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1. Estudo linguístico-literário Gn12,14a-18b

2.1 O Egito para Israel

O nome hebraico para „Egito‟,

~yIr;c.mi

, se encontra na tábua dos povos, entre os filhos de Cam junto a kush (a Núbia), Put (a Líbia) e Canaan (cf. Gn 10,6). Segundo alguns teólogos a tábua dos povos reflete os grupos históricos e a situação política da época pré-israelitica. Os irmãos de

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representariam territórios que dependem do Egito.

203 Não é nosso intuito exaurir o comentário sobre o Êxodo ou o Egito, mas somente colher dados que

justifiquem a imagem que Israel formou do Egito ao longo de sua experiência, para justificar a ênfase dada a este país, ao seu povo e ao seu soberano dentro da narrativa em estudo. Cf. BLANCO, José Ignácio. O povo de Israel. In: ARAGÜÉS, J. Alegre – FLECHA, J.R. – SCHÖKEL, Alonso (et al.). Personagens do Antigo do Testamento. Vol I. São Paulo: Loyola, 2002, p. 12-20; CRAGHAN, John F. Êxodo. In: BERGANT, Dianne, CSA – KARRIS, Robert J., OFM (org.). Comentário bíblico. Vol I. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2001, p. 91-104; RINGGREN, H. ~yIr;c.mi. In: GLAT. Vol. V di IX. ~ym-rvn. Brescia: Paideia, 2005, p. 299-213.

No imaginário (na tradição, na crença, na experiência) do antigo Israel, conforme as Sagradas Escrituras, o Egito é considerado casa da escravidão204 (

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) da qual

Israel é libertado. Os Israelitas sofreram duras opressões, suas crianças foram assassinadas, seus filhos submetidos ao trabalho escravo e forçado, o povo foi oprimido pelo Faraó e seus subalternos. Além do mais, os egípcios são um povo estrangeiro e de língua incompreensível (cf. Sl 114,1; Is 33,19; Jer 5,15; Dt 28,49).

Por outro lado, o Egito é uma terra rica e fértil, lugar ideal para refugiar-se em tempo de seca e carestia (cf. Gn 12,10; 42,1ss; 43,1s). A narração do lamento do povo no deserto apresenta o Egito como o país no qual era possível comer e saciar-se: “quando estávamos sentados junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura” (Ex 16,3), “Lembremo-nos dos peixes que comíamos de graça no Egito, dos pepinos, dos melões, das verduras, das cebolas e dos alhos” (Nm 11,5).

O Egito também é visto como uma terra que adorava outros deuses e não o Deus único. Narra-se que Salomão, por razões políticas, se casou com uma das filhas do Faraó e construiu uma casa para ela (cf. 1Rs 3,1; 7,8; 9,16.24). A propósito das esposas estrangeiras do rei 1Rs 11,4 diz que “quando ficou velho, suas mulheres desviaram seu coração para outros deuses e seu coração não foi mais todo do Senhor, seu Deus, como fora o de Davi, seu pai”. O texto deixa supor que Salomão tenha adotado também deuses egípcios. O livro da Sabedoria, nos capítulos 13-15, trata do problema da idolatria em geral e da zoolatria egípcia em particular. Na história de José e na narração das pragas os videntes (

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) dos egípcios são referidos como adivinhos e magos, portanto a terra do Egito era vista também como terra profana e idólatra (cf. Gn 41,8).

204 Cf. “casa de escravidão” (~ydIêb'[] tyBeämi) Ex. 13,3; 20,2; Dt 5,6; 6,12; 7,8; 8,14; 13,6.11; Jz. 6,8; Jr. 34,13; Mq.

6,4; GUNNEWEG, Antonius H. J. Teologia bíblica do Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Teológica - Edições Loyola, 2005, p. 92.

Ao longo dos registros Bíblicos, nota-se que entre os dois países vizinhos, o Egito e Canaã, desenvolveram-se relações de diferentes naturezas. A história de José e a narração da migração das famílias de Jacó para o Egito refletem eventos que podem não ter acontecido historicamente, mas pelo fato de serem considerados típicos, não podem ser eliminados como não históricos205.

Dois grandes complexos narrativos do AT têm como palco o Egito: a história de José (cf. Gn 37-50) e a história do Êxodo (cf. Ex 1-15). A história de José liga a história dos patriarcas à narrativa do êxodo, pois explica como e porque os Israelitas chegaram ao Egito. A libertação de Israel do Egito ocupa um amplo espaço na tradição de Israel enquanto ato fundamental da eleição. A narrativa do êxodo em sentido estreito é precedida pelo relato das „pragas do Egito‟ (cf. Ex 7,8-10,29). A historia é apresentada como uma luta que opõe Moisés e Aarão, chefes dos hebreus, ao Faraó com os seus magos, ou, em perspectiva teológica, YHWH aos deuses do Egito. Desta luta sai um vencedor, YHWH, somente depois da décima praga, o extermínio dos primogênitos do Egito.

O Salmo 80,9 apresenta uma imagem sugestiva: “Israel é uma vinha que YHWH tirou do Egito para transplantá-la em Canaã”. Outra imagem é a de Os 11,1: “Israel é o filho de YHWH que Deus chamou do Egito”. O Egito foi lugar de transição, de fartura, de passagem de Israel, lugar de escravidão, de contato com uma nação politeísta, mas também, foi o palco da eleição e manifestação do amor do Senhor, que libertou, conduziu e formou o seu povo.

Nestas linhas é possível se aproximar do que está por traz de todo o suspense gerado em torno da descida de Abrão e Sarai ao Egito. Mas o leitor pode continuar a interrogar-se, pois não só o nome Egito se repete como um refrão durante a narrativa, mas também o nome Faraó é invocado diversas vezes. A tônica em que é invocado leva a crer que esta seja uma figura soberana e imponente. Ao ler a narrativa, perguntas como: por que Abrão teme entrar

em terra estrangeira? Por que pede a Sarai para dizer que é sua irmã e a entrega ao soberano? Por que um soberano tomaria uma mulher estrangeira, se ele poderia ter todas as mulheres que desejasse em seu harém? Para compreender tais indagações é interessante conhecer quem é essa nova personagem, o que ela significa.