herbert (et al.). Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 83-157.

46 Prováveis anacronismos: Gn 21,34 diz que „Abraão viveu muito tempo na terra dos filisteus‟, mas estes povos

se instalaram em Canaã somente no 1200a.C.; Gn 11,31 diz que partiram de Ur dos caldeus, mas os caldeus só surgem nos textos assírios no sec. IXa.C.; e a sua ascensão ao poder ocorre somente no sec. VIIa.C; no início do segundo milênio era Ur dos sumérios; a referencia a camelos (cf. Gn 12,16) estes são domesticados e utilizados no Oriente próximo por volta de 1200a.C. Cf. VOGELS, Walter. Abraão e a sua lenda, 2000, p. 28.

Outros estudiosos apresentam diferentes possibilidades de datação, há quem diga que a posição de Abrão como ancestral comum a Israel provavelmente se deu no período em que existiam significativos laços entre Judá e Israel, e Judá gozava de uma posição predominante. Estas condições indicam como idade mais adaptada a época do reino davídico – salomônico47.

Por outro, lado há quem diga que os escritos definitivos são frutos pós-exílicos48.

No Capítulo 11 do livro do Gênesis é possível conhecer a família e a origem de Abrão. Seu pai Taré, teve três filhos: Abrão, Nacor e Arã. Arã morreu deixando um filho, Lot e duas filhas Melca e Jesca. Nacor casou-se com Melca. Abrão casou-se com Sarai, uma mulher estéril. O Pai de Abrão tomou a ele, a Sarai e a Ló e partiram de Ur dos caldeus49 para ir ao país de Canaã, mas chegados em Harã se estabeleceram ali. Diz ainda que os anos de vida de Taré foram duzentos e cinco anos50, e que ele morreu em Harã (Gn 11,27-32).

Após tais fatos, Abrão foi chamado a estabelecer uma aliança com Deus, para tanto ele deveria deixar sua parentela e a casa de seu pai e seguir rumo à terra que Deus lhe mostraria. Deus prometeu fazer dele um grande povo e abençoá-lo. Abrão51 juntamente com a esposa Sarai e o sobrinho Ló partiram de Harã caminharam para a terra de Canaã, habitada pelos cananeus, mas o Senhor prometeu a Abrão que esta terra pertenceria a seus descendentes.

47 Cf. CLEMENTS, R.E. ~r'b.a

;. In: GLAT. Vol. I di IX. ba-hlg. Brescia: Paideia, 1988, p.113-114.

48 Segundo esta posição o exílio do início do sec. VI a.C. minou a fé do povo, muitos prestavam culto às

divindades estrangeiras como Baal (Oséias entre 755-721 a.C., queda da capital, Samaria). O grupo que permaneceu fiel reabriu o coração à esperança de restauração (Ezequiel e Jeremias) do povo (586-538). O sonho se torna possibilidade quando Ciro, o persiano, entra em cena e permite o retorno à pátria (538). Neste ponto os círculos de sacerdotes, escribas e mestres, recolheram os documentos que tinham, interrogaram a memória histórica do povo e si confrontaram com as novas reflexões do período exílico, então a fé de Israel em YHWH é reconfirmada, e o povo de Israel retoma a unidade na fé num ancestral comum Abrão, homem escolhido por Deus e destinatário da promessa divina, exemplo de fé, assim como a unidade através do Templo. Cf. SKA, Jean Louis. Introdução à leitura do Pentateuco, 2003, p. 199-243.

49 O nome da Cidade da qual partiram Taré e sua família (Ur dos caldeus) Ur é conhecida e muito antiga, mas o

termo “Caldeu” é problemático. Os caldeus só surgem nos textos assírios no século IX a.C e referir-se a “Ur dos Caldeus” pressupõem a ascensão ao poder dos caldeus, ou seja, babilônicos, que acontece somente no século VII a.C, provavelmente no início do segundo milênio seria chamada Ur dos Sumérios. Cf. VOGELS, Walter. Abraão e a sua lenda, 2000, p. 28.

50 Com referência aos anos da vida de Taré existem versões diversas. Segundo o Pentateuco samaritano ele teria

morrido aos 145 anos, se ele teve Abrão aos setenta anos (cf. Gn 11,26) e Abrão o deixou quando tinha 75, conclui-se que Abrão tenha deixado Harã somente por ocasião da morte de seu pai (cf. Gn 11,26 e 12,4; At 7,4). Segundo a versão que temos, Taré teria vivido ainda 60 anos após a partida de Abrão. Cf. Nota da Bíblia de Jerusalém em Gn 11,31.

51 Idade de Abrão e Sarai: Abrão contava com 75 anos quando partiu e sua esposa era 10 anos mais nova que ele, portanto

Abrão atravessou o país até Siquém52, denominado lugar santo, onde construiu um altar a YHWH, dali caminhou rumo a Betél53, construindo um altar a YHWH e seguiu de acampamento em acampamento até o Negueb. Este gesto de percorrer de norte a sul, simboliza a tomada de posse da terra, construindo altares como marcas que o ligam a terra, embora Abrão permaneça sempre um estrangeiro de passagem54.

Abrão é o eleito de Deus, o escolhido com quem Deus faz aliança e através de quem abençoa todos os povos da terra. Apesar de ter chegado ao Sul do território que o Senhor lhe prometera, passa por uma situação de fome, que o obriga a procurar sobrevivência fora da terra que lhe foi prometida.