• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – TRABALHO

2.3 O Cotidiano Profissional da Merendeira

Para compreensão do trabalho da merendeira (Quadro 6), apresenta-se, a seguir, um pouco das histórias profissionais dos sujeitos da pesquisa oral que exerciam essa função antes da reabilitação.

Quadro 6 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo de merendeira

Identificação dos sujeitos

da pesquisa Merendeira (7) Merendeira (14) Merendeira (16)

Idade na data da pesquisa 58 anos 63 anos 54 anos

Idade que ingressou na

reabilitação 53 anos 58 anos 48 anos

Tempo de trabalho na

Prefeitura 12 anos 19 anos 22 anos

Tempo de trabalho na

nova função 5 anos 5 anos 6 anos

Formação 2o Grau completo Ensino Fundamental

incompleto Ensino Fundamental incompleto

Cargo do Concurso Merendeira Merendeira Merendeira

Referência

Salarial (Tabela DRH jan./13. Conversão em salários-mínimos)

1.80 sm 2.00 sm 2.04 sm

Regime de Trabalho CLT Estatutário Estatutário

Carga Horária Semanal 40h/semanal 40h/semanal 40h/semanal

Função exercida após a

reabilitação Atendente Copeira Atendente

Nota: A referência salarial utilizada é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em jan./ 2013. Ocorreu a conversão em salário-mínimo, considerando por referência o salário-mínimo referência nacional em maio/2013. A contagem dos anos foi realizada com referência até maio/2013.

Na organização do trabalho das merendeiras, descrita pela Merendeira – 7, retrata-se como era seu trabalho em meados de 2000, em comum com os demais sujeitos da pesquisa, que têm o cargo de merendeira mostra-se a intensidade do trabalho físico. Essa passagem é recordada com a descrição de suas tarefas diárias. Naquela época, vinham pacotes de carne

de 8k a 10k num só para tirar do freezer. Não é como agora. Vinham muitas laranjas para descascar. Tinha que descascar 3 a 4 sacos de laranjas por dia e às vezes uma pessoa só, não é como agora. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012)

A Merendeira – 14 continua a descrever esse trabalho, que corresponde à intensidade do esforço físico que caracteriza o trabalho das merendeiras:

(...) era um lugar que a gente carregava muito peso, dependendo das escolas, aquelas panelas enormes de comida. Então, é mulher que trabalha ali! Então, tem que tirar aquela panela pesada, erguer peso, chegava mercadoria, você tinha quer por, então, é peso. Daí, eu comecei com hérnia e foi... Eu não sabia o que era e então eu fui no médico e ele falou que tinha que fazer a cirurgia. Eu fiz a cirurgia, fiquei um tempo afastada. Não foi muito tempo, não recordo quanto e depois voltei a trabalhar. Depois de dois anos, eu operei a mesma hérnia, que voltou de novo. Então, porque eu operei? Mas eu continuei fazendo aquilo lá, é consequência do trabalho, muito peso, a gente fez muitos eventos também, essas coisas que tinha naquele tempo. Hoje é diferente. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

A Merendeira – 14 conta que hoje é diferente. Essa fala expressa que ocorreram mudanças na organização do trabalho das merendeiras. As doenças osteomusculares, que adoeceram muitas trabalhadoras vítimas de desgastes físicos e ainda adoecem, estão perdendo espaço para as doenças mentais, que têm aumentado, nos índices dos motivos de reabilitação profissional, como se nota na pesquisa quantitativa realizada. A Merendeira – 7 conta que era

Corrido, bem corrido, sim, repartido com outras pessoas, um dia ficava na pia, outro no fogão, um dia no lado de lavar a louça e outro dia no cortado dos legumes, cada semana era uma que cozinhava, era bem organizado. Acho que eram quatro merendeiras e uma readaptada, que ajudava na época. Então, problema de coluna, eu fiquei com pressão alta, por causa da menopausa, mas foi por quê? Por causa da coluna, deu lordose e escoliose, processo degenerativo na coluna, então eu não posso fazer mais aquele trabalho. (...) Até hoje eu tenho dor. Porque é um problema crônico, que não tem cura e eu vou falar a verdade para você, eu não vou assim ao médico porque eu sou celetista e se eu ficar afastada eu fico sem receber. A lordose é assim, ela fica repuxando, fica caindo a coluna também, agora tenho dores, mas, pode ser pelos anos de trabalho. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012)

Hoje, a merenda compra os alimentos já picados e separados, para facilitar o trabalho, também boa parte da merenda é terceirizada, assim como ocorre com os serviços gerais, mas isso nos remete a pensar em outro problema mais grave, o da terceirização do serviço, uma forma de incitar o problema da saúde do trabalhador do setor público para o setor privado e agravar a questão, que passa a não ser mais visível no serviço público. Entretanto, os desgastes desses trabalhadores terceirizados, como ficam?

Não sabemos como trabalham, entre outros aspectos, que foram ocultados através dos processos de terceirização dos serviços. Perde-se o controle, com a vinda dos funcionários terceirizados, que são rotativos e quando adoecem são facilmente descartados pelo empregador e não tem a estabilidade do servidor público.

Agora não sei, porque não estou mais na cozinha, pelo que vejo, não tem mais laranja para descascar. Antes, tinha que fazer gelatina, tinha que fazer mingau de maisena com chocolate, grudava tudo no fundo da panela, lembra? Tinha mandioca, tinha bife de fígado para ser cortado, a carne não vinha cortada, tinha mandioca, que agora não tem. Antigamente, tinha mandioca para descascar, vinha peixe para fritar, agora não tem peixe frito, nada, facilitou para elas, foi melhorando, diminui. As panelas da creche são médias, as da escola eram piores. Eu cheguei a ir na escola, e as panelas, cabiam eu dentro delas, as da escola, é terrível, é verdade sim, você já viu! e antes você era cobrada de produção, por causa de ter uma cozinha. É diferente, hoje, por causa dos horários de almoço, essas coisas tinham cobrança. (Merendeira – 7, depoimento colhido em outubro de 2012).

Continua a Merendeira - 14,

Eu gostava porque, quando você trabalha como merendeira, trabalha em lugares que é muita gente. É equipe. E quando você trabalha em equipe, a gente se dá muito bem. Tem colaboração, então você trabalha, mas você se diverte também. O grupo, as pessoas, você conversa, você brinca, você ri. O tempo passa que você não vê. E se trabalha, por exemplo, numa escola ou numa creche, como eu trabalhei. Não, você trabalha com crianças, na escola, ou numa creche, tem tempo, porque você entra às 6 horas, 15 para as 7, a criança entra e vai tomar o café, tomar leite, comer o pão, ela chega e aquilo ali tem que estar pronto, então, a gente trabalha com horário. Chega numa creche, numa comparação, hoje, não sei como está, porque faz tempo que não estou trabalhando assim, então, o almoço da criança é às 11 horas, e a comida tem que estar pronta, então, a gente trabalha com o horário. Mas, agora a equipe é boa, porque você trabalha numa creche, vamos supor, você trabalha uma semana, comigo era assim, então, essa semana, eu pego o fogão para fazer a comida, eu, você e mais uma, então, essa semana é minha semana de cozinhar, então, você vai preparar as coisas, vai levar a verdura, outra vai cuidar da sobremesa das crianças, daí, outra, a outra semana inverte; na escola, a gente trabalha assim, para não sobrecarregar uma só. A era a gente que fazia. Então, ficava assim, o último serviço na merenda que eu fiz foi numa escola aqui perto, nós éramos três, e a cada semana era uma que cozinhava. Então, uma semana era eu, outra era a “fulana” e a outra era a “beltrana”, daí voltava de novo. Agora, tem dois locais, quer dizer, tem as escolas, vou falar do meu tempo, eu não sei contar. Tinha as escolas e as creches, então, a escola é completamente diferente da creche. Na creche, a criança toma o café das 7h às 8h. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012).

Assim, revela-se como era a rotina diária da merendeira.

Entrava antes para preparar. Tinha uma turma que entrava, vamos supor, às 6h da manhã e uma às 6h30 da manhã e a outra às 7h30, porque, daí, eu ia embora mais cedo. Eu entro de manhã, prepara o café, o almoço, depois tem o lanche da tarde, e antes de ir embora dava uma sopa, alguma coisa, hoje eu não sei como está E daí, se eu entrei às 6h da manhã, a outra, que chegava mais tarde, saía às 17h. Porque, se eu entrasse às 6h da manhã, e fosse sair às 17h, ia dar muito mais do que oito horas. (Merendeira – 14, depoimento colhido em outubro de 2012)

Descreve a possibilidade de revezar horário, uma forma de o empregador evitar o pagamento de horas extras. Quem entrava às 6h, saía às 16h. Quem entrava às 7h, saía às

Continuam as experiências vivenciadas pela Merendeira – 16

Olha, eu comecei, oh, Jesus! Quando eu comecei a trabalhar! Eu comecei a trabalhar no “tal lugar”, você se lembra? Existia no centro, faz tempo que encerrou. Era um lugar complicado, onde ninguém queria trabalhar, que eram meninos de rua, praticamente sem educação e tinha uma merendeira muito boa que trabalhava ali, aí, eu fiz amizade com ela, eu vim algumas vezes substituí-la e ela me dizia que queria sair dali, mas, depois que eu fui ver, por pessoas, que não era pelas crianças, nunca o local foi ruim pelas crianças, mas sim por que existia uma diretoria, só que, quando você precisava dessa diretoria, não tinha apoio nenhum e a gente via que existia muita coisa errada da diretoria, (...) Eu trabalhei sozinha, muitas vezes, eu trabalhei em escola, sozinha, em uma época que se fazia arroz, feijão, mistura e salada. Então, fazer sozinha já era difícil, servir sozinha, muito pior e depois limpar tudo sozinha, é complicado.

Era uma merenda às 10h da manhã, a outra às 15h da tarde, é muito perto e a gente tem que fazer tudo fresquinho ali, não podia fazer de manhã. Eu servia entre 300 a 350 crianças, em cada refeição. Para trabalhar junto, só eu. Muitas vezes, eu trabalhei com quatro pessoas, na creche. Eu cheguei a trabalhar na escola sozinha. O médico solicitou, na realidade, eu nem me lembro, porque minha readaptação surgiu assim, eu nem sabia que eu seria readaptada. Deu problema primeiro no túnel do carpo, daí eu operei a minha mão, em seguida, a merenda era administrada, às vezes, por pessoas, tinha um senhor lá que era um carrasco com a gente. Ele cobrava. Ele não estava nem aí, se estava doente ou não estava. Se estava bem, ou não estava. Porque, na época em que operei, eu trabalhava no “tal local”, eu precisava só de uma ajudante. Ele dizia que não tinha como colocar uma ajudante, mas ele colocou outra pessoa e me mandou do outro lado da cidade para trabalhar. Então, é coisa que você vê que não tem lógica, é coisa que está sendo feita por desprezo mesmo. Isso não aconteceu só comigo. Então é meio complicado. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).

Na verdade, os cargos de gestão no serviço público, as chamadas chefias de setor e departamento, nem sempre são preenchidos por concurso público. Muitas vezes, são indicações por fatores políticos e não pela qualificação e pela experiência do trabalhador. No caso das diretoras de escola, é realizado um processo seletivo interno, do qual podem participar os professores concursados.

Então, do “tal local”, eu fui para “tal local”, e lá fiquei um tempo até que não deu mais. A dificuldade, que já falei para você, é mesmo no relacionamento humano, que é difícil, tem gente que aceita, tem gente que não, tem gente que desdenha, tem gente que faz pouco caso, tem gente que não aceita. Pouco caso, imagina, eu com dor, tenho cara de que estou com dor? Eu não tenho cara de que estou com dor, mas estou com dor, então, só eu sei da minha dor, isso ninguém quer saber, não importa, é um tipo assim, você está aqui, tem que fazer, vai ter que limpar o chão, vai ter que lavar o prato, vai, e eu não tive problema, se eu estiver aqui, ou em qualquer lugar que seja, se tiver que lavar o banheiro, eu lavo numa boa. Eu não tenho preconceito, só que é complicado. (Merendeira – 16, depoimento colhido em outubro de 2012).