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CAPÍTULO II – TRABALHO

2.4 O Cotidiano Profissional do Monitor de CEC

Assim como no setor privado, no setor público também aparecem novas condições de trabalho, surge uma série de exigências postas ao trabalhador, envolvendo metas a atingir, processos automatizados, que levam à individualização enquanto trabalhador, distanciando-o da consciência de classe trabalhadora. Conforme Antunes (2010, p. 30), “O individualismo exacerbado encontrou, também, condições sociais favoráveis (...)”.

Nos anos 90, verifica-se o aumento na intensidade do trabalho intelectual. As doenças mentais disparam, nos índices de adoecimento, como característica na organização do trabalho do educador. De acordo com a Monitora – 14,

O que contribuiu mesmo foram coisas que funcionários acabaram fazendo, coisas que não condiziam com o lado humano. Maltratou uma criança, isso eu não aceito, não tem como aceitar, eu nunca aceitei. E hoje eu jamais teria uma atitude dessas, seria difícil, porque você não pode falar nada, o médico falou para mim que tem quer ser cega, surda e muda, em relação ao que você vê com uma criança, mas eu não. (Monitora – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

Quanto ao grau de instrução dos sujeitos, chama a atenção que as monitoras participantes da pesquisa qualificativa têm o mesmo grau de instrução das professoras. Todas atingiram o nível universitário. Apesar da referência salarial e da carga horária apresentarem diferenças, a carga horária das monitoras de CEC é maior e a referência salarial é menor, em relação às professoras (Quadro 7).

Considera-se que o monitor de CEC tem suas atribuições equivalentes a um professor de ensino infantil, porém é um cargo que não está mais sendo ocupado. Equivalia à qualificação do magistério, e vem sendo substituído pelo professor de ensino fundamental, com exigência de graduação em Pedagogia. A fala de Monitora – 20, ao descrever seu trabalho, exemplifica essa diferenciação no período em que ocorreram as mudanças.

Quadro 7 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo monitor de CEC

Identificação dos sujeitos

da pesquisa Monitora (14) Monitora ( 20) Monitora (19)

Idade na data da

pesquisa 52 anos 40 anos 58 anos

Idade que ingressou na

reabilitação 47 anos 39 anos 56 anos

Tempo de trabalho na

Prefeitura 19 anos 21 anos 21 anos

Tempo de trabalho na

nova função 5 anos 1 ano 2 anos

Formação Superior Superior Superior

Cargo do Concurso Monitor de CEC Monitor de CEC Monitor de CEC

Referência

Salarial (Tabela DRH jan./13. Conversão em salários-mínimos)

2.50 sm 2.60 sm 2.60 sm

Regime de Trabalho Estatutário Estatutário Estatutário

Carga Horária Semanal 40h/semanal 40h/semanal 40h/semanal

Função exercida após a

reabilitação Atendente Escriturária de escola

Monitora de Educação Especial

Obs.: A referência salarial utilizada na tabela é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em janeiro/ 2013. Ocorreu a conversão em salário-mínimo, considerando por referência o salário-mínimo nacional em maio/2013. A contagem dos anos foi realizada como referência até maio/2013.

Outro fator de adoecimento apontado está ligado à intensificação do trabalho como educador, emergente da intensidade do trabalho. Dal Rosso (2008) considera que se exigem resultados cada vez mais qualitativamente superiores, consumindo mais energia do trabalhador, pois os processos de trabalho são intensificados.

Para compreensão do trabalho da monitora, a seguir, apresentam-se detalhes das histórias profissionais dos sujeitos da pesquisa oral que exerciam o cargo de monitora de CEC antes da reabilitação:

A Monitora – 20 relata como era seu trabalho e as relações de seu cotidiano profissional.

Eu nunca tive reclamações. Então, antes, eu realizava com muita vontade, daí eu fui adoecendo, pelo sistema, que a gente tinha uma forma do cuidar, a gente sempre utilizava aquela forma do assistencialismo. Tentou mudar e mudou de forma, que mudou o esquema de colocação do professor na sala. Nós ficávamos 8 horas dentro da sala, então, você tinha um vínculo com os alunos. Tudo o que acontecia durante o dia você sabia, e, a partir do momento em que mudou, em relação aos professores,

tivemos professores de meio período e elas tratam as crianças como folha de papel. Então, aquele cuidar, realmente, que você está se dedicando aos seus alunos, está cuidando de um ser humano, para mim, eu não estava mais vendo dessa forma, não por mim, mas pelas outras pessoas. (Monitora - 20, depoimento colhido em outubro de 2012).

A monitora retrata as particularidades de seu cargo, a municipalização da educação, consequência da Reforma do Estado, trouxe mudanças macro e micropolíticas nas relações do trabalho do educador infantil. O professor assume a classe de ensino infantil, que antes era de responsabilidade apenas do monitor de CEC, enquanto o monitor passa a ser considerado como assistente de sala, porém trabalhando oito horas por dia com os mesmo alunos e as mesmas preocupações. Toda essa mudança modifica as relações de trabalho dos educadores.

Os monitores de CEC sentiram-se desvalorizados ao perder a autonomia da classe. Com a reforma na educação infantil15, criam-se novas regras e novas exigências de qualificação. As antigas creches viram escolas infantis, daí vem o nome do cargo monitor de CEC – Centro Educacional e Creche –, que hoje são as Escolas Municipais de Ensino Infantil (Emeis). É exigida a presença de professores com graduação em Pedagogia e não há mais contratações para monitor de CEC. A prefeitura lança editais de concurso público exigindo a qualificação, o nível superior em Pedagogia, com habilitação em ensino infantil e/ou ensino fundamental, para assumir o cargo de professor infantil.

A Monitora – 20 critica o sistema da professora como uma forma de defesa, por sentir- se desprezada em sua forma de trabalho. Entendemos que a monitora se preocupa mais em cuidar, dar carinho, dar colo, enquanto a professora está mais direcionada a educar, dar autonomia para a criança fazer sozinha. Por isso, a monitora usa o termo trata a criança como

uma folha de papel, que expressa a preocupação do professor em ensinar.

Portanto, há conflitos nas relações cotidianas da sala de aula, sem apoio à monitora e à professora, ambas sofrem desgastes mental e físico, com a gestão e com as consequências do sistema de trabalho; ambas são cobradas a produzir.

15 Nova reforma na educação brasileira é implantada em 1996. Trata-se da mais recente LDB, que traz diversas mudanças às leis anteriores, com a inclusão da educação infantil (creches e pré-escola). A formação adequada dos profissionais da educação básica também é priorizada, com um capítulo específico para tratar do assunto. (MEC). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/?option=com_content&view=article&id=2&Itemid=171>.A atual LDB (Lei 9.394/1996) foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da Educação Paulo Renato, em 20 de dezembro de 1996. Baseada no princípio do direito universal à educação para todos, a LDB de 1996 traz diversas mudanças em relação às leis anteriores, como a inclusão da educação infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa da educação básica. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Diretrizes_e_Bases_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_Nacional>.

Eu não conseguia passar, o meu esquema de trabalho era diferente dos delas, essa ideia eu passo, essa ideia eu não passo, eu não estou nem aí com a criança, eu não estou nem aí com o ser humano, que eu estou cuidando. Meu esquema de trabalho era ver o bem-estar do aluno que eu estava cuidando, sempre tentando valorizar muito bem as necessidades deles. Eu ficava 8 dentro do local de trabalho; elas ficavam 5 horas, no máximo 6 horas e já tratavam de uma forma diferenciada. Eu tinha que dividir classe com uma professora de meio período. Então, eu acabava ficando dois períodos com uma professora de manhã e com outra à tarde. E isso são pessoas diferentes sistemas diferentes e o sistema imposto pelo governo ainda. Eu gostava muito do que fazia. Eu fazia com maior amor do mundo. Eu fui adoecendo pelo sistema. Pela imposição. Você tinha que seguir aquilo, eu queria cuidar e não conseguia cuidar, devido à sobrecarga, porque a outra pessoa não estava interessada em fazer. Então, eu acabava cuidando dos meus e dos outros. Hoje existe uma divisão muito grande, se hoje você têm sete alunos, são sete alunos seus. Você não mexe um com o outro. E não tem como, porque você divide o mesmo espaço. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).

Continua a descrever como era seu trabalho de monitora.

O monitor é um assistente de sala. Nó somos contratados, se pegar o edital do concurso, o que ele tinha, só que nós ficamos como meras assistentes de sala. Mas não responde pela sala. Você faz as mesmas coisas, às vezes trabalha mais e sua valorização é mínima. Você não tem mais valor se as coisas dão certo na sala, quem tem ponto, são as professoras. Mas, se deu tudo errado é aquela ali que não faz nada certo. Então, a sobrecarga é enorme. Acaba sobrando só para o monitor. Você se transforma num assistente de sala; a professora vai dar as atividades, as crianças, são 14 crianças, trabalham dessa forma. Método de via, eu assistente de sala, eu assisto 14 crianças. Neste período, duas professoras e eu. Certo. Imagina 14 crianças, se cada uma faz as necessidades duas vezes, no mínimo, a gente faz quatro trocas. No dia em que eu fiz mais trocas, eu fiz 91 trocas sozinha, em um dia. Eu cheguei a contar das 7h da manhã, que eu entrava, até as 17h, quando eu saía. Foram 91 trocas. Fora a professora, que não veio, não tem que ficar aí. Não vou deixar meus alunos ao deus-dará, eu não deixava. (Monitora -20, depoimento colhido em outubro de 2012).

Está presente na intensidade do trabalho do monitor tanto a possibilidade do desgaste físico como o mental. Conta-nos que eram crianças de dois anos, nessa fase, então, todas

foram encaminhadas para o berçário. Nós somos contratadas para trabalhar de seis meses a cinco anos, mas todas foram jogadas no berçário. Se você fizer uma pesquisa na rede todas as monitoras estão no berçário. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012). Ela conta qual foi a lógica da Secretaria da Educação de enviar as monitoras para o berçário.

Se eu fui contratada para trabalhar com crianças de 6 meses a 5 anos , está lá no meu edital, porque eu não tenho capacidade, então? Então vamos extinguir o cargo e acabou. Ele colocou a gente como inútil, como não capacidade de tratar criança em outra fase, todos os monitores que vão trabalhar viraram meras assistentes de classe, recebendo como monitor. Depois de 15 anos, 16 anos, como monitora e a sobrecarga é maior dentro do berçário. Imagine você todos os anos dentro do berçário. Eu já estava no berçário há seis anos, então, imagine a situação, a sobrecarga é imensa. E a sobrecarga psicológica é maior ainda. Se fizer a pesquisa

do jeito que elas estão, é muito diferente, o jeito de uma monitora trabalhar e a professora. E, algumas vezes, eu dou uma paradinha nas salas, até as meninas que são professoras aqui, brincam comigo, eu daria tudo para ver a Fulana um dia na sala de aula, pelo jeito que eu chego perto das crianças e, às vezes, eu faço parar de chorar, então você já tem um dom, a gente sente.

Ontem nós pegamos o meu prontuário e eu vi alguma coisa de lá. Entendeu, então, daí, eu não tinha visto antes, a resposta, elas ficaram pensativas. O que será? Bateu, matou e quase que eu fiz, é sério, o médico me afastou por isso, porque eu tive sinceridade. Porque, se o funcionário tentar bater, ele não vai falar não! Então, como eu valorizava muito meus alunos, pois, ninguém tem que pagar pelos atos de outras pessoas, muito menos uma criança. (Monitora -20, depoimento colhido em outubro de 2012).

A Monitora – 20 complementa descrevendo as características do seu trabalho.

A gente já tinha uma rotina. Eu já tinha, eu fazia uma rotina semanal, eu colocava no canto da lousa e a cada dia eu pontuava tudo. Já me organizava. Na outra semana, também. A gente fazia um planejamento para o ano inteiro, ia pegando os meses e naquele mês a gente tirava a semana. A organização era assim, tinha crianças que davam trabalho, uma criança com revolta, porque cada criança vem de família diferente, com dificuldades diferentes, então, a gente, eu principalmente, sempre eles diziam que eu era muito mãezona, muito faz tudo o que quer, sabe, é que a criança já chega, chegava assim, uma pessoa diferente, uma pessoa estranha, tinha que dar atenção para a criança, porque a criança tem que saber que você não é uma pessoa que vai maltratar, que vai deixar passar dificuldade ali, você vai dar a atenção para ela, então ela tem que ter confiança em você. (Monitora – 20, depoimento colhido em outubro de 2012).

A monitora expressa muita emoção, durante a entrevista, ao recordar algumas passagens, se emociona.

Então, eu era a que ficava com a criança no colo, eu que ficava com aquela que precisava de mais atenção, por causa de alguma dificuldade, que geralmente as minhas crianças eram todas pequenas, eram da fase de berçário até o maternal, então crianças dependentes. Então, eu dava a atenção bastante para eles. Eu trabalhava oito horas, o ambiente de trabalho era bom. Um ambiente bom. (...) (Monitora -20, depoimento colhido em outubro de 2012).

Ao perguntar sobre capacitações, cursos, responde que

Na época não tinha nenhuma capacitação, que eu fiz não. Depois eu vim a saber que para outros concursos teve. Quando eu entrei não teve (...). Eu procurei porque na verdade o que prejudicou, foi assim, tem história de vida da gente, bom, eu acabei presenciando fatos dentro da escola de educação infantil, com colegas de trabalho, que não condiziam com o meu objetivo de trabalho. (Monitora -20, depoimento colhido em outubro de 2012).