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CAPÍTULO II – TRABALHO

2.5 O Cotidiano Profissional do Professor de Ensino Fundamental

O contexto dos professores públicos chama a atenção para a realidade da organização do trabalho que perpassa as circunstâncias desfavoráveis dessa função, como expressa essa atividade de educar e as condições de trabalho relatadas pelos sujeitos (Quadro 8) são apresentada a seguir, por meio de suas histórias profissionais, de quando exerciam o cargo de professor de ensino fundamental, antes da reabilitação.

Quadro 8 – Características dos sujeitos de pesquisa qualitativa – cargo professor fundamental

Identificação dos sujeitos

da pesquisa Professora (5) Professora (10) Professora (6)

Idade na data da pesquisa 67 anos 39 anos 47 anos

Idade que ingressou na

reabilitação 65 anos 36 anos 44 anos

Tempo de trabalho na

Prefeitura 7 anos 13 anos 9 anos

Tempo de trabalho na

nova função 2 anos 3 anos 3 anos

Formação Superior Superior Superior

Cargo do Concurso Professora do Ensino Fundamental Professora do Ensino Fundamental Professora Educação Fundamental Referência Salarial (Tabela DRH jan./13. Conversão em salários-mínimos) 2.80 sm 3.08 sm 3.09 sm Regime de Trabalho CLT CLT CLT

Carga Horária Semanal 33h/semanal 33h/semanal 33h/semanal

Função exercida após a

reabilitação Escriturária Assistente Pedagógica

Auxiliar de Coordenadora

Pedagógica Obs.: A referência salarial utilizada na tabela é a indicada pelo Departamento de Recursos Humanos em janeiro/2013. Ocorreu a conversão em salário-mínimo considerando por referencia o salário-mínimo nacional em maio/2013. A contagem dos anos foi realizada com referência a maio/2013.

O que eu percebi na rede pública municipal é que existe muita cobrança do professor, existe uma pressão psicológica no sentido de que ele tem que produzir. Mas não é para o aluno, ele tem que produzir para mostrar para a chefia para mostrar para quem está cobrando. Então, você não produz conforme está pensando, você produz conforme alguém a comanda, é diferente; por bastante tempo, eu trabalhei na rede municipal, só que eu não fiquei como professora, eu passei para diretora, como coordenadora, eu fiquei como professora na rede só por dois anos. Então, você tem uma concepção de aprendizagem, não tinha valor. Tinha valor para fazer dessa forma, que todo mundo faz, e é dessa forma que eu quero que você faça. Então, isso deixa a gente às vezes sem identidade, como professor. Essa pressão não foi boa, não foi um processo bom. (Professora – 10, depoimento colhido em outubro de 2012).

Continua a Professora – 5.

O professor não trabalha sozinho, a gente, além dos 30, 40 alunos que tem, nós temos o dobro e triplo de pais. E, muitas vezes, nessa área, não falo de uma mágoa, um problema muito sério e a gente conversar com os pais que não aceitam o trabalho da gente. Já aconteceu isso comigo, quando eu iniciei o meu processo na área de educação, foi no Estado, e a gente tinha cursos e cursos para fazer, então, não é como a municipal, que hoje está, e os cursos são também inferiores ao Estado. A educação, a gente ouve falar que está falida, esqueceram do trabalho com ela, mas se for ver, não está falida. É o próprio professor, a própria escola, colocar para fora o trabalho que faz. Quando eu comecei, eu fazia cursos, com o MEC, com o pessoal do MEC fazia cursos na Secretaria da Educação do estado, vinham professores doutores de fora do País para a gente conversar. Aprender com eles, comparações de trabalho em sala de aula do Chile e do México, por exemplo, o Brasil, então, foi lindo o trabalho, valeu muito a pena, o trabalho foi gratificante, tive muito empecilho, no começo, na direção de escola, porque a gente fazia curso de especialização, fazia curso de enriquecimento e viajava aos sábados para fazer, às vezes, passar dois a três dias. Foi pelas experiências que eu tive há muito tempo. Então, a gente trabalhava com criança. Até então não tinha muita criança, a gente tinha uma média de 25 a 28 crianças. Eu sempre fui alfabetizadora, eu sempre preferi pegar o primeiro e segundo anos, vieram as mudanças na nomenclatura. A primeira série e a segunda série, o primeiro ano, que correspondia ao infantil, e o ensino infantil, para o fundamental, eu passei por toda essa mudança, dentro da sala de aula. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

A Professora -5 faz referência ao período da mudança de nomenclaturas do ensino infantil, com a reforma da educação infantil, que foi implantada em 1996, e que trouxe diversas mudanças, como a inclusão da educação infantil (creches e pré-escola), e continua a descrever as características do trabalho do professor,

Nós éramos cobradas, muito policiadas mesmo, pelo tipo de trabalho que fazíamos dentro da sala de aula. Você não tinha liberdade de trabalhar um assunto. Eu sempre gostei de sair com as crianças, fazer uma excursão, fazer plantio, inclusive por gostar disso, fui muito, por três a quatro anos, convidada pela Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura a fazer plantio com as crianças, ia ao zoológico, de 2005 a 2006, eu acredito que eu plantei com meus aluninhos mais de mil árvores na cidade e quando eu passei para o municipal eu comecei a encontrar esses empecilhos. Para levar um convidado para fazer uma palestra em sala de aula, você tinha que ter colocado no planejamento de janeiro, no início do ano, você sabia o

que ia dar o ano inteirinho. Não é tudo que você pode planejar e não é tudo que dá certo, principalmente com a história de eu querer sair com meus alunos, conversava com os pais, os pais iam junto, todos aceitavam, todos assinavam. Chegava à direção da escola, e eu era bloqueada. Não pedia ônibus, eu tinha que fazer tudo por minha conta com o aval dos pais. E aí eu me decepcionei com a educação municipal. Porque, bem na verdade, eu estava acima do conhecimento da direção, por onde trabalhei. Foi 2005, 2006 até 2010, um ano bom e três, quatro, péssimos, com a direção, a gente batia muito de frente, a gente gostava de dinâmica e gostava de sair com as crianças, aprender a mostrar coisas para eles, precisam disso, né, agora, principalmente, que toda a criançada vem com a Internet, tinha coisas que a Internet mostra, mas você tem que diferenciar. É um trabalho de campo que fiz e não fui muito entendida nesse aspecto.

Tive problemas, teve uma ocasião em que fui chamada na secretaria, eu me sentia como um grão de areia, insignificante, quando eu entrei numa sala, tinha oito supervisoras, era uma examinação, banca examinadora para questionar sobre como eu dava minhas aulas e se os alunos aprendiam, como eu sabia que meus alunos estavam aprendendo, como eu alfabetizava, me colocaram na frente de uma lousa, para eu ensinar, como se elas fossem crianças, foi assim humilhante, muito humilhante. Foi nesse período que, eu não sei, foi muito tumultuado. Eu gostava de fazer tudo aquilo, mas quando eu vi que não tinha como e nem a nível de supervisão, e foi nessa supervisão que eu me estressei muito, eu era vigiada até por servente, passavam na sala de aula e chegavam na direção que eu tinha falado isso e aquilo na sala de aula, que tinha criança que me perguntava e parece que ficavam observando só o meu trabalho, sabe, tinha escola que tinha visor na porta, então, quando eu menos esperava, tinha alguém no vidro olhando o que eu estava fazendo. Se estava dando giz de cor, se eu não usava giz de cor na lousa, quando eu ensinava, e queria ver o meu diário, se eu preparava a aula de todo dia. Eu nunca fui de centralizar ou documentar o que eu dava em sala de aula. Antes, eu preferia fazer tudo no final do dia, com todos os assuntos dados durante o dia. Isso também foi bloqueado, a gente tinha que fazer um semanário, eu acho isso muito pobre, muito pequeno. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

É possível observar como o trabalho do professor era controlado e como não tinha autonomia para escolher sua metodologia de trabalho, caracterizando um trabalho alienante, automatizado, que lhe era estranho.

Todo dia. Então você abre, pega o caderno grande, e marca lá. Na semana, por exemplo, de segunda a sexta-feira o que você vai dar todos os dias. Na segunda- feira, planeja, faz o esqueleto e trabalha aquele dia. Na terça, isso a gente fazia em casa, preparava a semana em casa. Então, a gente preparava, ainda funciona assim, que eu sei. Você tem os [Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo] HTPCs, pedaços de textos, de apostilas, que a gente lia, que não tinha nada a ver. A cobrança é muito grande, dentro da coordenação, que a gente queria planejar a aula, a gente era em três, ou quatro, do 1o, do 2o e 3o anos e todas juntas, no mesmo período, a gente queria trocar informações, trocar atividades, que deu na sala de aula, que podia colaborar. Chegava no HTPC, tinha três horas, tive uma professora que falou, professora de faculdade, que falou, um dia, que eram testículos que davam para a gente, porque davam xerox de parte de um livro, que elas achavam interessante, e davam aquilo para a gente, uma mensagem com diretas e indiretas ao professor. E o importante, que era trocar ideias, planejar uma aula parecida, porque nenhuma classe é igual a outra. Mas eles exigiam que a gente desse a mesma coisa, então, era todo esse nó. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

A professora, no decorrer das atividades, sentia falta de exercer um trabalho criativo que tivesse um significado. Não consegui desenvolver uma atividade intelectual, a partir de suas referências teórico-metodológicas; discutir em grupo, ou seja, queria um trabalho que gerasse valores úteis para a busca de um trabalho com valores úteis, ou seja, concreto. O horário coletivo de trabalho pedagógico, nas escolas municipais, acontece uma vez por semana, em reunião entre professores, diretor e coordenador pedagógico.

São três horas de reunião, com o objetivo de melhorar o trabalho pedagógico. Então,

aquele momento, ficava perdido, o que acontecia, por telefone às vezes à noite em casa ou então no dia seguinte chegava mais cedo cinco e dez minutinhos e a gente tinha que redigir, passar no mimeografo, computadores e escanear as atividades. A Professora 5 relata que o trabalho também ocorria no seu cotidiano doméstico.

Trabalhava em casa. Trabalhava, isso foram quatro anos. A tantos anos de magistério no estado, eu tenho parentes que até podem testemunhar quantas mil vezes chegava visita em casa de sábado à tarde, minhas primas e me viam sentada na sala de jantar, toda esparramada, preparando material, pesquisando livros e no tempo não tinha Internet, computador, informática na escola, né, isso é recente (...) (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

A professora não consegue falar com precisão sobre quantas horas se dedica ao trabalho.

Fora das seis horas diárias, contando as três horas que eram de HTPC fora do nosso período de trabalho, ainda sábado e domingo, não dá sinceramente para computar em horas, mas vamos supor, no mês, pelo menos três finais de semana, eu empregava para isso. Quando não chegava, tomava lanche, assistia a novelinha e sentava para preparar a aula do dia seguinte, isso ia até ás 23h30 ou 24h. Isso foram vinte anos do Estado e quatro anos da prefeitura isso foi muito duro e não se falando que aqui não existe cobrança, existe policiamento, então, por isso que as professoras de agora elas não têm... Eu tenho dó. Porque eu não sei se elas encantam ou se desencantam com a profissão. Porque, do mesmo modo que eu vejo o encanto, do mesmo modo eu vejo e ouço as queixas, ouço que preciso sair, de deixar, pedir exoneração, diretor sem capacidade, quantos diretores não têm postura para ocupar o lugar. A supervisão do estado, como no municipal, sempre foi cobrança, em vez de orientar, ninguém está fazendo, nem os coordenadores. (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

Evidencia-se que questões micropolíticas também influenciam nas relações profissionais, no cotidiano do professor. A Professora – 5 narra o momento em que sentiu constrangimento em relação à atitude de sua chefia.

Tipo assim, você está trabalhando mesa por mesa com a criança, um dos casos - apaguei a letrinha feia dele do caderno. Aí eu ensinei e sentei com ele para fazer uma letrinha melhor, caprichar na escrita, aí ele levou o caderno para casa e a mãe criticou porque eu tinha apagado a lição do caderno e feito ele fazer de novo. Ela foi reclamar com a diretora, porque eu não tinha o direito de fazer isso. A diretora, na frente dela, contestou que realmente não era para ter feito isso, que isso traumatizou o menino e ele ficou com medo de escrever. Então, vê se uma diretora chega e coloca uma posição dessa na frente da criança e da mãe, já que a criança ia ficar com medo de escrever, isso não se faz, isso é falta de profissionalismo. Isso foi cansando... Sabe... Cansando... (Professora – 5, depoimento colhido em outubro de 2012).

Assim, evidencia-se o despreparo da gestão pública para lidar com aspectos do cotidiano profissional dos trabalhadores no serviço público.