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1. Estudo linguístico-literário de Gn 12,20-13,1a

2.2 Releitura do Êxodo

Provavelmente, o termo releitura não seja o mais adequado porque de certa forma remete a uma hipótese de datação do texto, como se o mesmo fosse posterior ao Êxodo. Quanto a isto, não se tem uma certeza matematicamente exata. O que se tem são especulações, deste modo não se tem a pretensão de defender uma verdade, mas apresentar um indicativo condutor de continuidade e descontinuidade, característico nas Sagradas Escrituras.

307 Caso se parta da hipótese documental, o texto J seria provavelmente do IX sec. a.C e o E seria do VIII a.C,

portanto, época da monarquia, o que permite fazer uma comparação entre o rei Faraó e o rei David. Tanto o Faraó quanto o rei Abimelec tomaram (Gn 12,15; 20,2) a mulher de um estrangeiro visivelmente bonita, „muito bonita‟ (12,14; 26,7) pensando que fossem núbeis, mas ao saberem que elas tinham marido, os mesmos as restituíram. O Faraó e Abimelec são cientes de ter incorrido em grande pecado retendo a esposa de outro homem. Nota-se que os reis estrangeiros, não israelitas, não conhecem a lei, mas a obedecem, pois eles sabem lidar de forma adequada com um estrangeiro em sua casa. Portanto, governantes estrangeiros souberam mostrar respeito para com os peregrinos, diferente do rei da Judéia. Cf. DE HOOP, Raymond. The Use of the Past to Address the Present: The wife-sister-incidents (Gen 12,10-20; 20,1-18; 26,1-16), 2001, p. 368.

308 Cf. DE HOOP, Raymond. The Use of the Past to Address the Present: The wife-sister-incidents (Gen 12,10-

20; 20,1-18; 26,1-16), 2001, p. 359-369; André Wénin publicou dois estudos sobre Gênesis 12, na qual ele destaca os muitos links que este capítulo tem com o ciclo das origens e, em especial com a história da queda, ou pecado original. Para ele, o Gen 12,10-20 foi concebido como o 'pecado original' de Abraão e Sarai seria uma contra-imagem de Eva. Ele faz um paralelo com relação à missão de Abrão de ser benção para todos os povos da terra. Todavia nos interessa mais o paralelo que ele faz com o Êxodo. Cf. WENÍN, André. Abraham: elleción y salvación. Reflexiones exegéticas y teológicas sobre Génesis 12 em seu contexto narrativo. In: Espíritu y vida (14) 2005, p. 3-25; WENÍN, André. Abraham: élection et salut. Réflexions exègétiques et théologiques sur Gênese 12 ans son contexte narratf. In: Revue Théologique de Louvain (27), 1996, p. 2-24.

Ao referir-se à releitura, pretende-se apontar alguns elementos intertextuais309que possibilitam uma hermenêutica sincrônica, possível de visualizar no quadro ilustrativo:

Abrão e Sarai José/Israel

12,10 – Aconteceu uma fome na terra 41,54b – Havia fome em todos os países 12,11 – Quando ele se aproximava para chegar

no Egito

46,28 – Eles chegaram à terra de Gessen 12,11 – Disse a Sarai mulher dele 46,31 – José disse a seus irmãos

12,11 – Eis que sei 46,31 – Vou subir para advertir o Faraó [...] 12,12-13 – Acontecerá, que verão a ti os

egípcios, e dirão [...] dize, pois [...]

46,33-34 – Assim quando o Faraó vos chamar e perguntar [...] vós respondereis [...]

12,13 – Para que se faça o bem para mim por

causa de ti 46,34b de Gessen – Deste modo podereis permanecer na terra 12,15 – Viram a ela os oficiais do Faraó e

elogiaram a ela para o Faraó

47,1 – Foi, pois, José advertir a Faraó 12,15 – E levaram a mulher para a casa do

Faraó

47,7 – Então José introduziu seu pai Jacó e o apresentou ao Faraó

12,16 – E para a Abrão foi feito o bem por causa dela, e teve para ele carneiro, gado e asnos, servos e criadas, jumentas e camelos.

47,5 – Jacó estabeleceu seu pai e seus irmãos e lhes deu uma propriedade na terra do Egito, na melhor região [...]

47,27 – Assim Israel estabeleceu-se na terra do Egito, na região de Gessen. Aí eles adquiriram propriedades, foram fecundos e se tornaram numerosos.

Neste ponto é possível ver a virada que as duas histórias sofrem sendo possível continuar a identificar aspectos comuns que sugere certa tipologia

12,17 – Feriu (pesteou) o SENHOR ao Faraó com pestes grandes

Ex 7,14 – 11,10 – Pragas contra o Faraó e o Egito 12,18 – Chamou Faraó a Abrão e disse: 12,31 – E Faraó chamou a Moisés e a Aarão e disse: 12,19 – Toma-a e vai-te 12,32 – Levantai-vos e saí

12,20 – E despacharam a ele [...] 12,33 – Os egípcios pressionavam o povo para que saísse de pressa

13,01 – Subiu Abrão do Egito [...] 12,37 – E os filhos de Israel partiram de Ramsés

309 Cf. ROMER, Thomas Cristian. La typologie exodique em Gn 12,10-20 et 16. In: WÉNIN, André. Studies in

the book of Genesis: literature, redaction and history. Leuven (Belgium): Leuven University Press, 2001, p. 181- 198. No fim do artigo Romer, em outras palavras diz que se as alusões de Gn 12 à tradição do êxodo, não são meras interpretações de intertextualidades ocasionais, pode-se supor que o autor tinha conhecimento dessas histórias (de uma forma ou de outra). Todavia não se quer dizer, que a saga do Êxodo do Egito dos patriarcas tenha sido destinada a servir como prólogo para o Êxodo. Por outro lado não se pode negar certa continuidade, ou similaridade, nem que seja no sentido textual.

Em suas características intertextuais o relato de Gn 12,10-20 apresenta semelhanças com a permanência de Israel no Egito. Pela escolha linguística o narrador evoca a lembrança do leitor da fome nos dias de José, bem como sua residência subsequente no Egito, que, eventualmente, levará à escravidão dos israelitas. A frase introdutória (cf. Gn 12,10) prenuncia a fome que levou os irmãos de José a buscar refúgio no Egito (cf. Gn 41,54). Além disso, a fome nos dias de Abrão era opressiva, a palavra

dbeîk'

expressa a intensidade contida nas três repetições que descreve a fome no tempo de José (cf. Gn 43,1; 47,4.13). Igualmente evidentes são as referências ao Faraó e as pragas que recordam o Êxodo310.

Segundo Niditch311 Gn 12,10-20 é um estilo de narrativa tradicional. Em seus

elementos genéricos e morfológicos é uma narrativa simples e direta. A constelação dos elementos individuais (Faraó, Egito, pragas, partida precipitada) sustenta a hipótese segundo a qual tal composição corresponde ao período sucessivo à formação da tradição do Êxodo. A ausência de amargura para com monarcas estrangeiros e, particularmente, a relativa segurança, possibilitam deduzir um período em que o êxodo e a conquista fazem parte do passado integrados num topos literário.

A descida ao Egito devido à fome e o retorno à terra, levando consigo o que possuía, assemelha-se ao que farão os hebreus em sua partida do Egito. Os „escravos‟ também despojarão os egípcios e partirão com suas riquezas (cf. Ex 12,35-38). O Faraó foi castigado com pragas, as quais o fizeram mudar de atitude libertando Sarai e expulsando o casal, assim como outras pragas farão o Faraó mudar de atitude e o levarão a liberar Israel312.

Como se deu com seus descendentes, também Abrão e Sarai precisaram migrar devido à fome (Gn 12,10): “Antes que viesse o ano da fome (

b['Þr"

)” (Gn 41,50); “e começaram a vir os

310 Cf. JEANSONNE, Sharon Pace. The women of Genesis: from Sarah to Potiphar´s wife. Minneapolis:

Augsburg Fortress Publishers, 1990, p. 16.

311 Cf. NIDITCH, Susan. The three wife-sister tales of Genesis. In: A prelude to biblical folklore. Urbana:

University of Illinois Press, 2000, p. 62.

312 Há estudiosos que descreve Gn 12,10-20 como uma antecipação do Êxodo, o que não se enquadra as três

narrativas, pois os paralelos não estão no Egito, mas em Gerara terra dos filisteus. Cf. DE HOOP, Raymond. The Use of the Past to Address the Present: The wife-sister-incidents (Gen 12,10-20; 20,1-18; 26,1-16), 2001, p. 367.

sete anos de fome [...] havia fome em todos os países” (Gn 41,54); “De toda a terra veio ao Egito para comprar mantimento [...] pois a fome se agravou por toda a terra” (Gn 41,57); “foram os filhos de Israel comprar mantimentos [...] porque a fome assolava a terra de Canaã” (Gn 42,5); “mas a fome assolava a terra [...]” (Gn 43,1).

Sarai foi entregue aos Egípcios pelo seu irmão (cf. Gn 12,11-16), assim como mais tarde também José será entregue por seus irmãos:

Então disse Judá a seus irmãos: “De que nos adianta matar nosso irmão [...] vendamo-lo aos ismaelitas [...] é nosso irmão, da mesma carne que nós. E os irmãos o ouviram [...] venderam José aos ismaelitas [...] e estes o conduziram ao Egito [...]. (Gn 37)

Assim como Sarai possuía uma beleza particular (

`T.a'( ha,Þr>m;-tp;y> hV'îai yKi²

), capaz de chamar a atenção dos egípcios e os desejos de posse do Faraó, também José era “belo de porte (

ra;toß-hpey>

) e tinha um rosto muito bonito (

ha,(r>m; hpeîywI

)” (Gn 39,6) a ponto despertar desejos na mulher de seu senhor (cf. Gn 39,7-20).

Em meio ao seu sofrimento, como o povo sob o jugo da escravidão, ela se dirigiu ao Senhor e foi ouvida, o Senhor veio em seu favor (Ex 2,23-25 e Gn 12,17), e feriu313 o Faraó com grande pragas (cf. Ex 12,29-30; Gn 12,17) libertou a Sarai, figura do povo, das mãos do Faraó e a devolveu a seu esposo Abrão, e assim eles foram expulsos do Egito (cf. Ex 12,31- 32; 4,21; 6,1; 11,1; Gn 12,20).

Nos pequenos detalhes é possível contemplar a continuidade com a experiência e teologia do Êxodo, etapa de importância fundamental para a formação da identidade do povo e o estabelecimento de relações mais estáveis com Deus. Na libertação de Sarai identifica-se a

313 A intervenção de YHWH contra o Faraó e o Egito permite fazer, através do uso do termo „ferir‟ ([gn), alusão

às pragas do Egito. Todavia a reação do soberano egípcio nesta história é o oposto do que a do Faraó em Ex 12, nesta o faraó deixou-se convencer imediatamente pelas pragas divinas, devolvendo a liberdade a Abrão e a sua esposa. É o próprio Faraó quem provoca o êxodo de Abrão expulsando-os do Egito (xl;v', Gn 12,20 e 14,5). Cf. ROMER, Thomas Cristian. La typologie exodique em Gn 12,10-20 et 16, 2001, p. 196.

versão correspondente ao Êxodo como libertação, e na expulsão do casal a identificação do Êxodo como expulsão. Diz o pensamento clássico hebraico:

A descida de Avraham e Sara ao Egito foi um precursor do exílio Egípcio:  A fuga de Avraham do Egito como um homem rico abriu os canais espirituais da redenção que possibilitaram a seus filhos saírem do Egito carregados de ouro e prata.

 Da mesma forma, o cuidado extremo de Sara para não ser desonrada pelo Faraó, dotou mais tarde as mulheres judias do Egito, com a força para permanecerem fiéis às suas famílias314.

É interessante apreciar a riqueza de detalhes e a beleza deste texto, uma obra moldada certamente por mãos de artista. Por traz de um véu que delineia aparente simplicidade é possível ir além e colher verdadeiro tesouro no que diz respeito à autocompreensão de Israel, fruto de uma longa experiência. Nesta experiência todos os elementos, destacados ao longo do percurso, se tornaram parte da identidade e da história de todos que se compreendem como filhos de Abrão e Sarai.

2.3 Subida do Egito

A expressão “subir do Egito” firma-se na memória de Israel, não apenas como síntese teológica, mas também como trajetória de resistência a sistemas que se alimentam através da vida das pessoas, expropriando seu trabalho por meio de tributos. Esta expressão recolhe um legado espiritual, histórico e teológico na identidade dos descendentes de Abrão e Sarai.

Abrão partiu de Harã seguindo a ordem do Senhor (cf. Gn 12,4). Agora ele parte novamente, mas seguindo a ordem do Faraó, diz o narrador: “Abrão subiu do Egito para o Négueb”. Abrão foi ao Négueb na terra prometida (cf. Gn 12,9) e de lá “desceu” ao Egito (cf. Gn 12,10). Agora ele “sobe” do Egito ao Negueb, está de volta à terra prometida. O narrador repete “Ele, sua mulher e tudo o que era dele” (cf. Gn 12,20; 13,1) por duas vezes.

Uma arriscada passagem da narrativa sobre Abrão e Sarai terminou. A abertura do ciclo de Abrão põe o leitor diante da realidade humana, um drama permeado de ambiguidades e pouco motivador. O patriarca, chamado por Deus, recebeu promessa de terra e descendência, mas tudo parece estar ameaçado, o mesmo se viu obrigado a abandonar a terra e a migrar para uma terra na qual ele temia que seus habitantes o matassem.

Se em sua abertura a narrativa iniciou com uma descida, agora, no seu encerramento, a conclusão apresenta a subida. O ciclo está completo. Tem-se, portanto, dois movimentos: descida e subida. Esta carrega a conotação contrária da descida, pois, a subida evoca sair de uma posição menos favorecida para uma posição melhor. De fato, quando o patriarca e a matriarca desceram suas condições não era das melhores, fome, medo, perseguição e dominação. Na subida eles encontram-se livres do que os atormentavam, enriquecidos e protegidos pelo Deus que os livrou, pois, Ele também os conduz.

Passaram pela fronteira, desceram até o Egito e agora podem retornar à terra que o Senhor lhes prometera. A sensação de medo e de suspense encontrada pela conjuntura vigente é superada e a narrativa põe novamente o leitor dentro do conjunto da harmonia inicial da promessa estabelecida entre o Senhor e Abrão, da qual Sarai é parte constituinte.

O retorno à terra foi mediado por uma mulher da qual a única expressão de ação se resume numa incógnita que o narrador diz ter provindo da mesma “

yr:Þf' rb:ïD>-l[;

”, o que vem a

ser, como foi visto, não é tão fácil dizer o que compreende tal expressão, todavia, foi por isso que o Senhor agiu e os livrou do estado de opressão, garantindo a continuidade da promessa, o retorno da terra e a geração de descendência.

2.4 Atualidade da narrativa

O documento, “A Interpretação da Bíblia na Igreja”, da Pontifícia Comissão Bíblica dedica o seu IV capítulo ao tema da interpretação da Bíblia na vida da Igreja. Este capítulo,

em seu primeiro tópico, trata da atualização do texto bíblico, o que compreende princípios, métodos e limites315. A citação deste documento se faz importante nesta etapa do trabalho porque é o que se pretende fazer neste tópico.

Conforme o documento, para a Igreja, a Bíblia não é simplesmente um conjunto de documentos históricos referente ao passado, mas sim Palavra de Deus dirigida à Igreja e ao mundo inteiro no tempo presente. Esta convicção tem como consequência “a prática da atualização e da inculturação da mensagem bíblica”316. Essa é uma prática já presente na

própria Bíblia, onde textos mais antigos foram relidos à luz de novas circunstâncias e aplicados à situação presente do povo de Deus. Fundamentando-se nestas convicções, a atualização continua a ser uma prática necessária entre os fiéis.

O documento diz que a atualização é possível, necessária e deve ser constante. A mensagem bíblica pode fecundar todos os tempos, ela está ao alcance dos homens e mulheres de hoje, portanto, é necessário aplicar a mensagem desses textos às circunstâncias presentes e exprimi-la numa linguagem adaptada à época atual.

Observa-se que a atualização não significa manipular o texto, nem projetar sobre os escritos bíblicos opiniões ou ideologias novas, “mas de procurar com sinceridade a luz que eles contêm para o tempo presente”317. No parágrafo sucessivo, o documento diz que “graças à

atualização, a Bíblia vem iluminar inúmeros problemas atuais [...] a opção preferencial pelos pobres [...] a condição da mulher [...] direito da pessoa, proteção a vida humana, preservação da natureza, aspiração à paz universal”318.

315 Este documento foi lançado em 1993 por ocasião do centenário da Encíclica de Leão XIII Providentissimus

Deus (1893) e do cinquentenário da encíclica de Pio XII, Divino afflante Spiritu. A providentissimus Deus quer proteger a interpretação católica da Bíblia contra os ataques da ciência racionalista; já a Divino afflante Spiritu preocupa-se em defender a interpretação católica, contra os ataques que se opõem à utilização da ciência, por parte de exegetas, que querem impor uma interpretação não cientifica chamada “espiritual” das Sagradas Escrituras. Cf. PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de abril de 1993). 8. ed. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 8.

316 PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja, 2009, p. 139. 317 PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja, 2009, p. 140-141. 318 PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja, 2009, p. 143.

Deste modo pode-se constatar o quanto a narrativa estudada ilumina a vida. A narrativa em questão é uma história não muito estranha a tantos homens e mulheres dispersos pelo mundo da migração. Quem nunca ouviu falar de áreas de expulsão e áreas de atração? Quantos migrantes castigados pela seca e pela aridez de sua terra foram e ainda são expulsos da mesma devido à fome e se colocaram em marcha, como peregrinos, em busca da sobrevivência. Esta é a realidade de milhares de nordestinos que deixam o sertão e vem para a lavoura do corte de cana319 no interior do estado de São Paulo e Minas Gerais.

Aqui se fala em nível local, mas é possível ampliar o horizonte para as realidades internacionais, veja-se o caso dos migrantes na rota do mediterrâneo320 que desembarcam em Lampedusa. São milhares de cidadãos africanos que deixam a sua terra e se aventuram sem nada a perder, tudo o que acontecer é lucro, pois para eles a morte é uma certeza muito próxima, a vida é uma esperança, sorte de poucos.

O mesmo vale para os que arriscam a vida na fronteira entre México e Estados Unidos, bem como, para os Bolivianos em São Paulo. Se as rotas da migração falassem! Quantos retirantes teceram sonhos de um dia poder retornar!

Segundo a Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais da ONU, os dados de 2005 revelaram que até então 195321 milhões de pessoas viviam fora de seus estados de origem. Os motivos são variados: parte desses procuram condições materiais dignas para atender suas

319 Cf. AZEVEDO, Luze. Vozes do eito. Petrópolis: Vozes, 2010.

320 Se teme que 250 migrantes hayan perdido la vida después de que la embarcación a bordo de la que viajaban, y

la cual trasportaba a unas 300 personas, naufragase a primera hora del día de hoy a unos 60 kilómetros de la isla italiana de Lampedusa. Disponível em: <http://www.iom.int/jahia/Jahia/media/press-briefing-notes/pbnEU/cache /offonce/lang/es?entryId=29463>. Acesso em 07 de Abril de 2011 às 20h30min. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) acredita que a embarcação teria partido há dois dias das costas da Líbia com aproximadamente 300 pessoas, entre eritreus e somalis. UOL NOTÍCIAS. Embarcação pode ter naufragado com mais de 300 migrantes. Disponível em: <http://noticias.bol.uol.com.br/internacional/2011/04/06/embarcaçã- pode-ter-naufragado-com-mais-de-300-imigrantes.jhtm>. Acesso em 07 de Abril de 2011 às 21h:00min.

321 Cf. Mensagem da diretora-executiva do UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), Thoraya Ahmed

Obaid, para o Dia Internacional dos Migrantes - 18 de dezembro de 2006. “Estimados em 195 milhões em todo o mundo, mais de 3% da população - que deixaram sua terra natal em busca de vidas melhores”. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/view_news.php?id=5092>. Acesso em 07 de Abril de 2011 às 21h36min; BRANCO, Rodrigo Castelo. Globalização, tratado de livre comércio da América do Norte e migração internacional: o capital como barreira aos trabalhadores periféricos. Disponível em: < http://www.pucsp.br/neils /downloads/ v15_16_castelo_branco.pdf >. Acesso em 07 de Abril de 2011 às 21h36min.

necessidades básicas e históricas morais, outros fogem de perseguições políticas, dos desastres ecológicos, conflitos civis e militares, bem como melhorar suas condições econômicas.

Os migrantes partem na esperança de encontrar melhores oportunidades de vida. Esses muitas vezes, arriscam a sua vida e a vida de suas famílias na esperança de poder viver com dignidade. Nas estradas da migração tudo pode acontecer. Mais que nunca hoje se fala da feminização da migração322, bem como, do tráfico de pessoas para exploração sexual, tráfico de órgãos e outros. Nem sempre se tem a liberdade de escolher, de decidir por si, nem sempre sua opinião é pedida ou escutada. Certamente, as vítimas deste tipo de situação se identificariam com a de Sarai descrita pelo teólogo biblista Walter Vogels:

Agora pela primeira vez no ciclo, pede-se a Sarai que fale [...] não lhe deixa muita escolha [...] pede que rejeite sua própria identidade [...] Abrão se interessa pela própria vida [...] o suposto irmão quer vender sua „irmã‟ [...] a mulher se tornou um objeto do qual se serve e se aproveita... os egípcios „viram‟ que Sarai não era simplesmente bela, mas „muito linda‟ [...] Quando sua beleza foi relatada ao Faraó, o olhar não basta mais. Ela „foi levada à casa do Faraó‟[...]. O texto nem se quer menciona o nome de Sarai, ela se tornou „a mulher‟. Os ricos e poderosos podem apropriar-se das mulheres como querem, e delas abusar [...] Não só se abusa da mulher, como ainda por cima o marido enriquece, como os cafetões se enriquecem à custa de suas mulheres [...]323.

A narrativa de Abrão e Sarai comunica, não somente ao homem de fé, mas retrata a história de tantos Gerim (

rwg

), migrantes que vivem ainda hoje no anonimato sob a exploração e submissão de potências capitalistas nos haréns de verdadeiros Faraós. Como o patriarca e a matriarca tantos migrantes sonham, não somente com a sobrevivência, mas também de poderem retornar à sua terra enriquecidos e protegidos.

322 Cf. OBAID, Thoraya Ahmed (diretora-executiva da UNFPA). Mensagem para o dia internacional dos

migrantes 18 de dezembro de 2006. “Como cerca de metade de todos os migrantes são mulheres, é necessário focar nas questões associadas à igualdade de gênero. Mulheres migrantes tendem a se concentrar em ocupações tradicionalmente femininas e setores informais da economia, nos quais elas enfrentam maior risco de exploração e abuso, incluindo o tráfico de seres humanos”. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/view_news.php?