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CAPÍTULO II – TRABALHO

2.7 A Perspectiva do Trabalho como Direito Social

Sobre o trabalho no serviço público, ainda há dois pontos relevantes observados durante a pesquisa:

nenhum dos sujeitos entrevistados que adoeceram e vieram para o processo de reabilitação profissional tiveram o nexo causal, ou seja, suas doenças não foram consideradas, pelo médico, como doenças oriundas do trabalho;

nenhum trabalhador, entre os pesquisados, procurou algum serviço de auxílio para reivindicar o nexo causal, ou seja, a comprovação da relação da causa do adoecimento com o trabalho que exerciam.

Quem representa esses trabalhadores? A resposta é que existe um sindicato dos trabalhadores municipais de Piracicaba, fundado em 10 de novembro de 1988, que representa os funcionários públicos municipais de Piracicaba, Saltinho, São Pedro e Águas de São Pedro. Conta com sede própria, onde funcionam alguns departamentos e serviços, entre eles: Departamento Jurídico, Departamento de Comunicação, Departamento de Convênios, atendimento, recepção, cabelereira e salão de eventos (SMUNICIPAIS; 2013).

No entanto, apenas um dos sujeitos menciona o sindicato, ao qual recorreu para utilizar o Departamento Jurídico e reivindicar a perda de um benefício salarial. O fato espelha a realidade do serviço público, já que não é comum pertencer ao sindicato municipal, que conta com aproximadamente 3.300 associados (49% do total), mas se observa que poucos participam de reuniões para conquistas coletivas (SMUNICIPAIS; 2013).

Na reunião para a assembleia anual representativa, que ocorreu referente ao dissídio coletivo, em maio de 2012, havia em torno de 80 pessoas, que se referem a 2% dos associados, que representam 1% dos servidores municipais (SMUNICIPAIS; 2013). Um número relativamente baixo, relacionado com o número de associados e de servidores municipais, considerando que o assunto em pauta era a discussão da porcentagem do dissídio coletivo que propõe a base para o aumento salarial anual, considerando também que existe notória divulgação nos setores com cartazes, a fim de mobilizar os trabalhadores para a campanha salarial anual, informando a data da assembleia.

Os sujeitos apontaram o motivo de não participarem como financeiro ponderando que, para se associar, é preciso pagar 1% do salário mensal. Assim, alegam não ter condições financeiras para suprir com mais gastos, além do trivial, e pagam apenas ao Sindicato a contribuição assistencial anual, que equivale ao valor de um dia de trabalho. A taxa é obrigatória e todos pagam. Outro motivo mencionado para não utilizar o sindicato é que não se sentem representados e não acreditam que lutem pelos direitos dos trabalhadores.

Figura 7 – Servidores municipais de Piracicaba durante assembleia realizada pela Diretoria do Sindicato dos Servidores Municipais

Fonte: Disponível em: <www.smunicipais.org.br/noticias_integra.php?id=37>.

As relações, no serviço público municipal, refletem o contexto nacional. A partir do desmonte dos direitos sociais conquistados com a introdução das novas formas de trabalho, a classe dos trabalhadores, que Antunes (2010) denomina de a “classe que vive do trabalho”, e inclui também os desempregados, que não deixam de ser trabalhadores, os quais, em dado momento, ficaram fora do sistema da produção, por não conseguirem recolocação no mercado de trabalho. O desemprego estimula a competitividade pelos postos de trabalho e leva à conformação do trabalhador que, para garantir seu emprego, aceita a precarização do trabalho. O fato de existir desemprego muito evidenciado pela mídia, traz certo conformismo para aqueles que estão garantidos em seus empregos públicos.

Observou-se, durante a pesquisa com os noves sujeitos, que, ao narrarem o processo de adoecimento, em alguns momentos, relacionam suas atividades com o sofrimento, mas todos só procuraram ajuda médica depois de algum tempo, e a única saída encontrada foi deixar o antigo cargo, apontando um quadro clínico sem possibilidades de recuperação para retorno à função. É relevante mencionar que a indicação médica para reabilitação ocorre em casos em que foi diagnosticada alguma incapacidade profissional que impossibilita o trabalhador de exercer a função anterior ao adoecimento. Torna-se importante, nesse sentido, entender que, segundo Dejours (1992, p. 121),

A consulta médica termina por disfarçar o sofrimento mental: é o processo de medicalização, que se distingue bastante do processo de psiquiatrização, na medida em que se procura não somente o deslocamento do conflito homem-trabalho para um terreno mais neutro, mas a medicalização visa, além disso, a desqualificação do sofrimento, no que este pode ter de mental.

Verificam-se, também, durante as histórias, que alguns encontraram dificuldade em conseguir que o médico concedesse a reabilitação, como relata a Professora – 5. Mesmo com parecer de seu médico favorável à reabilitação, conta que foi um processo difícil, junto à perícia do INSS. Assim, a reabilitação representa um ganho, um fator positivo, como única forma de se livrar do sofrimento e da dor de um trabalho que consumia pouco a pouco a saúde mental e a física.

Ao retomar as palavras da Monitora – 20, fica evidente a lógica das mudanças no serviço público, como a troca de nomenclatura de cargos, para o devido enquadramento na lei, não sendo discutidas com os trabalhadores, mas impostas pelo poder público. Ele colocou a

gente como inútil, como não capacidade de tratar criança em outra fase, todos os monitores vão trabalhar como assistentes de classe, viramos meras assistentes de classe, recebendo como monitor. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012). As mudanças do mundo do trabalho afetam também a organização do serviço público e suas configurações.

De acordo com Lara e Canoas (2010, p. 137):

A produção capitalista, nos últimos 40 anos, intensificou mudanças na organização da produção e na exploração da força de trabalho. Essas metamorfoses trouxeram consigo inovações tecnológicas e organizacionais e, simultaneamente, ocasionaram as diversas desregulamentações das relações de trabalho.

A história dos direitos sociais dos trabalhadores vem marcada de muitas lutas sociais, em sua trajetória na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. A Seguridade Social,

onde se insere a Assistência Social, foi conquistada com lutas e movimentos sociais da classe trabalhadora. A abordagem dos direitos sociais como direito à cidadania, passa a ser incorporada pela Seguridade Social e é reconhecida na Constituição Federal de 1988, que aponta os diretos sociais em seu Art. 6o: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, (...)”. (EMENDA CONSTITUCIONAL 64, 2010).

Os direitos sociais são fundamentais para a afirmação de uma nova cultura política de Assistência Social, entre os quais destaca-se o estudo do direito do trabalho. Não é papel somente do legislador, a consolidação de direitos, mas dos trabalhadores, a reivindicação e intervenção na realidade, de forma coletiva, participando de um processo educativo. À medida que interagem dialeticamente, e entendem o sistema capitalista, modificam as formas de pensar e influenciam ações que os levam a acessar direitos enquanto sujeitos políticos.

O trabalhador procura por direitos, por vezes sem considerar-se sujeito político para reivindicá-lo, e é preciso despertar esse processo, como aponta Telles (2006, p. 177):

(...) será importante reativar o sentido político inscrito nos direitos sociais. Sentido político ancorado na temporalidade própria dos conflitos pelos quais as diferenças de classe, de gênero, etnia, raça ou origem se metamorfoseiam nas figuras políticas da alteridade – sujeitos que se fazem ver e reconhecer nos direitos reivindicados, se pronunciam sobre o justo e o injusto e, nesses termos, reelaboram suas condições de existência como questões pertinentes à vida em sociedade.

O trabalho coletivo inicia-se na subjetividade, por isso a importância de trabalhar o sujeito, por meio de uma prática de socialização de informações, articulação de novas dinâmicas sociais e mediação de acesso dos indivíduos sociais aos direitos e a alcançarem o patamar de cidadania.

Os direitos estruturam uma linguagem pela qual esses sujeitos elaboram politicamente suas diferenças e ampliam o “mundo comum” ao inscrever na cena pública suas formas de existência, com tudo o que elas carregam em termos de cultura e valores, esperanças e aspirações, como questões relevantes à vida em sociedade e pertinentes ao julgamento ético e à deliberação política. (TELLES, 2006, p.181).

A articulação de políticas e práticas devem potencializar as possibilidades do sujeito, tornando-o agente de transformação social, deixando de ser “atores sociais” para tornarem-se “sujeitos sociais”, protagonistas de suas próprias histórias, livres para fazer escolhas,

construindo uma nova cultura política, através da emancipação do sujeito e da inclusão social via acesso a direitos.

Essa discussão leva à perspectiva da inclusão social via acesso ao trabalho. Ao buscar a conquista da autonomia, com a construção e redescoberta de novas possibilidades profissionais, superam as limitações adquiridas com o adoecimento ou sequelas que levaram à deficiência física e/ou mental.

(...) quando o sujeito consegue atribuir um sentido emancipatório a sua experiência de amputação, ele concretiza um novo projeto de vida, superando o conflito gerado pela mesma, através da revisão de valores preconceituosos e estigmatizantes acerca do significado social de ser uma pessoa com deficiência. (PACHECO; CIAMPA, 2006, p.167).

Atribuir um sentido emancipatório às experiências que os levaram à reabilitação, facilita a construção de um novo projeto de vida, com seu retorno ao mercado de trabalho, e contribui para torná-lo um sujeito político, com suas escolhas profissionais.

Ao acessar direitos, é reconhecido como ser que produz e cria possibilidades de obter reconhecimento pela sociedade, através do trabalho, pois

Em uma sociedade como a nossa, que se organiza por esta lógica de mercado, as pessoas são importantes enquanto são produtivas e quando não produzem, é como se já não fossem nem sequer seres humanos. È impressionante constatarmos como o econômico invade as relações sociais e como certas práticas retiram cidadania dos sujeitos, fragilizando a sua já frágil condição humana. (MARTINELLI, 2006, p.11). A efetivação dos direitos fortalece uma nova cultura, construída no dia a dia, e leva ao processo de mudança não só daqueles que necessitam acessar o direito, mas de todos os que, de alguma maneira, participam desse processo e passem a aderir à proposta da inclusão social por meio do trabalho; facilitar o acesso à cidadania através da reivindicação de melhores condições de trabalho para evitar o adoecimento e para aqueles que já adoeceram eliminar os preconceitos, reforçar princípios de igualdade, evitar que sejam vistos como incapacitados, dependentes e/ou inválidos, isolados e recolhidos em seus lares. Conforme aponta Chauí (2006, p. 145), “(...) todos os atos participam da criação da nova sociedade. A participação é o dado constitutivo dessa sociedade porque é uma sociedade em construção pela ação de todos os seus sujeitos”.