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CAPÍTULO II – TRABALHO

2.6 Adoecer e suas Características no Serviço Público

Verifica-se que ambos os cargos citados na pesquisa tem peculiaridades do trabalho ligadas ao desenvolvimento infantil e o fato desse tipo de trabalho ser executado, na maioria das vezes, por mulheres, nos leva a considerar alguns fatores como “a baixa remuneração obriga muitas mulheres (...) a manter mais de um emprego (...), têm uma tripla jornada de trabalho, já que deve ser também considerada a atividade doméstica” (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 226-227). Assim, as sobrecargas física e mental ainda são maiores, ao considerarmos as características das atividades do cotidiano doméstico, típicas de serem executadas pelo gênero feminino. Devido à lógica histórica do modelo tradicional de divisão de tarefas em nossa sociedade, é comum as mulheres assumirem as responsabilidades das tarefas da casa.

Ao olhar a faixa etária dos trabalhadores apontados nos Quadros 6, 7 e 8, nota-se que a média da idade em que ingressaram na reabilitação é de 49 anos de idade e com tempo de trabalho em média de 16 anos como servidor público, contudo, importante se faz propor uma reflexão. Ao comparar-se a idade com o tempo de serviço, nota-se uma aproximação sobre o tempo em que os servidores públicos estão adoecendo o que torna possível adotar medidas preventivas, antes que o desgaste aconteça, seja ele mental e/ou físico.

Ao ler os relatos, apesar das diferentes características de cada cargo exercido, notam- se semelhanças, pois as histórias narram momentos de convivências no cotidiano profissional

em que se evidenciam momentos citados pelos sujeitos que levaram aos desgastes mental e físico. Mostram-se momentos de dor e o sofrimento é sentido em diferentes formas e expressos de diferentes maneiras. Reafirma-se a questão de que o adoecimento não aparece de repente, mas vem sendo construído no dia a dia, nas relações cotidianas desses trabalhadores do serviço público.

O adoecimento que levou ao processo de reabilitação vem de um sofrimento mental que não apareceu de repente, mas que surgiu a partir “do choque entre um indivíduo, dotado de uma história personalizada, e a organização do trabalho, portadora de uma injunção despersonalizante”, e daí “emergem uma vivência e um sofrimento (...)” (DEJOURS, 1992, p. 43). Um melhor entendimento do processo de adoecimento requer a análise das patologias de maior incidência.

Para classificar, segundo a patologia que levou à reabilitação, foi utilizada a

Classificação de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde frequentemente designada pela sigla CID (em inglês: International Statistical Classification of Diaseases and Related Health Problems – ICD) (...) A CID – Classificação Internacional de doenças é publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é usada globalmente para estatísticas de morbilidade e de mortalidade, sistemas de reembolso e de decisões automáticas de suporte a medicina. (WIKIPEDIA, 2012. Disponível em: <http://www.wikipédia.org>. Acesso em: 20 maio 2012).

A classificação é importante para entender o conjunto de doenças que mais afetaram os trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação no período da pesquisa. Os códigos usados pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, constam no Quadro 9.

Quadro 9 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde

Capítulo Códigos Título

I A00-B99 Algumas doenças infecciosas e parasitárias II C00-D48 Neoplasmas (tumores)

III D50-D89 Doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários IV E00-E90 Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas.

V F00-F99 Transtornos mentais e comportamentais VI G00-G99 Doenças do sistema nervoso

VII H00-H59 Doenças do olho e anexos

VIII H60-H95 Doenças do ouvido e da apófise mastoide

Quadro 9 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde

Capítulo Códigos Título

IX I00-I99 Doenças do aparelho circulatório X J00-J99 Doenças do aparelho respiratório XI K00-K93 Doenças do aparelho digestivo

XII L00-L99 Doenças da pele e do tecido subcutâneo

XIII M00-M99 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo XIV N00-N99 Doenças do aparelho geniturinário

XV O00-O99 Gravidez, parto e puerpério

XVI P00-P96 Algumas afecções originadas no período perinatal

XVII Q00-Q99 Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas XVIII R00-R99 Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte

XIX S00-T98 Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas XX V01-Y98 Causas externas de morbidade e de mortalidade

XXI Z00-Z99 Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde XXII U00-U99 Códigos para propósitos especiais

Fonte: Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org >. Acesso em: 20 maio 2012.

Com base nesses códigos, elaborou-se o Quadro 10, em que se demonstram os números especificando a real demanda de cada CID, conforme o grupo de cada patologia que levou ao adoecimento.

Quadro 10 – Número de trabalhadores que passaram pela reabilitação por patologia (causa da reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006 a 2011

Classificação da doença 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

A00-B99

Algumas doenças infecciosas e

parasitárias 0 0 0 0 0 1 1 C00-D48 Neoplasmas (tumores) 0 0 0 0 0 1 1 F00-F99 Transtornos mentais e comportamentais 1 2 1 12 4 5 25 G00-G99

Doenças do sistema nervoso 0 0 0 0 0 1 1

H60-H95

Doenças do ouvido e da

apófise mastoide 0 0 0 0 0 2 2

Quadro 10 – Número de trabalhadores que passaram pela reabilitação por patologia (causa da reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006 a 2011

Classificação da doença 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

I00-I99 Doenças do aparelho circulatório 0 0 1 0 0 0 1 J00-J99 Doenças do aparelho respiratório 0 0 0 0 1 1 2 K00-K93

Doenças do aparelho digestivo 1 0 0 0 0 0 1

L00-L99

Doenças da pele e do tecido

subcutâneo 0 0 1 2 0 0 3 M00-M99 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 3 9 7 9 7 8 43 S00-T98 Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas

0 0 0 2 0 0 2

Fonte: Elaborado com base nos dados cruzados do Programa de Readaptação Profissional – maio/2012 e na Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org >. Acesso em: 20 maio 2012.

Dentre os CIDs apresentados no Quadro 10, ressaltam-se as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (CID. M00-M99). O considerável número leva à reflexão sobre os fatores ergonômicos ligados às atividades que demandam cargas de trabalho intensivas e requerem esforços físicos para atender às exigências das tarefas. Para melhor entender esse processo, é preciso recorrer a “uma visão ergonômica que, ao considerar o corpo, leva em conta também a dimensão social, assim como a subjetividade e o significado do trabalho para quem o executa,(...)”. (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 84).

Esse fator de adoecimento é muito evidenciado na intensificação do trabalho verificada nos cargos de merendeira, devido aos esforços físicos necessários para atender às exigências de suas tarefas.

Gráfico 3 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação por patologia (causa da reabilitação), conforme CID-10, no período de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio/ 2012.

Segundo dados dos Gráficos 3 e 4, há incidência de doenças que levaram à reabilitação relacionadas, em primeiro lugar, ao CID M00-M99, que se refere a doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (com 52%). Em segundo lugar, com 30%, está apontado o CID F00-F99, que se refere a transtornos mentais e comportamentais.

Gráfico 4 – Porcentagem de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação segundo código da doença apresentada para reabilitação, no período de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio de 2012.

Legenda: M00-M99 - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo F00-F99 - Transtornos mentais e comportamentais

Legenda: M00-M99 - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo F00-F99 - Transtornos mentais e comportamentais

A Organização Mundial de Saúde utiliza-se da nomenclatura especificada no CID para registros de dados de morbidade e mortalidade. Na Perícia Médica municipal, os peritos também utilizam essa referência em documentos, laudos, perícias e pareceres médicos.

Destacam-se, nos Quadros 11 e 12, os desdobramentos dos CIDs de maior incidência nos processos de reabilitação.

Quadro 11 – CID M00-M99, que se refere a doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

1 M00-M99 Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 1.1 (M00-M25) Artropatias

1.1.1 (M00-M03) Artropatias infecciosas 1.1.2 (M05-M14) Poliartropatias inflamatórias

1.1.3 (M15-M19) Artroses

1.1.4 (M20-M25) Outros transtornos articulares

1.2 (M30-M36) Doenças sistêmicas do tecido conjuntivo 1.3 (M40-M54) Dorsopatias

1.3.1 (M40-M43) Dorsopatias deformantes 1.3.2 (M45-M49) Espondilopatias

1.3.3 (M50-M54) Outras dorsopatias

1.4 (M60-M79) Transtornos dos tecidos moles

1.4.1 (M60-M63) Transtornos musculares

1.4.2 (M65-M68) Transtornos das sinóvias e dos tendões 1.4.3 (M70-M79) Outros transtornos dos tecidos moles

1.5 (M80-M85) Transtornos da densidade e da estrutura óssea 1.6 (M86-M90) Outras osteopatias

1.7 (M91-M94) Condropatias

1.8 (M95-M99) Outros transtornos do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

Fonte: Lista de códigos da CID-10. Disponível em: <http://www.wikipédia.org> . Acesso em: 20 maio 2012.

Como se menciona na literatura contemporânea, é muito frequente encontrar as causas do adoecimento relacionadas à questão do desgaste mental, como aponta Seligmann-Silva (2011, p. 84), ao afirmar que “Várias mediações podem ser identificadas nos processos

coletivos e individuais que conduzem ao desgaste mental vinculado ao trabalho. As mais importantes são de natureza micropolítica, cultural e psicossocial”.

Tal afirmação é comprovada ao analisar as relações de trabalho, como observado nas histórias relatadas. O desgaste mental está presente nas dinâmicas pessoais e do trabalho. É necessário reconhecer que esse desgaste pode levar a transtornos mentais e comportamentais irreversíveis. A causa mental é evidenciada, na prática cotidiana, como a segunda maior incidência, nos processos que levaram à reabilitação profissional, nos últimos anos. Mesmo entre os sujeitos que foram indicados com o CID relacionado a doenças osteomusculares, são comuns traços, em suas narrativas, que comprovam também ter ocorrido desgaste mental, o que se nota nos relatos das merendeiras.

Também se confirma o conceito, pelos sujeitos da pesquisa em suas falas quando exemplificam situações reais vivenciadas no trabalho, que demonstraram o desgaste mental, ao relembrar o processo de adoecimento, como expressa a fala da Monitora - 16: Eu era um

poço de estresse, qualquer coisa eu queria bater.

No Quadro 12, consta o desdobramento do CID F00-F99, para melhorar visualização das diversas patologias que envolvem essa classificação.

Quadro 12 – CID F00-F99 que se refere a transtornos mentais e comportamentais

1 F00-F99 Transtornos Mentais e do Comportamento

1.1 (F00-F09) Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos

1.2 (F10-F19) Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa

1.3 (F20-F29) Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes

1.4 (F30-F39) Transtornos do humor [afetivos]

1.5 (F40-F48) Transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes

1.6 (F50-F59) Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos

1.7 (F60-F69) Distorções da personalidade e do comportamento adulto

1.8 (F70-F79) Retardo mental

1.9 (F80-F89) Transtornos do desenvolvimento psicológico

1.10 (F90-F98) Transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência

1.11 (F99) Transtorno mental não especificado

Observa-se, no Gráfico 5, que o número de reabilitações vem aumentando, conforme aumenta o tempo de trabalho e apresenta-se com diminuição a partir de 15 a 19 anos e 11 meses de serviço. A diminuição do número de reabilitações nessa faixa pode ter relação com a possibilidade de aposentadoria, também se deve levar em conta outros anos trabalhados antes do ingresso no cargo público e, no caso especifico de professor, a aposentadoria pode ocorrer a partir dos 25 anos de exercício da profissão em sala de aula.

Gráfico 5 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação profissional, conforme o tempo de trabalho no serviço público municipal ao entrar no processo de reabilitação, no período de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012.

A média de tempo de trabalho que o servidor tem adoecido, com indicação para reabilitação, no serviço público municipal, está na faixa de 10 a 14 anos e 11 meses de exercício do cargo público. Nota-se que a idade em que o servidor foi indicado para a reabilitação é um fator muito importante para a reflexão sobre se o adoecimento está relacionado a uma série de agravos à saúde decorrente do envelhecimento.

Nota-se, no Gráfico 6, que a média de idade de maior incidência, está entre 40 a 49 anos, fator relevante, descaracterizando a ideia do adoecimento que leva à reabilitação estar

relacionado apenas a agravos da saúde com o envelhecimento, visto que a principal demanda está relacionada a pessoas mais novas.

Gráfico 6 – Número de trabalhadores que passaram pelo processo de reabilitação, conforme a idade que tinham ao entrar no processo de reabilitação, no período de 2006 a 2011

Fonte: Programa de Reabilitação Profissional – maio 2012.

No Gráfico 6, não é apresentado a faixa de idade acima de 69 anos, porque, ao completar 70 anos, o servidor público é aposentado compulsoriamente. Trata-se de passagem obrigatória do servidor da atividade para a inatividade.

É importante também relacionar a diminuição do número de reabilitações com o aumento da idade dos reabilitados devido à proximidade da aposentadoria, com maior probabilidade, a partir dos 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens.

Observa-se que os dados quantitativos do grupo maior, de 82 sujeitos, refletem a idade de maior incidência, do grupo menor, dos nove sujeitos que participaram da história oral, com média de idade de 49 anos. Como já dizia Marx: “O consumo da força de trabalho pelo capital é tão intenso que o trabalhador de mediana idade já está em regra bastante alquebrado” (LARA; CANOAS apud MARX, 2010, p.137).